Capítulo 51

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Scarlett

— Como assim me convidou? - Perguntei no exato momento em que ele colocou uma garfada cheia de comida na boca, e ele nem mesmo se preocupou em terminar de mastigar antes de responder.

— Sabe, as coisas mudaram muito desde que você foi embora. - Eu ergui uma sobrancelha cética. - Não estou mentindo, o pai na verdade meio que ficou preocupado quando você realmente sumiu do mapa.

— Então ele me joga para fora de casa e depois fica preocupado porque eu sumi? - Perguntei sarcástica. - O inferno está mesmo vazio afinal de contas, os demônios estão todos aqui. - O Micah quase engasgou com o que eu disse.

— Oque?

— William James Moriarty. – Ele olhou para mim ainda sem entender. — É o autor dessa frase.

— Você também não precisa ser tão pessimista e negativa dessa forma.

— Eu estou sendo negativa?

— Claro. - Falou calmamente.

— Olha Micah, eu nunca gostei de fazer o papel da vítima ferida e fraca, mas você lembra bem de qual a conversa que eu tive com a nossa maravilhosa família naquele dia, não lembra?

— É claro que eu lembro, você só precisa não pensar em demasia sobre isso, o pai não estava bem.

— E eu estava? - Perguntei. — Ele não me disse realmente muitos elogios naquele dia, foi na frente de todo mundo e como prêmio de consolação ainda me jogou para fora, para ser honesta, nem sei como ele não está concorrendo para o óscar de melhor pai do mundo, bem como os nossos irmãos...

— Irmã...

— Ah, e não vamos nos esquecer da nossa mãe, a nossa maravilhosa...

— Irmã...

— Adorada...

— Irmã...

— Perfeita...

— Scar....

— E inútil mãe.

Ele adotou uma expressão meio triste e suspirou.

— Às vezes eu só queria que você esquece isso de vez, que essa memória ruim fosse apagada da sua mente, principalmente porque isso não faz bem a você.

Eu também queria muito esquecer aquilo, mas nem sempre querer é poder. Eu tinha me acostumado a fingir que estava sempre tudo bem porque todas as pessoas desconheciam, ninguém sabia nada sobre a minha família, então era sempre mais fácil...fugir, divagar, esquivar. Mas agora, que o assunto estava constantemente sendo mencionado, eu me dava conta que afinal algumas sequelas tinham deixado.

— Não é como se eu não tentasse. - Falei esticando o meu braço e apertado a mão dele por cima da mesa. — Só é meio engraçado como certas memorias se tornam pesadelos, não é? - Ele não respondeu. — Mas eu não posso fugir disso sabe, é algo com o qual eu tenho que viver, independentemente de tudo, são meus familiares mesmo.

Por um momento, ele pareceu se lembrar de alguma coisa e riu, eu, sem entender, ri da expressão que ele fez.

— O que foi?

— Lembra quando você estava quase saindo e antes se virou para nós, levantou o dedo e disse, " A gente se vê no inferno"? - Eu aquiesci. — Depois de você sair eu quase enfartei, estava me controlando bastante para não rir sabe, eu estava super triste por você estar partindo, mas você partiu de uma maneira tão estilosa que eu não podia ter ficado com mais orgulho de ter você como minha melhor amiga.

— Oh...- falei sorrindo feito boba apertando ainda mais a mão dele.

— Ah, mas aquilo foi épico, eu visualizei tudo como se eu estivesse num filme sabe, aquilo foi tipo. " Eu estou indo embora, mas fodam-se vocês todos" - Ele riu. — O pai, parecia que ele ia explodir de ódio. - Continuou rindo até lacrimejar e eu só ria junto com ele.

Só o Micah mesmo para me fazer rir de uma memória tão horrorosa.

Depois do almoço a gente ainda fez outras paragens pela cidade, maximamente por locais aonde a gente frequentava bastante quando éramos pequenos. Um dos grandes motivos pela qual eu dificilmente saia para explorar aquela cidade, além de eu já a conhecer como a palma da minha mão, era porque a minha casa não ficava tão distante de onde estávamos. Então eu evitava ao máximo sair de casa, se bem que ter me escondido aquele tempo todo não deu em nada.

Quando finalmente chegamos em casa, ele não aceitou entrar, dizendo que tinha algumas coisas para tratar, e eu não fui relutante ao deixar ele partir.

— Por favor irmã, pense sobre o convite que os nossos pais fizeram. Eu sei que é um pouquinho tarde para um pedido de desculpas...

— Se é realmente isso que eles querem. - Terminei cética.

— Pois, mas antes tarde do que nunca, não é? - Ele sorriu doce para mim.

— Tudo bem, eu vou pensar sobre. – Ele saltitou excitado sobre a resposta, ele me abraçou.

— Só pense um pouquinho rápido tudo bom?

Eu aquiesci, quando ele estava quase partindo, me lembrei de algo importante.

— Ei, Micah, você não me disse o dia! -Gritei quando ele lentamente baixou o vidro do carro.

— Ah, sim, na próxima sexta. - Gritou de volta, eu aquiesci e ele finalmente partiu.

Bom, talvez eu não tivesse realmente com o que me preocupar, se eu fosse aparecer lá depois dessa visita desagradável eu só teria mais alguns dias nessa cidade e depois eu sumia para sempre de novo, mas talvez dessa vez eu dissesse ao Micah aonde eu estou, para que ele não fique tão preocupado novamente.

Quando entrei, cumprimentei todos com uma saudação calorosa e subi ao meu quarto, embora eu fosse muito boa na arte da representação, ainda não tinha engolido muito bem a família me fazer um convite para jantar como se nada tivesse acontecido, ou mesmo o facto o meu pai ter ficado preocupado por eu ter sumido durante esses anos todos, era algo que realmente estava me dando algo no que pensar.

Uma batida na porta me tirou dos meus devaneios e eu rapidamente me sentei na cama quando a porta foi aberta e um Theo com um sorriso terno apareceu por trás dela.

— Interrompo? - Perguntou.

— Não, a festa com os meus amigos invisíveis já terminou. - Falei fazendo sinal para ele entrar e assim o fez, fechando a porta de seguida. Andou até aonde eu me encontrava e sentou do meu lado.

— Como foi o seu dia com o seu irmão?

— Agradável... - Sorri de canto ao responder. — Ele realmente cresceu, já não é a criança irresponsável de antes. - O Theo sorriu também. — Se bem que ainda tem alguns comportamentos infantis. - Falei na gozação.

— Como todo ser humano. - Falou como se fosse um segredo.

— Como todo ser humano...- Repeti sentindo o peso daquelas palavras. Alguns segundos em silêncio, ele colocou a minha mão esquerda no seu colo me chamando a atenção.

— Está tudo bem mesmo? - Perguntou.

— Porque não estaria?

— Você está respondendo a minha pergunta com outra pergunta. - Afirmou.

Ele tinha um ponto.

— O Micah me disse que o meu pai ficou preocupado quando eu sumi sem deixar sinal algum. - A expressão no rosto dele foi de calma para petrificada.

— Ele não disse realmente muitos elogios a você antes de você decidir sumir. - Eu sorri, por ele ter dito as exatas palavras que eu dissera ao Micah.

— Pois, mas nem para por aí...- Hesitei por um momento. —O Micah disse também que eles me convidaram para um jantar lá, com você.

Simplesmente LascivaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora