XXXIII

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Lauren


- Obrigada, tenha um ótimo dia! - falo para nosso último cliente antes de fechar a janela.
Meu celular toca no meu bolso. Não consigo negar a pequena esperança de que o nome de Camila apareça na tela, depois de quase uma semana de silêncio, mesmo sabendo que eu que tenho que ir atrás dela e me desculpar.
Eu só… não sei  que dizer. Quando deixei o quarto de hotel de Natalie, pensei em ir até ela e dizer como eu me sinto. Pedir desculpas, mas sabia que ela estava com Cora, e pareceu errado interromper, como se eu não merecesse.
Ainda mais depois do que eu disse.
Não fui às aulas que temos juntas essa semana, porque eu não conseguiria encarar ela. Não conseguiria ser ignorada e ainda ter que assistir ela e Cora flertando.
Por mais que eu mereça isso.
Não tem como negar que Pittsburgh parece vazia agora. Sem Camila. Sem plano. Apenas assistindo aulas que não gosto. Além de trabalhar, só fico no apartamento ou matando tempo na biblioteca, pensando em maneiras de me desculpar;
Dou um longo suspiro e olho para a tela do meu celular. Claro que não é ela
É um número desconhecido, o código é familiar, é de onde cresci.
Não tenho dúvida que seja telemarketing ou algo do tipo, decido desligar, mas meu dedo acidentalmente aperta o botão para atender.
Merda.
- Alô?
- Lauren Jauregui? - uma voz desconhecida pergunta em um tom sério.
Ah não.
- Sim, sou eu.
- Lauren, aqui é o oficial Jones. - me segura na geladeira de refrigerantes para suporte - Estamos com sua mãe, Clara Jauregui, sob custódia. Ela esteve em um acidente por volta das cinco e meia da manhã. Bateu com o carro de … - ele pausa - Tommy O’Neil em um poste. Demorou algumas horas para ela ficar sóbria e nos dar um número.
A ligação que sempre temi finalmente chegou.
Por que ele foi deixar ela dirigir?
- Ela está bem? - pergunto. Jim para na porta do food truck e me olha com as sobrancelhas levantadas.
- Por um milagre ela não tem um arranhão. Não tinha mais ninguém envolvido no acidente, mas ela estava intoxicada no momento da batida e registrou… níveis bem acima do permitido por lei.
Tudo o que eu não esperava ouvir.
- Ela terá que pagar multas e terá a habilitação suspensa - ele limpa a garganta.
Todos os anos escondendo as chaves dela, levando ela para todos os lugares, monitorando tudo o que ela faz, tudo isso para nada. Tonya checando nela. Forçar ela a me mandar mensagem todos os dias. Vender o carro dela. E agora isso?
- Você consegue…?
Escuto a voz do policial, mas não consigo mais entender o que ele está falando. Olho para Jim e acho que ele entende, porque ele pega o celular da minha mão e coloca no viva voz.
Escuto só algumas palavras enquanto ele fala com o policial por mim.
“Buscar.”
“Ajuda.”
“Dirigir?”
Quando a ligação termina, ele coloca o celular no balcão e coloca suas duas mãos nos meus ombros.
- Temos que ir buscar sua mãe, tudo bem? Vou te levar.
- Eu… - minha voz come e balanço a cabeça - Obrigada.
Ele sorri.
- Não se preocupa garota.
Ajeitamos as coisas no food truck e voltamos para o galpão, não tem como sairmos do estado com essa armadilha mortal. Subo na Ford Explorer verde de Jim e paramos no meu apartamento no caminho para eu possa pegar dinheiro para a fiança.
Minha mão congela sobre os dois potes com o que juntei desde que cheguei. Pego os dois, os coloco na mochila e corro de volta para o carro.
Pennsylvania chega voando enquanto os faróis do carro iluminam a noite. Encosto a testa na janela, encarando a escuridão.
- Você está bem? - ele pergunta. Para Jim iniciar uma conversa, as coisas devem estar feias.
Desencosto da janela e olho para ele.
- Não sei ainda.
- Isso é… normal? Há quanto tempo ela é alcoólatra?
- Eu…ela - gaguejo, com dificuldade de encontrar palavras, dificuldade de admitir - Um tempo. Sempre tive medo que algo assim fosse acontecer . Especialmente quando vim para Pittsburgh. Parece que… esse dia estava chegando por um tempo já - dou um longo suspiro - Não deveria ter deixado ela.
