Capítulo Seis

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Felipe Ribeiro

— Você é meu maior desgosto, Felipe.

Essa frase martelava na minha mente toda vez que eu pegava em uma arma. Me olhava no espelho e já não me reconhecia, eu me sentia um estranho pra mim mesmo.

— Lpê! — John Wallace, mais conhecido como Johny Bravo, o chefe do tráfico no morro entrou na minha casa sem eu perceber.

Ele havia assumido o posto depois da invasão que teve na Rocinha por causa dos conflitos entre o Rogério 157 e o Nem.

— Cê tem que parar de fazer isso, Johny, qualquer dia eu te dou um tiro. — disse calmamente, sentando no sofá e acendendo um baseado.

Depois da morte da minha mãe, ele me acolheu como um filho e eu o via como uma figura paterna a qual eu não tive. Ele me ensinou a me virar na cozinha, me ensinou a dirigir, me ensinou a endolar, me ensinou a manusear diversos tipos de armas de fogo, me ensinou a matar, me ensinou a ser frio.

— Se liga! — ele me mandou uma mídia, era a foto de um homem que aparentava ter vinte anos.

— Quer que eu passe ele, paizão? — dei um longo trago o olhando.

— Quero, mas essa missão vai ser mais difícil. Ele tá no Complexo do Lins, cê vai ter que buscar ele e trazer pra cá.

— Fácil. — esvaziei os pulmões, vendo a fumaça se esvair no ar.

Eu era as pernas de Johny, ele não podia sair do morro, caso contrário poderia ser preso ou capturado por algum traficante de facção rival, mas eu podia sair da favela. Não tinha nenhuma rede social, a não ser aplicativo de mensagem, poucas pessoas tinham meu número e eu não tinha foto de perfil. Não tirava foto com ninguém, eu era invisível, me conheciam só por nome, e quem já havia me visto pessoalmente e era de facção rival, nem estava mais vivo pra contar história.

— Mas eu quero que cê vá agora, Lpê. — disse indo até o hack e se servindo de uma dose pequena de whisky.

— Pera lá, né, Johny? Acabei de acordar. E outra, eu não sou bandido burro que vai e faz as coisas sem ter planejamento antes, não. Cê vai ter que me dar um tempo!

— Por isso que cê é meu braço! — disse sorrindo. — Cê consegue trazer ele pra cá até quando?

— Me dá uma semana pra eu estudar o cara.

— Te dou até um mês!

— Uma semana tá bom, chefe. Deixa comigo.

Ele deixou o copo em cima do hack e saiu da minha casa. Respirei fundo e me deitei no sofá, apaguei o baseado e fiquei pensando quem eu chamaria pra ir comigo buscar o cara, ir sozinho poderia não dar certo, não queria morrer, não agora.

Por uma semana, eu saí da Rocinha e fui ao Complexo do Lins. Descobri que o cara tinha uma filha de aproximadamente seis anos de idade, todo dia ela ia pra escola a tarde, eu podia fazer dela minha isca, mas eu não admitia covardia com criança e nem com mulher.

Então eu descobri uma coisa que era muito mais válida pra mim. Em um determinado horário da tarde, quando estava perto de anoitecer, ele ficava no ponto do moto-táxi conversando com os moto-taxistas, provavelmente eram ex-traficantes que haviam tido sorte de arrumar um emprego após tirarem a camisa da facção, dava pra eu sequestrar ele tranquilamente.

Entre A Paz E O CaosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora