Capítulo Quarenta e Seis

434 28 10
                                    

Diogo Novais

— Diogo, a culpa não foi sua. Fatalidades acontecem o tempo inteiro, o que ocorreu foi só uma resposta do seu corpo ao escutar um som hostil. Ao escutar aquele grito o seu corpo ficou em alerta, se enrijeceu e aí, infelizmente, você efetuou o disparo. — disse serenamente, me acalentando.

Meus olhos, turvos por conta das lágrimas, me impediam de enxergar o trânsito com clareza. Era inegável que eu me sentia mais leve, menos culpado e sobrecarregado, mas a culpa ainda estava ali comigo. Eu não podia fingir que aquela maldita bala não tinha saído do meu fuzil, do meu! Mas... Antes da doutora Melina, eu não conseguia ver aquele dia com outra ótica.

— Então vai! Dispara logo!

Apertei o volante involuntariamente ao lembrar da voz daquele filho da puta, eu conseguia lembrar com perfeição, parecia que tinha acabado de acontecer. Se o Paiva não tivesse me apressado, alertado os traficantes com o seu grito, nada daquilo teria acontecido. Mas agora, mesmo tendo a ciência de que a culpa não era cem por cento minha, eu ainda não conseguia me desgarrar daquele sentimento.
Mudei a minha rota e mesmo já sendo quase nove e meia da noite, acalerei em direção à Zona Norte. Meu destino final foi o Cemitério de Irajá, era lá que o Gabriel estava. Eu sabia. Me lembro que no dia seguinte do seu enterro, fui até lá deixar flores e algumas lágrimas de culpa e arrependimento. Se eu fosse no dia de seu enterro, não sairia vivo, preferi ir depois.
O cemitério estava fechado, mas entrar em cemitério era a coisa mais boba que existia, era só pular o portão e foi o que eu fiz.
Andando vagarosamente por entre as ruas, não demorou pra que eu chegasse no seu túmulo.

— Gabriel Henrique da Silva Almeida. — li o seu nome em voz alta — Dois mil e cinco, dois mil e dezessete. — meu peito pesou ao ler o ano da sua morte, da morte que querendo ou não, eu causei.

Me aproximei e pus a mão em sua foto. Ele estava sorridente, parecia estar vivendo um dia feliz no momento em que aquele registro foi feito. Sorri leve e me escorei no mármore branco que a aquela altura estava completamente empoeirado. Fiquei em silêncio, olhando pra sua lápide, melancólico e pensativo. Parecia um pouco sem nexo o que eu estava fazendo, talvez até doentio, mas aquilo fazia parte do meu processo de aceitação, pra eu aprender a conviver de uma vez por todas com aquela culpa.

— Gabriel — suspirei —, me perdoa. Me perdoa por... Ter feito isso contigo. Por não ter conseguido te salvar. — uma lágrima caiu — Não tem um dia que eu acorde e não me lembre de você. — minha voz mal saía — Me desculpa.

Tudo ficou turvo. Sequei meus olhos enquanto olhava a esmo, envergonhado diante de seu túmulo. Olhei em volta e vi uma flor no chão, estava murcha, quase seca, ao lado do túmulo da frente. Fui até ela e a peguei, pedi licença ao verdadeiro dono daquela flor e caminhei de volta pra onde eu estava. A vozinha dele de criança martelava na minha mente, era inesquecível. Me lembrei dele dizendo enquanto agonizava que queria ser policial... Policial. Ele queria ser que nem eu e eu o matei.

— Você combateu o bom combate, guerreiro. — disse pondo a flor centralizada em cima do mármore que cobria o seu caixão — Fica em paz que eu tô tentando ficar em paz daqui.

Um vento frio passou por mim, me fazendo arrepiar e sentir alívio. Uma sensação de calmaria. Era como se... Ele tivesse me perdoado, como se ele tivesse me acarinhado. Fiquei em paz.

— Ei! — alguém gritou.

Meu coração disparou e eu olhei na direção daquela voz, orando pra não ser uma assombração, mas pra minha sorte era só o zelador do cemitério. Suspirei aliviado, sentindo o meu corpo formigar por conta do susto. Eu nem sequer escutei os passos daquele homem, nem o barulho do seu molho de chaves, nada!

Entre A Paz E O CaosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora