XVI

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Camila

Passei a última hora tentando me manter ocupada, limpando e reorganizando meu quarto, redobrando minhas roupas e organizando minhas camisetas por cor no guarda-roupa. Isso normalmente me ajuda a acalmar os nervos, mas dessa vez não está fazendo nada para ajudar tirar minha mente do que quer que seja que Lauren planejou para tarde de hoje.
Recebi uma mensagem misteriosa dela mais cedo.
“Me encontra dos degraus da Catedral às 18h20”
Ela não me disse porquê e nem o que vamos fazer. A única coisa que disse foi “veste algo confortável”. Não sei o que quer dizer com isso, mas para ser honesta, é Lauren, então deve ser sobre Cora.
Decido vestir algo mais bonito na linha do confortável.
Coloco meu tênis e saio para encontrá-la.
Quando chego perto da Catedral, vejo Lauren sentada em um dos corrimões, com as pernas balançando. Ela está com uma camiseta com uma serra elétrica saindo de uma tigela de cereal e uma calça legging preta.
- Que merda você está vestindo? - ela pergunta olhando para mim - Eu disse para vestir algo confortável.
Olho para o que estou vestindo, a mesma blusa que usei na festa, mas em cor diferente, um shorts jeans. E até estou usando tênis.
- Eu estou confortável.
Ela balança as pernas, pula do corrimão e desce alguns degraus para me encontrar.
- Com confortável, quis dizer shorts e camiseta - ela fala, os olhos dela vão do meu peito rapidamente pro meu rosto - No mínimo um top, Camila!
- Então você deveria ter sido mais clara - falo me virando para o caminho que fiz até lá - Mas, tudo bem. Eu vou me trocar.
- Não tem tempo. Vamos nos atrasar - ela responde, checando o celular.
Nem tenho tempo para responder. Praticamente tenho que correr para alcançar ela.
- Atrasadas para o que? - Pergunto quando a alcanço. Olho para baixo e então percebo, que os pulsos e dedos dela não tem nada. Ela sempre usa anéis - Isso é algum passo do seu plano, onde você me diz que preciso entrar em forma e vamos para uma academia? Já vou te avisar, que não gosto muito de academia e…
- O que? - Ela para e me olha, a expressão dela extremamente ofendida - Não. Porque eu te diria algo do tipo?
- Parece algo que você diria - respondo dando de ombros para a reação exagerada dela.
- Quer saber, Camila? Eu sei que sou bonita para caralho e sim, eu gosto de flertar, até demais, mas não sou uma vagabunda burra, egocêntrica e superficial que todo mundo parece pensar que sou. Que você parece pensar que sou.
- Okay - respondo dando um passo para trás. Nunca tinha visto ela demonstrar nenhuma emoção real antes. Nem sabia que era possível ofender ela.
- Eu realmente pensei que você e eu podíamos ser amigas de verdade, mas se você acha que eu sou tão babaca assim - ela pausa - Camila, nunca disse nada da sua aparência, porque não tem nada de errado. Então não coloque palavras na minha boca.
- Okay - falo com mais firmeza, percebendo que talvez eu seja a babaca dessa vez- Me-me desculpa. De verdade.
Não foi minha intenção tratar ela desse jeito.
Ela respira fundo e por um segundo fico com medo dela ir embora, mas ela segue me guiando.
Então, por que você está vestida desse jeito? - pergunto, torcendo para deixarmos o que aconteceu para trás.
Ela não me responde e sai do caminho de concreto para a grama.
- Você vai continuar me ignorando? - pergunto enquanto sigo ela.
Quando ela finalmente para, olho para cima e vejo um campo aberto, com um grupo de mais ou menos vinte e cinco garotas. A maioria com os cabelos presos em rabos de cavalo, algumas usavam chuteiras. Um grupo  se alongava em um círculo, enquanto outras jogavam uma bola de futebol de formato estranho.
Meu estômago dói quando percebo o que estou vendo.
- Lauren! - sussurro alto demais, pego no braço dela, mas ela se solta - Lauren, por favor - suplico.
