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Lauren

Tento atualizar o perfil do Instagram dos Cereal Killers pela milésima vez hoje, mas meus dados foram reduzidos e a foto que eles postaram se recusa a carregar.
Merda.
Eu queria pegar a senha do Wi-Fi com a Normani essa manhã, mas não tive coragem de encarar ela depois do incidente com o namorado. E posso estar paranoica, mas parece que ela também não quer muita conversa comigo.
Viro de costas na cama e mando uma mensagem para minha mãe, perguntando como ela está, Tento acalmar o nervoso de não ter nenhum tipo de resposta. Vou até os contatos e olha o nome da Tonya, a nossa vizinha de porta.
Me seguro e não ligo para ela, ela já tinha concordado em checar minha mãe duas vezes na semana, não quero ser um incômodo para ela.
Coloco meu celular de lado e olho para o teto. Quanto mais tempo eu deito aqui, sem nada pra me distrair, mais sinto o peso de tudo. Como se eu estivesse na casa que deixei pra trás, esperando minha mãe chegar.
Não conseguia parar de pensar na minha mãe. Onde ela está. Com quem ela está. Quanto ela estava bebendo. Quanto do dinheiro que deixei para as compras ela já tinha gasto.
Quando cortaram nossa luz um dia, três anos atrás, conseguir um trabalho foi o único jeito de ter um pouco de controle sobre as coisas. Convenci o dono do Tilter Rabbit, Stew, a me deixar limpar as mesas e lavar a louça até eu ter idade suficiente para trabalhar no bar.
Preciso sair daqui.
Levanto e pego minha carteira na mesa antes de vestir meu all star branco e sair o mais rápido possível do apartamento. Desço as escadas correndo, sentindo a pressão diminuir a cada degrau que desço. Quando saio do prédio, sinto como se pudesse respirar de novo.
Viro a esquerda e desço a rua, passando por um grupo de garotas em vestidos curtos, segurando garrafas de água, que com certeza não estavam com água, gritando no caminho para alguma festa.
E essa visão, de pessoas com algum lugar pra ir, me faz perceber, que não tenho ideia de onde estou indo.
Se estivesse na Philadelphia, estaria em um dos shows de Natalie, trabalhando ou flertando com algum segurança para conseguir entrar de graça em alguma balada.
Se bem que minhas noites mudaram muito desde que comecei a sair com Natalie, menos baladas e mais jantares e filmes.
Mas aqui, não tenho nada.
Não é como se eu tivesse muitas opções nessa cidade desconhecida, mas deve não deve ser difícil arrumar algo para fazer ou algum lugar para ir. Eu poderia me juntar a um desses grupos para alguma festa. Achar algum bar para passar um tempo. Entrar de fininho em algum show.
Faria qualquer uma dessas coisas em um piscar de olhos, mas mesmo com a distância, vou me manter na linha. Prometi a Natalie que faria isso e quero manter essa promessa.
Continuo andando na rua, determinada a não voltar ainda e na esquina vejo uma loja de conveniência. Decido entrar e um sino na porta faz um barulho assim que eu entro. O cara atrás do balcão tira os olhos do celular para acenar para mim. Um crachá escrito Carl está preso em sua camiseta. Ele ajeita os óculos para me encarar. E por uma fração de segundo penso em quantos salgadinhos consigo de graça.
Mas minha mente volta nela.
Natalie. Certo. Não vou tentar me aproveitar dele.
Vejo um Cheetos que ela sempre compra, pego meu celular e decido mandar uma foto pra ela falando que lembrei dela. A mensagem demora, mas finalmente é enviada. Coloco o celular no bolso, vou para outro corredor e vejo duas garotas, que param de conversar para olhar para mim.
A mais alta com cabelos pretos e cacheados, desvia o olhar quase que imediatamente, a menor me encara, com olhos castanhos e um corte de cabelo pixie. Ela está vestindo uma calça listrada, bem chamativa.
Não exatamente algo que eu goste, mas está funcionando pra ela.
- Ele disse que estaria aqui - a amiga dela sussurra e a garota com o corte pixie, finalmente dá de ombros e volta a olhar para a amiga.
Eu finjo estar olhando para os fatos nutricionais de uma barra de chocolate enquanto tento escutar a conversa, alguns cenários passam pela minha cabeça.
Eu poderia ir até lá dizer que gostei das calças dela, ou poderia pegar um pacote de chiclete que está bem atrás delas. Ou fazer algum tipo de piada.
- Brie já está lá e ela disse que só tem um barril de cerveja. E tipo Askov.
Credo.
- Bom, não tem ninguém que consiga comprar alguma coisa pra gente? - a garota de calça listrada pergunta para amiga.
Silêncio.
Claramente estavam condenadas a uma noite bebendo drinks ruins. Algo que eu não desejaria nem para o meu pior inimigo.
Antes de perceber o que estava fazendo, coloco a barra de chocolate no lugar, vou até elas e pergunto.
- O que vocês querem?
As duas me olham surpresas. A de cabelo pixie, me analisa de cima a baixo e dá um sorriso.
- Você tem 21?  - Ela me pergunta, de perto consigo ver que ela tem um piercing de argola no nariz. Bonita.
Eu encosto casualmente nas prateleiras.
- Depende de quem pergunta.
Ela ri e vira os olhos.
- Então não.
            - Bom, E você? - falo, me aproximando até que meu rosto esteja a poucos centímetros do meu - Se fosse você atrás do balcão, me daria?
Ela balança a cabeça, mas dá pra perceber que funcionou. Nós duas sabíamos que ela me daria a bebida sim.
Sinto a adrenalina de uma pequena vitória, ainda estou olhando nos olhos dela quando as palavras de Natalie aparecem na minha cabeça. “Como posso confiar em você?”
A adrenalina se dissipa no mesmo minuto. Foco Lauren, não fazem nem 48 horas ainda.
Eu me afasto, determinada a virar e continuar procurando alguma coisa para comer, mas aí ela tira uma nota  de 20 amassada da mão da amiga e me mostra.
- Tanto faz. Estamos desesperadas. Precisamos de um fardo de Mike’s. Se não tiver qualquer outra coisa com fruta.
- Tá bom.
É um bom negócio. Além do mais, preciso fazer amigos para apresentar para a Natalie. Ela me entrega a nota e os dedos dela ficam na minha palma. Até deslizarem devagar até a ponta dos meus dedos.
É, talvez não.
Limpo a garganta e aponto para as barras de chocolate atrás de mim.
- Comprem alguma coisa para não parecer suspeito. Encontro vocês lá fora.
Passo por elas e vou até as geladeiras com bebidas alcoólicas e fico procurando pelas latas.
Nada.
Não quero desistir depois de tudo, vou até o caixa e me encosto no balcão, as garotas já saíram da loja.
O atendente sai do celular e se ajeita ao me perceber, as bochechas dele estavam ficando rosadas.
- Oi Carl - digo dando a ele um sorriso e colocando os cabelos atrás da orelha.
- Uh, oi - ele me responde, claramente nervoso.
- Você por acaso teria alguma Mike’s Lemonade? Por favor?
Ele dá um pulo, ansioso para ajudar.
- Acho que tem lá no fundo.
Olho para fora para garantir que as garotas não estão paradas, encarando pelo vidro da frente. Nada delas, ainda bem que saíram de vista.
Carl reaparece com um fardo, quase derrubando tudo na hora de entrar no balcão.
Vai ser fácil.
- Po-posso ver algum documento seu? - Ele pergunta enquanto passa a bebida pelo scanner.
Coloco a nota de 20 no balcão e faço uma cena procurando meus bolsos, antes de soltar um longo suspiro e cobrir meu rosto.
- Ai meu Deus. Só pode ser brincadeira. Esqueci minha carteira em casa - Consigo sentir as lágrimas se formando nos meus olhos enquanto Carl começa a entrar em pânico - Sabe, meu namorado terminou comigo ontem do nada e agora isso.
