CAPÍTULO 32

628 37 6
                                    

Melanie

Seria uma noite tranquila. A boate não tinha ficado muito cheia, os clientes foram poucos e não causaram nenhum transtorno e o dia seguinte era o de sua folga. A garota de programa saiu pela porta dos fundos e tirou um cigarro da bolsa antes de começar a caminhada até o ponto de ônibus.

Quem a encontrasse distante do seu ponto de trabalho não diria o que ela fazia para sobreviver. Àquela hora da madrugada, Melanie vestia um moletom pink, um jeans largo e surrado e tênis encardidos. Os únicos vestígios continuavam no rosto, na maquiagem forte com cílios postiços e batom vermelho.

Depois de algumas tragadas, ela jogou a guimba no chão e pisou em cima.

Levantou a cabeça e olhou para o céu, prevendo que o tempo estava mudando e a temperatura parecia que iria cair vários graus. Ajeitou a bolsa no ombro e deu um pulo quando sentiu uma mão pesada tocar seu ombro.

— Pare! — Ela girou o corpo, com os punhos cerrados pronta para agredir seu oponente. Aquele estava longe de ser o bairro mais nobre de Manhattan e os crimes estavam cada vez mais constantes.

— Calma, Melanie.

A menção do seu nome fez com que a jovem focasse melhor o olhar no rosto oculto pelas sombras da noite. Então, ela se deu conta de que era o detetive Smith que a abordava. Não era muito fácil esquecer-se daquele rosto quadrado, das sobrancelhas grossas e os olhos que perscrutavam até a alma dela.

— O que quer? — A moça recuou dois passos e ele pensou que deveria ter feito uma abordagem diferente para não a apavorar.

Smith abaixou a mão e deu um passo à frente. Seus traços fortes foram iluminados pela luz de um poste e ele tentou esboçar um sorriso que não ficasse forçado, sabia que seu semblante o tornava um homem muito sério.

— Gostaria de bater um papo com você, caso não se importe.

Ele não estava dando, realmente, oportunidade de Melanie escolher. Apenas sabia que com mulheres como ela, não adiantava ser muito incisivo pois a perderia num piscar de olhos.

— Tenho opção? — a morena perguntou, sem esperar pela resposta.

O homem observou o gesto dela ao ajeitar novamente a bolsa sobre o ombro e tomar seu rumo, sabendo que ele a acompanharia se assim quisesse. Era bem verdade que a presença do detetive ali não era a pior coisa que podia acontecer com ela.

— Provavelmente não ficou sabendo, mas o suspeito que prendemos naquele dia acabou sendo solto. — Smith caminhava ao lado da jovem, sem deixar de prestar atenção a tudo que acontecia ao seu redor. — Ele tinha um ótimo álibi para a noite dos assassinatos.

Melanie estacou, surpresa. Quando levaram o cliente dela algemado naquela noite, parte da prostituta se sentiu aliviada para voltar a trabalhar sem temer todo homem que entrava no estabelecimento. E se ele fosse mesmo o verdadeiro assassino e agora pensasse que ela agiu em conluio com a polícia?

— Por que vocês foram deixar isso acontecer? — perguntou. — Vocês não deveriam averiguar o álibi dele?

— Foi averiguado. — Smith coçou o maxilar, já se sentia um pouco frustrado com o caso. — Isso já tem três dias.

Melanie o encarou, sem saber o que o homem esperava dela. Mais à frente, estava o ponto onde esperaria pelo ônibus e se perdesse o que passaria em dez minutos, teria que esperar por mais meia hora.

Ela apressou os passos e cruzou os braços para se proteger do vento frio cortante.

— Gostaria de saber por que você achou que essa informação pudesse me interessar. Só significa que eu e as garotas vamos continuar em perigo.

— Justamente por isso, achei que deveria avisá-la. Houve um assassinato ontem no Queens, compatível com o estilo do Assassino dos Números.

