01 | Vizinhos novos

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"Eles se veem pela primeira vez"

"Eles se veem pela primeira vez"

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31 de janeiro de 2006;

São Paulo

O MÉS DE JANEIRO havia se desmanchado em água, literalmente. Dia após dia, semana após semana, tudo o que pintou o céu foram grossas camadas de cinza. O sol? Esse tinha perdido quase todas as batalhas contra o Senhor nublado. Apenas quase todas. De vez em quando, o mesmo dava umas escapadas do seu forte oponente, o suficiente para iludir um bobo esperançoso, mas nunca para me deixar aproveitar um pouco da pracinha do bairro. Desse modo, tudo o que me restou fazer durante as férias foi assistir TV, ler os contos dos irmãos Grimm e comer um punhado, bem grande, dos deliciosos biscoitos com gotas de chocolate da mamãe. Não foi de todo mal, realmente. Mas também não foi nada do que planejei. A escola nunca foi um dos meus lugares favoritos e um tempo longe dela era como ganhar um incrível presente de natal. Mas não aproveitar isso da forma correta, fez eu me sentir como se ainda estivesse presa naquele lugar. Sem diversão. Sem amigos. Eu por mim mesma, e ponto.

Foi por isso que, no último dia do mês, quando acordei sobre a forte influência de calorosos raios de sol entrando pela janela e irritando terrivelmente meus olhos, não pensei duas vezes antes de trocar de roupa e correr para o jardim com o maior número de bonecas e pecinhas de chá que meus braços gorduchos poderiam carregar. Não me importei se a grama ainda estava úmida, ou se a terra iria sujar meu vestido, somente, me joguei no chão e comecei a fantasiar que era alguém que as outras crianças gostavam de ter por perto. Aparentemente, o sol finalmente tinha vencido a luta com o seu arqui-inimigo, senhor nublado, e voltado a controlar integralmente o céu, visto que brilhava cada vez mais forte conforme as horas se passavam. O vento também estava forte e refrescante, deixando o ambiente agradável, quase mágico.

Era quase hora do almoço quando um carro preto estacionou em frente a enorme e vazia casa da frente. Os novos vizinhos de quem mamãe falou, pensei. Instintivamente, ergui a cabeça do jogo de chá, para observar completamente embasbacada um casal de atores de Hollywood sair do automóvel. A mulher era alta e magra, como uma dessas modelos que se vê na televisão. Seus cabelos eram loiros, quase tão brilhantes quanto o sol, e caiam em ondas perfeitas sobre suas costas. Os olhos estavam cobertos por um óculos escuro, e seus lábios por um tom vivo de vermelho. Por um breve momento, acreditei que o vento estava se dobrando em reverência enquanto a desconhecida se movia em direção a porta da mansão. Logo atrás dela, usando um terno bonito e cabelos negros bem cortados, vinha o homem mais lindo que já vi. Seu rosto, apesar de transparecer uma seriedade assustadora, lembrava vagamente os reis poderosos sobre quem eu tanto lia nas histórias de fantasia. Quando o rapaz parou de andar e se virou em minha direção, engasguei, achando que tinha sido pega no flagra. Contudo, rapidamente percebi que seu olhar não estava sobre mim, mas sobre o carro. Ou melhor, sobre a pessoa dentro dele.

― Vamos, garoto. Por mais confortável que seja, você não pode morar aí dentro. ― O homem declarou para quem quer que fosse, antes de retomar seu caminho.

Um minuto inteiro se passou até que houvesse alguma movimentação perceptível dentro do carro. Então a porta de trás finalmente se abriu, e um garoto saiu carregando uma mochila azul marinho nas costas. Ele parecia ter a minha idade e era uma cópia mais nova do homem bonitão. Pelo menos, os cabelos negros eram idênticos, enquanto seus traços faciais soavam mais suaves, gentis e acolhedores, como os de um príncipe deveriam ser. O garoto olhou para cima e sua cabeça tombou para o lado, olhos castanhos brilhando em minha direção, curiosos e cautelosos. Pela primeira vez na vida, entendi o que a expressão "borboletas no estômago'' significava, porque, quando deixei um sorriso amigável esticar meus lábios, o desconhecido, surpreendentemente, devolveu o gesto. E por um instante, me senti menos solitária.

Sempre | Melhores momentosWhere stories live. Discover now