XVII

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Lauren

Tutti Fresh é um paraíso na terra.
Olho encantada para o buffet de coberturas: frutas frescas, cookies, Oreos, granulados de todas as cores possíveis. Meu copo já está cheio até a boca com sorvete de cookies and cream, mas agora vai transbordar.
Meu braço já está doendo de tanto pegar coisas quando chego no final do buffet, olho para Camila para ver que ela colocou uma colher pequena de granulado no sorvete de morango dela, igual uma psicopata.
- De tudo que tem aqui, você pega isso? - balanço a cabeça - Por isso você não tem uma namorada.
Ela revira os olhos e me empurra, em seguida me olha como se dissesse “Sério, Lauren?”, algo que já estou acostumada.
Só que dessa vez, ela está sorrindo.
Vamos para o caixa e colocamos os copos na balança, o meu provavelmente deve ter quintuplicado o valor. Pego um bolo de notas que consegui de gorjetas, mas Camila levanta a mão.
- Eu disse que vou pagar - ela fala passando o cartão de crédito, antes que eu pudesse fazer algo.
Me sinto um pouquinho culpada, considerando que meu copo deve ser 18x mais pesado que o dela, então coloco algumas notas de um dólar na caixa de gorjetas.
- Não sabia que você era stripper - Camila fala enquanto pegamos nossas colheres rosa fluorescentes e vamos até uma mesa vazia.
- Você me pegou - respondo rindo - Estava pensando em fazer uma rotina de dança no meu projeto final de biologia. Você é mais do que bem vinda para trabalhar com as luzes. Madrugada de segunda no final do semestre? Tem disponibilidade?
- Vejo se consigo te encaixar na minha agenda - Camila fala e começo desbravar a primeira camada de cobertura do meu sorvete.
- As notas na verdade são do…
- Ah espera, o trabalho no food truck! Você conseguiu?
Os olhos castanhos dela se iluminam, algo sobre a animação dela ou o simples fato dela ter lembrado faz com que eu sinta um calor, um conforto. Não consegui falar com ninguém sobre isso, com Natalie chateada e minha mãe sendo… minha mãe. É bom ter alguém que se interessa.
Além disso, se eu pudesse contar para Natalie, ela provavelmente pensaria que é um trabalho chato. Ela sempre dizia isso sobre meu trabalho no bar, sempre falando que preferia que eu não estivesse atrás do balcão e estivesse atrás do palco. Já tive, algumas vezes, a impressão de que ela tinha vergonha porque eu lavava copos e servia bebidas. Mas sempre deixei esse pensamento passar.
Afinal, ela disse que me ama.
- Sim! Meu chefe, Jim, é um pouco difícil, mas acho que vai ser bom. Paga em dinheiro. E a maioria das minhas horas são de finais de semana e a noite, então não vou ferrar com a faculdade. Além disso, ganho um hambúrguer ou um queijo quente.
- A comida é boa?
- Sim! Os queijos quentes dele são os melhores.
- Legal - ela fala e volta os olhos para meu sorvete e aponta - O que é isso?
Olho para baixo e vejo que boba de morango surgiu em um mar de granulado colorido.
- Isso? - o pego com a colher - É só um pouco de boba.
- Não sei o que é isso.
- Que tem em bubble tea, sabe? - dou uma risada - Quase engasgo nisso toda vez que tomo um, sendo sincera com você.
Ela me encara, nenhum lampejo de reconhecimento nos olhos dela.
Ai meu Deus.
- Você nunca tomou bubble tea?
- Acho que não estou perdendo nada já que você vive engasgando com isso - ela fala, as bochechas ficando vermelhas de vergonha.
- Faz parte da experiência, Camila!
Uso minha colher para jogar o boba nela e ela o joga para longe, a pequena bola rosa voa pelo ar e explode no calcanhar de alguém. Caímos na risada e eu quase engasgo, mesmo sem boba na boca.
Tento recuperar o fôlego e vejo meu celular acendendo na mesa.
Uma mensagem de Natalie. Abaixo a notificação e vejo: Me liga amanhã ❤️
- Puta merda. O gelo acabou! - isso que chamo de progresso.
- O gelo? - Camila pergunta.
- É, apenas… Natalie - digo enquanto digito “tmb estou com sdds” - Minha namorada; Ela estava brava comigo porque não respondi uma mensagem alguns dias atrás.