- Sem chance - ele balança a cabeça - Me escuta, okay? De alguém que tem experiência, você não pode ser responsável por ela mais. Ela precisa ser responsável de si mesma. Você vai ser honesta com ela e falar os fatos e nós vamos conseguir ajuda para ela, Lauren. Ajuda profissional. E você - ele me olha - Você vai voltar para Pittsburgh, conseguir seu diploma e parar de carregar o peso de outra pessoa.
As palavras dele me atingem.
Nunca percebi o quão exausta eu estou. Quão pesado tem sido.
Quão assustada estive por anos.
- Além disso temos um turno dobrado no próximo final de semana em um festival de música, então não posso te perder agora - ele fala com um sorriso e uma risada escapa dos meus lábios.
Quando nos aproximamos de Philly, Jim pega uma saída família para um lugar desconhecido.
Minhas pernas começam a balançar, penso no plano de buscar minha mãe e fazer ela aceitar o fato de que precisa de ajuda.
Jim para no estacionamento e me dirijo para a delegacia.
- Oi - falo para a mulher sentada na recepção atrás de um vidro. O que eu faço?
-  Eu, uh, estou aqui para buscar Clara Jauregui. Sou a filha dela, Lauren.
Ela anota alguma coisa, depois liga para alguém buscar minha mãe da cela de detenção.
Seguro a respiração, ouvindo uma porta se abrir à distância. Os passos ficam cada vez mais altos, até que uma porta cinza atrás da recepção se abre e um policial aparece acompanhando minha mãe.
Ela parece… péssima. A camiseta preta dela está manchada, os cabelos castanhos emaranhados. Faço as contas. Dezenove horas.
Esse é provavelmente o máximo de tempo que ela passou sem beber nessa década.
Ela se recusa a me olhar e encara o chão.
- Aqui o que estava com ela - a moça na recepção me fala, deslizando um saco plástico com o celular e a carteira da minha mãe para mim. Ela começa a falar sobre a multa que minha mãe precisa pagar e o que isso significa para a habilitação dela.
Pego uma caneta e faço anotações, minha raiva se acumulando a cada palavra que escrevo, minha mãe com certeza não está prestando atenção em nada.
Ela que deveria se preocupar com datas de audiência, apelações e o que acontece agora.
Quando a mulher termina de explicar, pego as coisas da minha mãe e aponto para a porta com a cabeça.
- Vamos.
Abro a porta e começo a andar de um lado para o outro no estacionamento, minha mãe está logo atrás de mim. Jim está esconstado no carro dele, discretamente sem olhar para nós.
Me viro para encarar ela, ela me olha com os olhos cheios de lágrimas.
- Lauren… - ela começa
- Não - balanço a cabeça. Agora é a vez da minha mãe parar de correr. Hora de finalmente me escutar - Eu sai da universidade para dirigir cinco horas para te buscar na delegacia depois que você bateu o carro de Tommy em um poste. Você entende isso? Entende o quão fodido isso é?
Ela não fala nada. Só me encara até começar a chorar.
- Não. Não usa esse truque comigo. Estou cansada disso. Cansada de te dar dinheiro que preciso para os estudos para você gastar com bebida. Cansada de ficar preocupada em receber uma ligação como a de hoje, me dizendo que você bateu o carro, se machucou ou algo pior - lágrimas começam a escorrer pelas minhas bochechas e as limpos com as costas da mão - Você precisa de ajuda, mãe. Você não pode continuar vivendo assim. Nós não podemos continuar vivendo assim.
- Lauren. Ninguém se machucou - ela fala com uma risada - Não dá para matar um poste.
- Não. Mas você pode acabar se matando - falo - Você está se matando.
Ela não responde, então continuo.
- Eu sei… - minha voz falha, pauso para me recompor - Eu sei que tem sido difícil desde que meu pai foi embora. Confia em mim. Eu sei. Mas não posso continuar tomando conta de você. Você precisa aprender a cuidar de si mesma. Não posso ser seu marido, sua mãe e sua filha.
Passo tanto tempo ajudando as pessoas, mas… nunca me importei em me ajudar.
Até agora.
- Você vai procurar ajuda ou eu… - minha voz some e eu olho para Jim. Ele dá um sorriso pequeno me encorajando - Ou eu não posso ter você na minha vida. Se você se recusa a tentar. Se você continuar no caminho que está te matando. Se você não vai fazer isso por você, então por favor, faça por mim.
