CAPÍTULO 55

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Any

 

— Precisamos resolver sua hospedagem. Vou ligar para a recepção e pedir um quarto pra você.

Eu girei sobre os calcanhares para olhar Josh e compreender aquele afronte. O escritor estava encarando as próprias mãos, sentado na cama com as pernas dobradas.

— Um quarto? — Senti que beirei o histerismo. — As drogas, pelo visto, afetaram seu cérebro! Eu não vou ficar em quarto separado. Você está louco?

— Quer dividir a cama depois do que aconteceu? — Ele franziu a testa.

— Josh, você sofreu um abuso, mas não se tornou um leproso.

— Se eu transei mesmo com outras mulheres, tenha certeza que nenhuma camisinha foi usada. Não devem ter se preocupado com isso. Já parou pra pensar que eu posso ter contraído diversas doenças venéreas?

Ele era surreal. Que momento mais inoportuno para ficar pensando naquilo.

Rastejei-me pelo colchão e sentei de frente para o bobo. Segurei o rosto dele entre minhas mãos e dei-lhe um selinho.

— Isso não muda o que sinto por você — sorri. — Quando voltarmos para casa, dou o maior apoio para que faça todos os exames. Mas não vai adiantar nada ficar pensando nesse assunto enquanto estamos aqui.

Eu queria tirá-lo daquele estado depressivo em que se encontrava, mas sabia que não adiantava tentar fazer Josh sair do hotel. Para ser sincera, nem mesmo eu estava com disposição para ver outras pessoas.

Nosso feriado tinha dado muito errado, fato. Não jantaríamos em nenhum restaurante chique, mas pensei que ainda dava para salvar alguma coisa.

Estiquei-me sobre os travesseiros e peguei o telefone do hotel, informando-me sobre todos os pratos disponíveis para a ceia daquela noite. Fiz um pedido com a recomendação de que só fosse entregue depois das vinte horas e corri até minha mala.

— Vamos ver nossos votos! — animei-me.

— Você disse que não tinha feito.

— Dei meu jeito. — Pisquei para Josh e peguei o notebook dele antes de voltar para a cama. — Quer assistir o meu primeiro?

Ele confirmou com a cabeça e eu mexi em meu celular, até acessar o vídeo que tinha gravado dentro do táxi que me levou até o aeroporto. Tinha sido uma vergonha nacional, falar tudo aquilo enquanto o taxista prestava atenção, mas valera à pena. Sempre valeria.

Há dez anos, desde que fomos morar juntos, começamos essa tradição boba, mas que tanto significava para nós dois. A ideia era gravar um vídeo falando nossos respectivos votos para o outro e só trocarmos no dia de Ação de Graças.

No final do vídeo, era regra a gente pedir alguma coisa. Podia ser uma prenda e, por muitos anos, eu pedi para Josh fazer panquecas diariamente em todos os cafés da manhã durante um mês.

 “Então, já começo dizendo que acho uma injustiça ter que gravar os votos na correria. Eu não tinha pensado em nada porque a gente não ia passar o feriado juntos. Achei que fosse ter tempo até você voltar de viagem. Maaaas, que seja. Josh, meu Josh, obrigada por me fazer rir tanto esse ano, por ter perdido as contas de quantos colos me deu, por ser a pessoa mais maravilhosa depois dos meus pais. Acho até que eu te colocaria no mesmo patamar que eles, sabia? Seu novo livro vai ser mais um sucesso de vendas. Você não tem ideia do quanto a história tem me prendido e sei que o público terá a mesma reação.

Você é um fenômeno! Lindo, tão lindo que fico chocada quando noto que você nem se dá conta de como as pessoas te enxergam. Nesse último ano, senti o quanto nossa relação mudou e se tornou ainda mais estreita. Talvez tenha mudado até demais e, Mike, eu não faria absolutamente nada diferente. Desejo que a gente se respeite por mais um ano, que a gente continue se entendendo tão bem. Que você sempre saiba que pode contar comigo pra tudo, tudo mesmo. O próximo ano será repleto de novas emoções pra você e te digo que estarei assistindo na primeira fila todo o sucesso que Deus te reservou. Você merece o mundo! Meu pedido... é que você de uma maneira diferente todos os dias até o final do ano. Dê seu jeito.”

