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Lauren

Todas as pessoas no bar estavam olhando para ela, Natalie Ramirez. O hipster que estava agarrado a sua cerveja. Uma garota usando uma camiseta batida do Nirvana. Até Brendan, o bartender, estava tão distraído, que preparava o mesmo drink pela terceira vez. Todos com os olhos grudados no palco. Eu termino de limpar as marcas de água do balcão e jogo minha toalhinha branca sobre o ombro, procurando uma visão melhor do palco.Lá está ela, tocando sua guitarra, as luzes do palco iluminavam ela com um tom lilás. E enquanto todos os olhos estavam nela, Natalie Ramirez olhava apenas para mim.Ela sorri, de maneira discreta. O mesmo sorriso que me deu borboletas no estômago cinco meses atrás, quando a banda dela se apresentou pela primeira vez no Tilted Rabbit. E foi a melhor performance que já vi, nos três anos que trabalho aqui. Por ser um local pequeno, sempre tem uns esquisitões ou umas bandas covers bem mais ou menos se apresentando no palco. Eu teria pedido demissão tempos atrás, mas o salário ajuda minha com aluguel, mesmo que eu vá embora para a faculdade em breve. Se eu tivesse me demitido não estaria aqui naquela noite cinco meses atrás e não estaria aqui agora.
Meu estômago dói de pensar que essa é a última vez que vou ouvir ela tocar por um tempo. Me despeço dos funcionários do bar enquanto espero Natalie, terminar de brindar com sua banda backstage, semana que vem eles começam sua primeira tour e essa é nossa última noite juntas.

Mal entramos no apartamento apertado dela e ela já começa a me beijar, colocando a mão na minha cintura e tirando minha camiseta preta. Ela se formou ano passado e o apartamento dela virou meu refúgio durante as férias de verão. Vou desviando dos instrumentos espalhados pela casa e a conduzo até seu quarto.
Mesmo tão viva neste momento, não consigo tirar o peso do meu coração, não consigo não pensar que amanhã um ônibus me levará até a faculdade, que vou deixar o lugar que vivi minha vida inteira. Em como minha mãe tentou me fazer sentir culpada por deixá-la, assim como meu pai fez, mas o mais importante, a conversa que estou evitando. A conversa sobre manter nosso relacionamento à distância.
Escuto ela sussurar.
- Eu te amo.
Sinto a pele dela nos meus dedos, o corpo pressionado contra o meu, estou criando coragem para me afastar e dizer que a amo. A puxo para mais perto, abro a boca e as palavras começam a sair:
- Eu a...
Então meu coração é atingido por outro momento em que essas três palavras me machucaram, um momento bem diferente desse, pratos quebrando, gritos, meu pai se abaixando para dizer 'eu amo você' antes de entrar em um carro e dirigir para uma vida nova. Uma vida sem mim. Nunca mais o vi ou ouvi falar dele.
Como vou dizer essas palavras agora? Sendo que dessa vez eu que estou partindo.
Olho para ela e vejo o ponto de interrogação em seu rosto. Tento disfarçar meu movimento repentino, levando minhas mãos às suas costas.
- Eu ah. Eu amei a nova música que vocês tocaram hoje.
Sussurrei tentando esconder as palavras que quase saíram da minha boca. Eu a beijo para tentar acabar com a conversa, mas assim que paramos para pegar ar, escuto a voz dela.
- Lauren?
- Sim?
Ela me olha como se estivesse procurando alguma coisa.
- Às vezes, eu me pergunto o que isso significa pra você.
- O que quer dizer?
- Minha banda está saindo em turnê. Você parte amanhã para a faculdade. Você vai estar em Pittsburgh, bem longe daqui.
Ela se senta e prende os cabelos ruivos em um coque desajeitado e continua me encarando, esperando que eu fale algo.
- É nossa última última noite juntas e não sei o que somos. Se significo algo pra você, se vamos tentar longa distância ou se vai só me ignorar se sair com outras pessoas. Se..
- Sim - me aproximo dela - Eu queria conversar com você...
Meu celular vibra alto embaixo de nós, a tela acende e mostra uma mensagem de Megan Baker, cheia de emojis de piscadelas dizendo: Quando estiver pela cidade me chama.
A expressão de Natalie muda claramente. Brava.
- Megan Baker? A garota que toca triângulo naquela banda cover de Fleetwood Mac? Sério Lauren?
- Natalie, não é isso que
Tento alcança-la, mas ela se levanta. Percebo que seus olhos estão marejados.
- Não. Isso é bem a sua cara. Eu tento me abrir e você faz isso! Estamos saindo há 5 meses e em nenhum desses meses consegui confiar em você!
- Natalie já conversamos sobre isso. Eu fui em três ou quatro encontros quando achei que as coisas entre nós estavam acabadas - eu me levanto e me aproximo - E apenas um deles foi com Megan. Ela não significa nada pra mim.
- Como vou confiar em você em Pittsburgh, quando você está recebendo mensagens assim enquanto estamos na mesma cidade?

Eu desvio dela e pego o celular.
- Assim como? Ela me desejou boa viagem e eu agradeci e depois
- Só admite Lauren, você não consegue ter uma conversar sem flertar, até no bar durante os meus shows. Por isso você não quis ir na turnê comigo e por isso você vem evitando conversar sobre o que vai acontecer quando você ir embora.Você prefere flertar por aí do que se comprometer.