- Porque não respondeu?
Raspo o fundo do meu copo de sorvete.
- Foi um acidente. Caí no sono antes de apertar enviar. Meu primeiro dia no food truck me derrubou.
Camila para de comer e me olha.
- Não consigo imaginar ficar brava com alguém por dormir.
E não é? É bom saber que alguém pensa que não sou uma pessoa ruim por isso, mas talvez se ela soubesse a história inteira não diria isso. Não dei a Natalie muitos motivos para confiar em mim.
A última noite em Philly foi a ponta do iceberg de meses sendo uma péssima namorada. Natalie estava certa. Ela sabia a verdade sobre a minha mãe, me ajudou quando ninguém mais faria isso e agradeci sendo difícil de lidar.
- É que não deixamos as coisas nos melhores termos. Tem bastante coisa acontecendo - digo gesticulando para minha camiseta do Cereal Killers - Ela está nessa banda. Eles estão em turnê agora, tem um show em Pittsburgh no final do mês.
Me seguro para não falar do meu prazo, não quero que ela surte. Claro que quero mostrar para Natalie o quanto eu mudei, mas isso está parecendo diferente agora. Como se estivesse fazendo isso não só por mim, mas por Camila também.
Acho que ela está começando a confiar em mim. Mesmo depois de ter sido derrubada.
- No final desse mês? - Camila pergunta, olho para ela e vejo o semblante desconfiado - Tem alguma coisa que você não está me falando.
Olho para ela de um jeito doce.
- Sabe, não machucaria se você estivesse tipo… com a Cora até lá. Você sabe, para mostrar que eu te ajudei.
Os olhos dela se arregalam.
- Lauren. Isso é, tipo, daqui cinco segundos.
Espero ela começar a surtar, mas fico surpresa quando vejo um ar de determinação surgir dela.
- Bom, já tenho o número dela, certo? Foi como você disse na cafeteria, tenho que completar todas as tarefas, para conseguir passar na prova.
Aceno com a cabeça em aprovação.
- Quem é você e o que você com a Camila Cabello.
- Talvez você não seja a única que é subestimada - ela tem razão - Você usou os passos para conquistar Natalie? Os que estou usando com Cora?
Me reclino na cadeira, pensando.
- Sim, eu definitivamente usei uma versão deles - dou um sorriso - Mas, consegui o número dela no primeiro dia.
Me inclino para frente e apoio os cotovelos na mesa.
- Foi muito bom, não foi? Conseguir o número de Cora Myers?
Ela abre um sorriso, a bochecha está um pouco suja e tem marcas de terra e grama na blusa.
- Eu teria sido arremessada por aquela garota milhares de vezes para conseguir o número dela.
Não consigo deixar de sorrir quando escuto aquilo.
- Você é forte, Cabello. Foi amassada daquele jeito e ainda bancou a durona. Não tem como Cora não se apaixonar por você.
- Tomara que sim. Pelo bem de nós duas. - Camila ri e coloca a mão sobre as costelas que levaram a pancada - Vou sentir isso até semana que vem.
Gesticulo com a cabeça em direção a porta, quando um grupo bem barulhento entra na sorveteria.
- Quer que eu te acompanhe até seu quarto? - ofereço - Preciso garantir que seu corpinho frágil não quebre no meio da caminho.
Ela ri e aceita.
Levantamos das nossas cadeiras e saímos da sorveteria, jogando nossos copos vazios em uma lixeira no caminho. Lá fora, já era noite e as luzes dos postes iluminavam as ruas.
- Então você vai me dizer qual é o próximo passo? - Camila pergunta enquanto andamos lado a lado.
Olho para ela, em um short jeans e uma blusa manchada de grama. Vi ela com essa blusa umas cinco vezes nas últimas duas semanas.
Por isso decidi que o segundo passo é “vestir para impressionar”. Acho que se Camila encontrar algumas roupas em que ela se sinta confiante, ela vai chamar atenção de Cora e conseguir fazer algo quando isso acontecer.
- Temos que fazer algo primeiro - digo.
Não tenho motivo para deixá-la no escuro, mas…gosto de ver como ela fica, está tão acostumada a ter tudo planejado. Sinto que surpreender ela é algo bom.
Por isso planejei hoje desse jeito, para que ela não tivesse tempo para pensar demais, para ficar nervosa.
Ela só foi.
Encosto no braço dela, onde o número de Cora está escrito.
- Você precisa mandar uma mensagem para ela.
Ela olha assustada para o número.
- Mais tarde. Está cedo. Você não quer parecer desesperada - digo.
Continuamos andando. Camila está mordendo os lábios, com preocupação.
- Então você prefere ser amassada cinco vezes ou reprovar em biologia? - pergunto do nada, tentando distrair ela.
Paramos para esperar o sinal abrir para os pedestres.
- Ser amassada - ela responde sem hesitar - Se eu tivesse que refazer biologia, estragaria completamente meu plano de me formar em quatro anos.
Claro. Ela provavelmente tem os oito semestres planejados e anotados em uma agenda.
- Você prefere comer só no Mercado pelo resto da sua vida ou só no food truck que trabalha? - ela me pergunta.
- Mercado, com certeza. Não tem como competir com variedade - olho para os dois lados - mas não conta para o meu chefe.
O sinal abre e atravessamos a rua.
- Qual sua música favorita? - pergunto.
Continuamos com esse jogo de perguntas por todo o caminho até o dormitório dela. Descubro que o filme favorito dela é Orgulho e Preconceito (a versão de 2005). A comida favorita dela é banana frita. E… que ela prefere morrer por um ataque de tubarão do que fazer coco nas calças na frente de Cora.
- Você está me dizendo que prefere cagar nas calças na frente de Natalie?
- Claro! - digo girando minhas chaves no dedo - Eu não quero morrer.
- Acho que eu morreria em qualquer opção. De ataque de tubarão ou de vergonha. Se bem que quase morro todos os dias de vergonha.
Acabamos dando algumas voltas no pátio em frente ao prédio, ficou claro que nenhuma das duas quer parar de comemorar a vitória de hoje. E é bem legal, depois de duas semanas batendo cabeça, descobrir o que temos em comum.
- Três celebridades que pegaria. Vai.
- Fácil. Keira Knightley - boa escolha - Rachel Weisz
- Você sabe que algumas pessoas dizem que pareço com ela - digo, cortando-a.
Camila ri alto e me olha;
- Estavam mentindo para você - ela levanta o terceiro e último dedo - Ah e Dominique Provost-Chalkley. E Dom é a primeira da lista.
- Quem é essa?
- De Wynonna Earp? Você sabe, aquela série do Syfy, de alguns anos atrás. Matavam demônios com um revólver mágico. Uma bartender se apaixona por uma policial ruiva?
Balanço a cabeça negativamente, não reconhecendo nada do que ela disse.
Camila para e me olha horrorizada.
- Você nunca ouviu falar sobre Wynonna Earp? E você é…lésbica?
Dou de ombros.
- Acho que prefiro Killing Eve.
Camila revira os olhos.
- Claro que você prefere a série com a assassina psicopata e gostosa.
- Você fala isso como se fosse algo ruim - falo enquanto chegamos na porta do dormitório dela pela terceira vez.
Nossa risada acaba dando lugar ao silêncio.
- Eu assistiria um episódio - digo dando de ombros - se você quiser passar um pouco mais de tempo junto.
Hesito depois de falar.
Isso é legal…certo? Natalie não pode ficar brava por isso. Não estou fazendo nada de errado. Somos apenas amigas passando um tempo juntas. Isso era o que ela queria.
Camila junta as sobrancelhas.
- Tipo agora? - ela checa as horas no celular, 21:42 - Você não precisa.
Você não precisa? Será que ela pensa que só estou sendo educada?
- Já passou da sua hora de dormir? - pergunto com um sorriso no canto dos lábios.
- Não - ela ri - Não é que… não sei - ela pausa, mas não tira os olhos dos meus - Faz um tempo que não tenho alguém para sair tipo… - ela gesticula entre mim e ela - tipo assim.
Isso parte um pouco meu coração, mas eu entendo.
Também faz tempo que não saio com alguém assim. Alguém que não estou tentando namorar ou flertar.
- É. Eu também - digo.
Acho que somos mais parecidas do que pensei.
Ela dá de ombros e sorri para mim, o calor que emana do sorriso é o suficiente para que eu sorria de volta.
- Okay, vamos lá.

She Gets the GirlOnde histórias criam vida. Descubra agora