 Estava mordendo meu lábio e só me dei conta quando fui enxugar as lágrimas que se acumularam no cantinho dos olhos. Josh tinha enroscado os dedos nos meus e beijou a palma da minha mão. Depois, levou-a até o rosto e secou as lágrimas com elas.

Então, peguei o pendrive dele e o espetei na entrada USB do notebook.

Aconcheguei-me com o aparelho no colo e apertei o play. Eu havia feito um vídeo todo tremido e escuro dentro de um carro em movimento. Josh tinha usado um tripé e posicionado a câmera num ângulo dentro do escritório que pegava a melhor luz do dia. Até nisso nós éramos diferentes.

“Esses foram os votos mais difíceis de gravar, Any. São tantos sentimentos conflitantes borbulhando dentro de mim, que fico com medo de escolher as palavras erradas. Nesse ano, principalmente nos últimos meses, aprendi como você é muito mais forte do que eu pensava. Porque em alguns momentos mais íntimos, eu consegui enxergar a menina vulnerável por trás da sua fantasia de durona. Isso pode soar como fraqueza para algumas pessoas, mas tem que ser muito corajosa e resistente para manter essa fachada por tantos e tantos anos. Eu amo a Any durona, que não aceita desaforo, que não chora facilmente, que mete medo nos homens e destroça o coração deles. Mas eu quero muito poder conhecer melhor a outra Any, essa que precisa tanto de cuidado, que precisa ser entendida, amada e feliz. O que desejar para o seu próximo ano? Rezo para que seja feliz em todas as suas escolhas, mesmo naquelas que num primeiro momento parecerem erradas. Que você se encontre e saia de um emprego que não gosta. Que vá atrás de algo que realmente goste de fazer, ciente de que terá todo o meu apoio incondicional. Desejo que sinta seu coração bater forte como o meu tem batido, para você poder entender de uma vez por todas o que é esse sentimento profundo. Meu pedido esse ano vai ser bem radical e...”

 Gritei quando Josh bateu o dedo numa tecla do computador e pausou o vídeo. Eu o fulminei com meus olhos e ele tentou tirar o notebook do meu colo.

— O que pensa que está fazendo? — perguntei.

— Quero modificar o meu pedido. — Eu agarrei o aparelho com meus dedos e impedi que ele o puxasse de mim. — Não tem mais clima para o pedido original.

— Sinto muito, vou terminar de assistir. Você só pode ter batido com a cabeça pra interromper os votos assim — Any, sério. — Josh me lançou um olhar decidido e fechou os dedos em volta dos meus. — Não quero que assista.

Eu o encarei por alguns segundos, sem querer acreditar que Josh estava agindo daquela forma. O dia já tinha sido tão ruim, porque ele estava se esforçando para piorá-lo?

Como percebi que ele estava irredutível, senti um desânimo me abater.

Soltei o notebook e levantei da cama.

— Apague, faça o que quiser. — Caminhei até a varanda para respirar ar puro e diminuir minha ira. — Mas não se dê ao trabalho de gravar novamente.

— Any!

Puxei a porta de vidro que correu pelo trilho em silêncio e me debrucei sobre o guarda-copo também em vidro. Estávamos no décimo andar e a vista dali de cima era incrível.

— Quer deixar de bobeira? — ouvi a voz de Josh atrás de mim, mas não me virei. — Eu pedi uma coisa que pareceu muito certa naquele momento, mas mudei de ideia. Acho que tenho o direito de pedir outra coisa.

— Não é assim que os votos funcionam.

Vi pelo canto do olho quando Josh deslizou o aparelho sobre uma mesinha ao meu lado. Eu me virei, controlando a vontade de dar na cara dele.

— Assista. Vai em frente.

— Você gravou outro?

— Não — respondeu, encolhendo os ombros. — Não mexi.

Voltei o vídeo em alguns segundos e apertei o play.

Meu pedido esse ano vai ser bem radical e corajoso. O pedido é que você escute, absorva, compreenda essas palavras e prometa entendê-las como elas realmente são. Sem usar a desculpa da amizade. Eu te amo e estou apaixonado por você!”

 Voltei e apertei novamente o play.

 “eu te amo e estou apaixonado por você! “

 — Ah, mas que ótimo! Vai colocar num looping eterno agora? — ele perguntou, jogando as mãos para o alto e entrando no quarto.

Sedutora amizade - ADAPTAÇÃO Beauany Where stories live. Discover now