Ela balança a cabeça, a voz falhando enquanto ela vira e encara a janela.
- Você nunca me escolheu, nunca se entregou.

Uma onda de culpa me atingiu, pelos encontros que fui no começo, pelas vezes que talvez eu tenha cruzado o limite, flertando com alguém no Tilted Rabbit. Mas estou entregue, nunca me relacionei assim, sempre mantive as coisas casuais, nunca quis que soubesse a sobre a parte de mim que mantenho escondida. A que tem uma casa quebrada e uma mãe alcoólatra que não consegue cuidar dela mesmo, quem dirá de mim.
Mas com Natalie era diferente.
Com ela é diferente, desde que tentou me surpreender em casa e encontrou minha mãe desmaiada na varanda. Eu a ignorei por duas semanas envergonhada e fui em outros encontros, mas ela não desistiu.Ela é a única pessoa que sabe a verdade e ainda está por perto.
- Você tem muitos contatos, mas no final do sim, sem mim, você não tem ninguém. Está sozinha.
A voz dela era fria e distante. Me retraí com aquelas palavras, já brigamos outras vezes, mas nunca tinha visto ela daquela maneira.
- Sozinha? Isso é ridículo.
- É? Amigos, relacionamentos. Você afasta todos. É um milagre que eu ainda esteja aqui! Em cinco meses não conheci nenhum dos seus amigos. Apenas suas paqueras passadas. Porquê é isso que você tem Lauren.
Ela se vira para me encarar.
- Estou aqui, me importo com você. Te apoiei em todas as situações com a sua mãe, quando nenhuma outra pessoa faria isso. Você quase disse que me ama, eu sei que você ia dizer Lauren, mas você parou. Por quê?
- Eu não sei. Eu - Tropeço nas palavras, não sei o que dizer, é mais do que eu estava esperando.
- Tudo bem Lauren - Ela diz cruzando os braços - Vou te dar mais uma chance. Me diga como se sente. Diga que você me ama também.
- Natalie, olha eu - e minha voz some e não consigo falar mais nada.
- Wow. Às vezes eu acho que você que talvez você termine igual a sua mãe.

Fico paralisada, ela mais do que ninguém sabia como aquele golpe foi baixo. Ela sabia que nada no mundo me assusta mais do que essa hipótese.Eu tento me acalmar, mas o quarto parece ficar cada vez menor. E pela primeira vez em cinco meses, sinto vontade de fugir, como sempre fiz.
Pego minha camiseta e começo a me vestir.
- Você acha que sabe tudo né? Quer me dizer como me sinto, Natalie? - deixando a raiva tomar conta de mim - Sinto que você não sabe merda nenhuma sobre mim.
- E de quem é a culpa disso?
Nos encaramos por um longo momento, até que ela quebra o silêncio.
- Vá embora
- Com prazer.
Saio do quarto, pego minha mochila e vou para a porta, me viro e a olho uma última vez antes de ir. Saio correndo com a cabeça girando, desço a rua e olho para o lado, vejo a pequena cafeteria que fomos no nosso primeiro encontro, penso na minha formatura chegando em breve, nossos lugares favoritos na cidade.
Próximo a cafeteria, o restaurante que íamos todos os sábados, sentadas nos bancos nos fundos, dividindo uma montanha de panquecas e roubando beijos.
Tento tirar essa memórias. Chego no terminal e me jogo em um banco, pego meu celular e ainda são apenas 1:00 da manhã. Espera, 1 hora da manhã. Merda. Meu nibus agora só passa às 08h e não posso ir pra casa. Depois de hoje, não quero lidar com a minha mãe. Então para onde eu vou?
Meus olhos caem sobre meu celular e vejo a mensagem de Megan. Bom, vale a tentativa. Ela estuda na cidade e o dormitório da faculdade dela não é longe de onde estou.
Então decido ligar.
- Oi Megan, tudo bem se eu for ai?
- Ah, eu vou amar se você vier.
Pelo tom de voz dela, percebi que ela estava com intenções.
- Ah sim, eu tava planejando dormir sabe? Só consigo pegar o ônibus para casa amanhã às 08h.
- Ah sim, então você poderia, mas minha colega, uh está doente.
- Entendi
Desliguei o telefone, ela estava claramente mentindo.
Abri a lista de contatos e olhei cada um, algumas pessoas que trabalharam comigo, alguns colegas da escola, e garotas, muitos nomes de garotas.
Alguns contatos nem tem nomes, só descrições. Cabelos castanhos, Starbucks. Covinhas, pizzaria.
Você está sozinha. As palavras de Natalie vieram na minha cabeça.
Não tinha o que fazer além de ficar no ponto e esperar o dia amanhecer. Qual o meu problema? Era só dizer que eu a amava também. Estraguei tudo com a única pessoa que me conhece, que eu amo.
Não sei o que fazer para consertar as coisas, mas eu tinha que tentar. Bom, tenho uma viagem inteira de ônibus até Pittsburgh para pensar.

She Gets the GirlWhere stories live. Discover now