- Oi Cora! - Lauren grita na minha frente, acenando para Cora. Penso em todas as ameaças que eu poderia gritar para Lauren, mas agora é tarde demais. Cora já está na nossa frente.
- Oi gente - ela nos cumprimenta com um sorriso - O que estão fazendo aqui?
- Estamos aqui para os testes - ela fala colocando o braço no meu ombro.
Testes?
- Ah, legal! Não sabia que vocês se interessavam - Cora fala, a atenção dela claramente no meu look desapropriado, mas ela não comenta nada.
- Eu não jogo merda nenhuma, mas Camila aqui…- ela da um tapinha no meu braço - Ela ama Rugby.
- É mesmo? - Cora sorri para mim.
- Si-sim. Não me canso.
- Por que você não jogava na escola? Precisávamos de mais jogadoras, ainda mais depois que Maria, Anna e Taylor quebraram algum osso na mesma semana.
- Uh - pauso e penso no quanto eu aprecio cada um dos meus ossos - Acho que sou mais fã do esporte que qualquer coisa, mas… eu…pensei que podia tentar.
Minha mentira deve ter sido convincente porque Cora sorri.
- Bom, não vejo a hora de ver o que sabe. As inscrições são ali - ela fala apontando para uma mesa dobrável armada na grama.
- Obrigada - Eu e Lauren falamos quando passamos por ela. No segundo que saímos de perto dela, tiro o braço de Lauren dos meus ombros e dou uma cotovelada nas costelas dela.
- Aí - ela ri e esfrega o lugar - Guarde para o jogo, Cabello.
- Eu vou te matar - dou um passo para mais perto dela e abaixo meu tom de voz - Eu nem sei o que é Rugby.
- Não seja tão dramática - ela responde, pegando uma caneta e escrevendo nosso nome na lista.
- Lauren, não acho que você entendeu - sigo ela até uma árvore próxima, onde ela solta a carteira e o celular no chão. Decido enunciar cada palavra para ver se ela entende - Eu. Nem. Sei. O. Que. É. Rugby. Não sou uma dessas lésbicas esportivas que tem por aí.
- Por sorte, eu não te trouxe aqui para impressionar ela com suas habilidades olímpicas. Te trouxe para conseguir o número dela, porque claramente você não vai conseguir sozinha e você não pode mandar mensagem para ela sem o número. Fazem dois dias desde que tomamos café e você não falou mais nada com ela. - Ela pega um dos pés e começa a se alongar.
- Isso não é verdade. Eu acenei para ela ontem!
- Você acenou para ela!? Espera… o que… o que é isso? - Ela coloca a mão na orelha como se estivesse ouvindo alguma coisa - Eu acho que estou escutando… os sinos da igreja?
Me viro e saio andando dali. Não é tarde demais para me salvar dessa. Se isso é o que tenho que fazer para completar o passo 1, não quero saber dos outros quatro.
Estou quase pisando no concreto de novo quando escuto Cora gritar meu nome.
- Camila! Vai longe!
Me viro para ver e antes que eu consiga gritar não, ela joga uma daquelas bolas estranhas na minha direção.
Pega Camila. Pelo amor de Deus, pega.
Vou para esquerda, para a diretora, dou um passo para trás. Ergo as mãos. Está tudo alinhado perfeitamente quando a bola chegando na minha direção, mas ai…
Puff.
Passa pelas minhas mãos e acerta meus peitos, cai e começa a rolar pelo chão.
Estou extremamente ciente que as duas estão me observando enquanto corro atrás da bola na grama.
- Ela é melhor na defesa - Lauren fala e Cora acena.
- Guardando o melhor para o teste, não tenho dúvida - Cora sorri para tentar me encorajar.
Maravilha.
Me vejo obrigada a ficar. O teste não parece ruim, mesmo que eu seja garota com a roupa mais ridícula no campo. Passamos uns 15 minutos jogando a bola de um lado para o outro. E finalmente pego o jeito, talvez eu consiga fingir até o final.
Mas então começa a segunda parte.
- Muito bem - uma garota com uma faixa de capitã fala, ela entra no meio de nós e separa em dois lados - Nessa parte, vamos fazer um jogo treino.