Eu olho para ele e as lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto.
Carl me olha com pena. Deveria ganhar um prêmio por essa performance.
Eu fungo alto e tento alcançar a nota para pega-la de volta
- Me desculpa, eu só…
- Quer sabe? - ele me fala, pegando a nota antes que eu pudesse pegar de volta. - Não se preocupa com isso.
O caixa abre e ele começa a contar o troco.
- Sério? - pergunto com cuidado
- Sim. E ah, sinto muito pelo término - ele me entrega o recibo junto ao troco.
- Muito obrigada - pego o dinheiro e o fardo, dou um sorriso pequeno e aperto a mão dele antes de falar - Com sorte, um dia vou encontrar um cara tão legal quanto você Carl.
Não poderia ter sido melhor. Ele me acompanha com os olhos enquanto saio da loja, então mantenho a postura cabisbaixa. Viro em direção ao estacionamento e vejo as duas garotas paradas esperando.
- Você conseguiu! - a garota com o corte pixie me fala e eu entrego a ela o dinheiro, ajeitando a postura e encerrando minha carreira de atriz.
- Você está chorando? - a amiga dela pergunta.
- É tudo questão de comprometimento - digo, então vem um silêncio - Meu nome é Lauren e sou caloura na Pitt.
- A gente também. Meu nome é Ally - a garota cacheada responde.
- Cora - a garota com cabelo pixie fala. Ela me olha nos olhos e dá um passo em minha direção. - Não sei se você tem planos, mas uma garota que conheço do ensino médio vai fazer um pequeno encontro na casa dela hoje, se quiser vir
- Uh - eu pauso, um pequeno encontro, não uma festa. Natalie não ia gostar de saber que vou a uma festa com duas garotas que não conheço, mas não é uma festa. E essa pode ser minha chance de fazer amigos.
Só preciso tomar cuidado com…
Cora sorri para mim.
Com isso.
- Claro - digo olhando para Ally e me afastando dela.
Sigo elas até o ponto de ônibus, checo a bateria do meu celular 82%. Ótimo, vou precisar do GPS para voltar pra casa.
Enquanto andamos, descubro que Ally quer se formar em engenharia mecânica e Cora está fazendo uma graduação dupla em história e literatura.
Parece que todo universitário se apresenta com o nome e depois a graduação.
- Todo mundo me diz que não tem dinheiro em literatura, mas eu amo livros - Cora fala, virando para me encarar enquanto esperamos o ônibus.
Eu também, mas não quero falar isso pra ela. Aliás, até estaria me formando em Literatura se não fosse pelo dinheiro.
- Ah legal - eu falo e olho para rua, esperando o ônibus. Melhor evitar ter muitas coisas em comum com Cora, agora que sou dedicada a apenas uma mulher.
- E você? O que está fazendo aqui?
- Faço pré med. - digo vendo o ônibus virando a esquina.
- Ahh, você é mais corajosa que eu, não conseguiria lidar com todo aquele sangue - Abby responde
- Ah, não é nada demais. - eu falo, mas fico inquieta, também não gosto. Mas algumas coisas compensam, como estabilidade, pagamento bom. Não ter que sofrer para pagar aluguel e comprar comida. Mas o que é um enjoo quando se ganha tanto?
A porta do ônibus abre e entramos. Ally fica em pé, mas Cora senta do meu lado, sorrindo para mim e encostando a perna na minha. Limpo a garganta e desencosto dela, olhando para a janela.
Essa noite está sendo um teste. E é só meu segundo dia.
Natalie estava certa e não só sobre eu não ter amigos. Parece que sou programada para flertar e eu nem tinha reparado o quanto eu faço isso.
Mas, Natalie percebeu.
Decido que hoje vai ser uma noite boa. É um teste. Uma chance de fazer algo diferente.
Agora estou ainda mais determinada para provar que posso ser diferente.

She Gets the GirlWhere stories live. Discover now