Capítulo Quarenta e Sete

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Felipe Ribeiro

O rastro de morte se estendia por todo o Morro do Dezoito. Os moradores estavam em desespero, aflitos com a guerra que havia estourado sem aviso prévio.
Em cada viela fizemos uma vítima da própria consequência. Se eles não tivessem decidido seguir por esse caminho, eles não teriam morrido.

— Inimigo à frente. — Jhonathan disse baixo, apontando.

Pus a cabeça minimamente pra fora do muro e vi um garoto branco, magricelo que estava de costas pra mim, nem sequer havia nos percebido ali, completamente assustado e perdido com o caos que a favela estava. O mesmo portava um fuzil, mas ele não parecia saber usar aquilo direito.

— Deixa, eu mato. — a AK disse, determinada.

— Não. — o Jhonathan disse — Pega ele e tenta extrair alguma informação, a gente já matou muito.

Precisei decidir em segundos a vida daquele moleque. O Jhonathan tinha razão.

— Dá um trezentos e sessenta. — disse ao Jhonathan que me acatou, olhando em volta.

— Quem vai? — AK cochichou.

— Eu. Me dá cobertura. — disse baixo.

Ela assentiu e eu respirei fundo, saindo de trás do muro vagarosamente sem fazer um único som. Tirei um canivete suíço do bolso da minha roupa, me aproximando cada vez mais do garoto, até estar perto o suficiente pra tapar sua boca com uma mão e o golpear com a outra. Nem precisei o desarmar, ao sentir a dor lancinante da lâmina entrando no seu braço, ele mesmo abriu as mãos e deixou o seu fuzil cair, o mesmo estava sem a bandoleira. O arrastei pra trás do muro e o joguei no chão, escutando o seu choro e o seu pedido de piedade.

— Não grita e nem chora alto. — disse perto do seu rosto — Teu chefe tá entocado aonde? — olhava dentro dos seus olhos assustados, marejados.

— Eu não sei! — disse chorando — Eu sou novo aqui, eu não sei de porra nenhuma! — ele segurava seu braço esquerdo enquanto chorava sem emitir som.

— Então colabora. — rosnei — Você sabe sim! Se você não sabe, você conhece alguém que sabe!

— Eu não sei! — insistiu, jogando a cabeça pra trás de dor e chorando ainda mais — Não me mata, por favor!

Alimentei o fuzil e apontei pra testa dele.

— Fala agora. — disse pausadamente — Anda, seu filho da puta!

Sua bermuda de tactel verde, que era de um tom claro, foi mudando de tom gradativamente, até ficar escura bem no meio de suas pernas.

— Caô que ele se mijou! — o Das Mulher disse rindo baixo.

— Lpê, a gente não pode ficar parado muito tempo, assim a gente dá brecha pros inimigos avançarem. — o Jhonathan disse, me alertando.

— Escuta, seu mijão. — disse ríspido — Vou contar até três, se você não me passar a visão eu vou estourar a sua cabeça. — o molhado em sua bermuda aumentou ainda mais depois de eu ter dito aquilo — Um, dois... — esperei um pouco, mas vi que ele não ia colaborar então nem quis gastar o meu tempo — Três. — apertei o gatilho, mas o fuzil travou — Caralho! — exclamei irritado, batendo na lateral do fuzil a fim de destravá-lo.

— Ai. — o menino puxou o ar aliviado, o mesmo soluçava de chorar — Não, por favor! Eu sou novo aqui! Eu juro por Deus, não me mata! — fechou os olhos, se encolhendo.

— Rápido aí, Lpê! — o Jhonathan disse, atento à nossa volta — Deixa ele, ele parece tá falando a verdade.

— Levanta, você vai com a gente. — o puxei pelo braço machucado, apertando especialmente em cima da ferida, o escutando gemer de dor.

Entre A Paz E O CaosWhere stories live. Discover now