Eu nem sei qual o sentido do jogo. Nós fazemos touchdowns? Gols? Jogamos a bola em um de três aros?
Vejo Lauren e Cora pegarem um colete de uma caixa na mesa de inscrições, porque claro que foram colocadas no mesmo time.
Depois de alguns minutos, a capitã nos coloca em nossas posições e eu consegui ganhar um apelido. Shorts Jeans.
Legal. Legal. Legal.
Vejo Cora, nossos olhos se encontram e ela faz um sinal de positivo, o que é suficiente para que eu não saia correndo.
Então do nada, um apito toca e todo mundo do meu lado sai correndo, como se soubessem exatamente onde precisam ir, provavelmente devem saber.
Até Lauren, de alguma maneira parece jogar como se soubesse o que deveria fazer.
Olho para o lado quando escuto um grito, uma garota do meu time, tem a bola, mas está sendo derrubada por trás por outra garota. Amtes de cair, ela olha desesperadamente para os lados e no último segundo, joga a bola para mim.
Merda.
Não sei o que fazer agora, mas isso não importa. Antes que eu consiga pegar a bola com firmeza, uma garota, que é uma parede de músculos, me joga no chão com toda a força dela.
- Camila! Você está bem? - uma voz pergunta por perto enquanto estou literalmente afundada na lama. Mal consigo ouvir de tão alto que estou respirando, tentando recuperar o fôlego.
- Respira pelo nariz e solta pela boca.
Faço o que a voz fala e logo minha respiração volta o suficiente ao normal para eu abrir os olhos. Olho para cima e vejo Cora agachada ao meu lado, os olhos cheios de preocupação.
- Acha que consegue andar? - ela pergunta. Nossa como ela é bonita. Os olhos, a boca. - Camila?
- Desculpa, eu acho que consigo - me viro totalmente ciente da dor que agora está se espalhando pelas minhas costelas.
Conforme me levanto, Cora coloca meu braço direito no ombro dela e segura na minha cintura, minha blusa está um pouco levantada.
De repente, minhas costelas não doem mais, só consigo sentir a mão dela na minha pele.
- Foi uma pancada - ela fala enquanto me ajuda a sentar com cuidado embaixo de uma árvore - Você acha que está bem?
- Acho que sim - falo esfregando minha lateral.
- São suas costelas? Posso ver? - aceno que sim. Ela alcança minha blusa e a levanta o suficiente para ver uma marca vermelha que com certeza ficaria roxa. Ela faz uma careta, como se estivesse sentindo minha dor. Vejo ela estudando o machucado.
- Vou sobreviver, Doutora? - pergunto. Puta merda. Consegui flertar e fazer uma piada e o melhor de tudo, ela está dando risada.
- Provavelmente, você precisa de um pouco... - antes que ela consiga terminar a frase, Lauren aparece, completamente sem ar. Ela não consegue falar, mas levanta uma sacola plástica cheia de gelo. Não tenho ideia de ontem ela achou gelo, mas deve ter sido longe para ela estar arfando desse jeito.
Cora pega a sacola da mão dela e segura contra minhas costelas.
- Obrigada - sorrio para ela, enquanto Lauren continua sem ar em um canto.
- Camila, eu não ia falar nada, mas já que estamos aqui - Cora analisa minhas roupas novamente - Qual é a do seu, uh… look?
Obviamente que não posso falar o motivo real, ainda bem que posso fingir confusão até pensar em uma mentira depois dessa pancada.
- Ah, eu... eu esqueci uma caixa de coisas em casa. Todas minhas roupas de treino.
- Você devia ter me ligado - ela fala franzindo o cenho - Eu teria te emprestado alguma coisa.
Eu deveria ter ligado!? A abertura perfeita.
- Sério? - Pergunto ao invés de aproveitar a abertura.
- Claro. Qualquer hora - ela dá de ombros e olha o treino atrás dela - Você acha que está bem? Quer tentar voltar?
- Não, eu… eu acho que não consigo - Não volto para lá nem que me paguem. - Você deveria voltar, eu odiaria que a próxima estrela do time não entrasse nele, por que estava brincando de médico - Dou uma risada e uma dor aguda me atinge nas costelas.
