Capítulo 31

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Acordei hoje sentindo o cansaço do fim de semana. Primeiro toda a tensão emocional de sexta-feira e depois acompanhar o pique de Peter. Mas estou feliz, cheia de coisas para fazer e uma séria conversa com certa pessoa.

-E aí Kelly? Gostou do jogo sábado?

A peguei de surpresa, notei pela mudança de seu semblante. Ela permanece em silêncio, como se eu não estivesse falando nada. Arruma as coisas em sua bolsa e me ignora solenemente. 

-O Collin arrebentou no jogo, né? Peter saiu de lá louco, porque já o conhecia e é super fã dele. 

Ela joga sua bolsa sobre a mesinha e vira  agressivamente para mim.

-O que você quer Lara Jean?

-Quero te acolher Kelly. Quero que você confie em mim e diga qual o problema. Aliás, eu quero segurar sua mão e dizer que não há nenhum problema.

Ela volta a andar pelo quarto, procurando algo que não sei o que é.  Talvez esteja apenas fugindo, como sempre.

-Você não sabe o que está dizendo.

-Então me conta. Mas eu quero ouvir de você, porque eu já tenho certeza do que te aflige.

Sentada na cama, ela abraça as pernas e se mostra menos armada, como se precisasse de um afago. Eu me aproximo encostando meu ombro no dela, para saber que estou do seu lado. 

Hoje ela está com os cabelos presos em duas tranças no estilo boxeadora, as pontas roxas e umas argolas de madeira adornando a frente, e está muito linda. Kelly já me contou que usar tranças para o negro não é só estética pura e simples, é a manifestação de sua historia de resiliência, resistência e ancestralidade. Ela parece uma rainha ou uma guerreira, talvez. Mas por dentro mostra a fragilidade e a insegurança de quem precisa estar sempre com a guarda alta para se defender. 

-Porque as coisas tem que ser assim? Porque não podemos ser livres e buscar o caminho da nossa própria história?

- Você é livre Kelly. Você e o Collin são livres. 

-Ele é branco Lara Jean. Eu me apaixonei por um cara branco. Logo eu, a rainha da negritude.

Essa última parte ela fala com humor um pouco ácido. Eu sabia que era essa a questão dela, assim que bati o olho em Collin durante a partida. Posso dizer que acho isso inacreditável
 
-Kelly você luta por igualdade racial o tempo inteiro. Tá sempre estudando, se envolvendo em debates e discussões a respeito disso. Você não está indo na contramão da sua bandeira?

-Eu não entendi amiga.

-Imagina se fosse o contrário. Imagina se o Collin não quisesse ficar com você só pelo fato de você ser negra. Isso ia gerar um escândalo,  correto?

-Racismo reverso não existe Lara Jean. 

Realmente racismo reverso não existe. Não dá para sair na rua com uma camiseta escrita 100%branco para provar alguma coisa. O negro hoje sai às ruas ratificando suas características e sua cultura porque durante anos foi um povo escravizado e posto às margens da sociedade, e ainda hoje não apagou as marcas deixadas pelo passado. 

-Não existe Kelly. Mas o que você tá querendo fazer é continuar com a segregação.  Então você luta por igualdade, mas negro só pode se relacionar com negro e branco só pode se relacionar com branco. É isso?

-Eu vou ser julgada por isso Lara Jean. As pessoas vão olhar para mim e dizer que sou hipócrita, que luto pelos direitos do negro mas namoro um branco.  

-Nós somos julgados o tempo inteiro amiga.  O outro nos julga por qualquer motivo, se não tiver um, inventa. Eu sou julgada por ser oriental, eu fui muito julgada na escola por ser nerd e namorar um atleta, eu fui julgada porque minha irmã era super inteligente e eu nem tanto. Nós vivemos num eterno banco dos réus.  

Me marca, sou todo seu Parte IOnde histórias criam vida. Descubra agora