Os olhos escuros de Melanie se arregalaram quando ela girou sobre os calcanhares para encarar Smith. Era uma notícia que não tinha chegado aos ouvidos dela. Também, pudera, Melanie sabia que não era a pessoa mais atualizada da região. Não tinha costume de assistir noticiários ou ler jornais.

— Ela fazia programa? — perguntou.

— Sim.

Então era isso. O cara estava matando garotas de programa e todas elas corriam risco. Até aquele momento revelador, a jovem tinha esperança de que a morte de suas colegas fosse apenas aquele velho caso de estar no lugar errado e hora errada. Mas se já houvera uma terceira vítima, era porque alguém as estava caçando.

— Escuta, o que acha de aceitar uma carona minha? — o detetive perguntou de forma descontraída, mas isso não foi suficiente para evitar uma resposta ácida de Melanie. Ela riu com escárnio e voltou a caminhar até o ponto, agora a pouco menos de cinquenta metros de onde estava.

— Já encerrei o expediente de hoje, detetive. Volte outro dia, de preferência antes das quatro da manhã, que é quando eu bato o ponto.

— Não é esse o motivo da carona, Melanie — ele retrucou, a voz mais grave que o habitual. Smith parou bem perto dela quando chegaram ao ponto e segurou em seu braço, aproximando os dois rostos. — Veja bem, você deve imaginar que o departamento de polícia não está tão interessado assim em resolver esse caso.

— Claro que não estão! Nós somos apenas lixo para vocês.

— Não fale por mim. Eu acho isso errado e quero fazer com que a investigação ande mais rápido.

Para alívio de Melanie e pressa de Smith, o ônibus que ela precisava pegar dobrou a esquina e parou no sinal há duzentos metros. Ela se colocou à beira da calçada, ansiosa para entrar no coletivo e se livrar dos olhares avaliadores daquele detetive. A jovem sempre se sentia inquieta perto dele, parecia que podia enxergar sua fragilidade por trás da máscara que vestia todas as noites.

Ela não precisava que a entendessem ou fingissem entender seus propósitos.

Melanie estava bem demais vivendo por sua própria conta há anos, sem precisar se preocupar com julgamentos.

— Deixe de me perturbar e comece a trabalhar mais, se quer mesmo agilizar a investigação.

O ônibus se aproximou do ponto, finalmente. Enquanto diminuía a velocidade, Smith ainda teve a chance de segurar novamente o braço da moça, que lançou um olhar irritado.

— Caso queira ajudar, faça contato comigo se souber de qualquer coisa que possa parecer relevante. Acredito que ele não irá parar no terceiro assassinato, portanto, mantenha os olhos bem abertos.

— Eu sei me cuidar, detetive. — Melanie puxou o braço e subiu os degraus quando a porta do ônibus se abriu.

— Ainda tem meu cartão?

Ela se virou e o encarou em silêncio quando a porta se fechou e o ônibus partiu. Enquanto Smith voltava a pé até seu carro que tinha deixado estacionado no outro quarteirão, Melanie se sentou no fundo do ônibus e tirou o celular de dentro da bolsa.

O modelo era bastante ultrapassado, mas bastava para o pouco que a jovem usava. Ela só precisou digitar algumas palavras e mandar a mensagem a todas as meninas da boate. O aviso era o que o detetive tinha passado: não estavam seguras, o Assassino dos Números ainda estava solto.

Melanie voltou a guardar o celular e encostou sua cabeça na janela. Teria muito tempo até chegar em casa, no Bronx, e o usaria para tentar lembrar de todos os clientes que estiveram na boate no dia do crime. Era uma tarefa difícil, pois a rotatividade era muito grande, mas se esforçaria para ajudar de alguma forma. Era o mínimo que podia fazer por Cindy e Megan, que não tiveram nenhuma chance de se defender da monstruosidade que sofreram.

Sedutora amizade - ADAPTAÇÃO Beauany Onde histórias criam vida. Descubra agora