- Se você precisar de outros conselhos médicos, me liga - ela responde com um sorriso.
O universo está me dando uma segunda chance. Olho nos olhos dela. É agora.
- Pode me dar seu número? - pergunto com o coração batendo a mil - Pra eu te ligar? Ou mandar mensagem?
Claro que é para ligar ou mandar mensagem, Camila. O que mais faria com o número dela.
- Sim, claro - ela responde depois do que pareceu uma eternidade.
Deixei meu celular com o de Lauren no outro lado do campo, mas por sorte, Cora pega uma caneta em um bolso de fora de uma mochila que estava por perto e me estende uma das mãos. Olho ao redor, procurando por um caderno, papel, post it, mas não posso ficar abrindo as mochilas alheias. Olho em volta para procurar de novo, talvez uma folha de alguma árvore? Não acredito que não vou conseguir o número dela porque não tenho onde anotar.
Ela dá uma risada e gentilmente pega minha mão e estica meu braço. Seguro o ar quando a caneta começa riscar minha pele, como se estivéssemos em um filme adolescente.
Esse tipo de coisa não acontece na vida real.
Pelo menos não comigo.
- Eu preciso voltar para lá - ela coloca a caneta de volta onde encontrou e se levanta - Sinto muito pelo teste.
- Acho que vou ser melhor torcendo de qualquer maneira - rio
- Espero que sim - ela fala antes de correr de volta para o teste.
Ela espera que sim. Ela me quer nas arquibancadas.
Encontro os olhos de Lauren enquanto ela termina de beber um copo de água e estou tão feliz que esqueço de ficar brava com ela. Aceno com a cabeça para ela com um sorriso enorme no rosto. Ela vem até mim fazendo uma dancinha.
- Camz! Você está brincando comigo? - Lauren fala. Dou minha mão para ela e ela me ajuda a ficar em pé.
- Eu não sei o que aconteceu. Eu fui tão… suave. Foi o que você disse na cafeteria sobre eu sair da minha cabeça. Acho que ser atropelada ajudou, bateu a ansiedade para fora! - falo enquanto ela levanta meu braço e olha o número de Cora.
- Camila! Passo um completo! - ela me puxa para um abraço, o corpo dela batendo bem nas minhas costelas machucadas, me fazendo grunhir de dor. - Aí. Merda. Desculpa.
Ela imediatamente me dá um empurrãozinho nos ombros.
- Camz! Isso é ótimo. Temos que celebrar. - ela gesticula para eu segui-la.
- Elas sabem porque estou indo embora, mas você não deveria avisar a capitã ou algo do tipo, antes de ir embora? - pergunto.
- Psh. Foda-se para o que pensam de mim - ela ri e vou ao encontro dela.
- Como você sabia que isso iria acontecer? Eu ser atropelada. Cora me ajudando. Foi estranhamente perfeito.
- Eu paguei para ela te derrubar - ela admite e minha boca se abre incrédula.
- Você não fez isso! - grito, sem acreditar e Lauren cai na gargalhada balançando a cabeça. Tento empurrá-la da melhor maneira que consigo.
- Sinceramente, achei que você ia estar tão focada em não parecer boba no jogo que quando acabasse você estaria mais tranquila sobre Cora - ela responde - Tinha a impressão que ela iria cuidar de você durante o jogo, mas acho que tivemos um pouquinho de sorte.
- Sorte!?
- Funcionou, não funcionou? - ela pergunta e está certa. Acho que até devo ela por essa.
- Vamos tomar um sorvete. Eu pago. -Parece que é o mínimo que posso fazer por ela - E hmmm... Me desculpa por mais cedo, sobre o que te disse. Eu nunca quis—
- Não esquenta - ela me interrompe, mas posso ver no rosto dela que fez diferença. Pego no ombro dela para suporte e vamos em direção ao Tutti Fresh.
Desde a festa até hoje as coisas não saíram do jeito que planejei, mas me sinto tão bem. E acho que Lauren tem um grande papel nisso tudo. Algo que não imaginei que aconteceria.

She Gets the GirlDonde viven las historias. Descúbrelo ahora