Capítulo 50

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Daqui a pouco Peter vai me deixar em Berkeley e ele está calado desde cedo. O que me deixa muito angustiada.

Não estou acostumada com Peter quieto e reflexivo por tanto tempo, sem nenhum motivo aparente. 

Alef saiu cedinho para passar o domingo com os pais, então tivemos tempo de muita intimidade pela manhã, enquanto ele ainda estava aparentemente bem. Depois do almoço assistimos Por Lugares Incríveis, cochilamos um pouco e faz quase 2 horas que só eu falo e Peter responde com palavras curtas e parece estar vivendo em Nárnia.

-Daqui a pouco eu vou embora, você não vai conversar comigo? Foi alguma coisa que eu fiz ou falei?

Seu olhar pra mim é carregado de ternura e docilidade, mas suas palavras não me convencem.

-Não foi nada Amor. Só estou um pouco cansado.

-De manhã você não tava cansado. Pelo contrário, parecia bem disposto.
Respondo lembrando do sexo matinal intenso que fizemos hoje. Peter me responde com um sorriso sem graça  e meu coração se aperta um pouco.

Pegamos a estrada para Berkeley por volta de 17h. No caminho mais silêncio. Eu decidi que não vou pressioná-lo, embora esteja com comichão nas mãos sem saber o que pensar. Ponho uma música, porque ao contrário do que sempre acontece, hoje o silêncio é excruciante. 

O sono me domina e eu apago uma parte do caminho. Acordo com Peter mexendo em meus cabelos no estacionamento da minha faculdade.  

-Chegamos, Amor. Acorda!

-Estou acordada.

-Tô vendo, você até babou.
Limpo a boca rapidamente e vejo que é brincadeira de Peter. Ele encosta a cabeça no banco do carro e eu vejo que quer falar. Mas ainda não sabe por onde começar. Me ajeito no banco, virando de frente para ele e aguardo seu momento.

-Fiquei pensando porque as pessoas fazem isso.

-Isso o que Peter?

-Desistir de  viver, como o garoto do filme.
Fico em silêncio, totalmente surpresa com o questionamento de Peter. Durante o filme, percebi alguns momentos de apreensão, mas achei que fosse pelo drama, não que ele tivesse ficado mexido com aquilo.

-Você ficou pensando nisso o tempo todo?
Ele assente com a cabeça, olhando para baixo, de um modo perdido.

-Eu meio que revisitei o meu passado. 
Fico surpresa. Surpresa e assustada, não sei até onde Peter vê semelhanças com sua vida.

- Você tá falando do seu pai?

-Claro. De quem mais seria?

-Eu achei que você o tivesse perdoado. 
Seu semblante é de cansaço,  ou descrença. Ele cola a testa no volante como se não quisesse que visse seus olhos. 

-Eu perdoei. Mas as minhas fotos de infância ainda estão lá vazias. 

-Peter você tá me assustando.
Seus olhos me fitam e seus lábios se abrem num meio sorriso, como se quisessem me tranquilizar. 

-Fica calma. Eu só estou refletindo sobre o filme e sobre todas as pessoas que desistem da vida. O que as leva a fazer isso? Eu não consigo entender, parece tão...egoísta.  

Aos poucos meus batimentos vão voltando ao normal e eu entendo o silêncio de Peter.

-Acho que a gente não pode chamar de egoísmo, talvez desespero. A verdade é que eles mergulham em dores tão profundas que a única saída que veem é ...essa. E já ouvi que eles se sentem um peso para a família.
Eu acho um assunto tão delicado e tão forte, que não consigo pronunciar a palavra morte.

Me marca, sou todo seu Parte IOnde as histórias ganham vida. Descobre agora