Assisto o rosto dela sair do choque, para a confusão, para o entendimento.
E ela concorda com a cabeça.
- No segundo que o carro acertou o poste, pensei em você - ela fala - Tudo que pensei foi o quanto que eu já te decepcionei. O quanto eu continuo te decepcionando, Lauren.
Me aproximo e abraço ela, o corpo dela parece tão pequeno e frágil.
Não seguro mais as lágrimas, todas as que engoli a seco durante esses anos, dessa última semana, tudo vem à tona.
- Me desculpa meu amor - minha mãe fala, a mão dela gentilmente acariciando meus cabelos pela primeira vez em anos.
E mesmo que as coisas parecem quase impossíveis de resolver, não consigo deixar de pensar que vamos conseguir passar por isso. Talvez não seja tarde demais para falar com Camila, se eu conseguir encontrar a coragem para fazer isso.
Quando entramos no carro, Jim conversa com a minha mãe sobre a experiência dele e sobre a clínica que ele ficou em Erie.
- Já passei algumas noites na cadeia, também - ele fala, dando um sorriso - Nada te dá mais vontade de ficar sóbrio do que ser enfiado em uma cela com uma privada comunitária.
Minha mãe dá um sorriso fraco do banco de trás.
- Sem brincadeira, acho que esse lugar pode te ajudar. Me ajudou a voltar para os trilhos.
Quando ela concorda, dirigimos noite adentro para Erie, parando algumas vezes para minha mãe passar mal do lado da rodovia, os sintomas de abstinência começando a aparecer. No meio do caminho me junto a ela no banco de trás, deixo ela deitar a cabeça no meu colo e faço carinho cos cabelos dela enquanto seu corpo se treme.
Quando chegamos lá, Jim sabe com quem falar e aonde ir e conseguimos um quarto para minha mãe. Ajudo ela a deitar, ela parece tão pequena quando o médico chega para examinar os sinais vitais dela.
Espero ela dormir antes de sair em direção a recepção, para pagar o máximo que consigo adiantado, com sorte os dois potes juntos conseguem pagar alguma coisinha.
Quando chego lá, uma moça loira que ajudou minha mãe a se instalar sorri para mim.
- Eu, uh, queria saber sobre a conta?
Ela balança a mão.
- É totalmente coberto.
- O que?
- Sim, Jim passou aqui alguns minutos atrás e a inscreveu no mesmo programa que ele participou quando esteve aqui. Cobre um mês aqui na clínica e o acompanhamento para retornar de volta à vida normal.
Fico sem palavras, meus olhos começam a se encher de lágrimas.
Mecanicamente, me viro e volto para o corredor em direção ao quarto dela. Diminuo os passos quando escuto Jim e minha mãe conversando.
- Ela é uma boa garota - ele fala - Chata para caramba, mas trabalha duro. Não reclama. Muito melhor com pessoas do que eu jamais serei.
Dou uma espiada e vejo minha mãe sorrir.
- Você vai cuidar dela? Enquanto eu estiver aqui? - ela pergunta.
Ele olha para os dois copos de café que está segurando.
- Tenho a sensação que ela cuida dela mesma por um bom tempo já - ele toma um gole de um dos copos - Mas, sim, vou ficar de olho nela.
Minha mãe acena, seus olhos estão se fechando de sono. Me encosto na parede, Jim vem para o corredor e fecha a porta do quarto atrás dele. Quando me vê, ele me entrega um dos copos.
Pego e dou um empurrãozinho leve nele.
- Acho que isso me tira da competição de funcionário do mês, hein?
Ele ri e se encosta na parede do meu lado.
- Ah, com certeza, pode esquecer.
Dou um longo suspiro, a adrenalina das últimas doze horas indo embora e dando lugar a fatiga.
- Eu te devo, Jim - olho para ele - Obrigada. Por tudo.
- Mínimo que eu poderia fazer - ele fala e um silêncio estranho se instala entre nós.
Claramente nenhum de nós é bom em demonstrar nossas emoções.
- Desculpa que você perdeu o trabalho na feira livre nessa manhã;
- Aquele lugar é o pior. Sempre nos colocam do lado dos banheiro químico, então é impossível vender tudo. - ele fala revirando os olhos - Aqueles putos.
- Aqueles putos. repito. E apesar de tudo que aconteceu, não consigo segurar o riso.



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