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Camila

Ela está atrasada.
Claro que está atrasada. Provavelmente deve ter perdido a hora de acordar depois de virar mais uma festa flertando.
Pego meu celular e digito uma mensagem:
Você sabe que VOCÊ pediu para EU te encontrar agora.
Mas antes que eu possa enviar, a cabeça de Lauren entra pela cafeteria que fica dentro do prédio de arquitetura. Ela se senta na cadeira que está na minha frente e eu reviro os olhos.
- Que foi? - ela pergunta
- Você pediu pra eu te encontrar aqui. Às duas.
- Sim?
Ela olha pro meu celular que está na mesa e ainda com a tela acesa. 02:13. Dou um longo suspiro.
- Esquece
- São só 13 minutos.
- E se eu tivesse aula daqui a pouco?
- Você não tem.
- Como você sabe? - Fecho o livro da matéria que estava lendo e coloco ele no canto da mesa.
- Camila. É sexta-feira e se você tivesse aula, não teria vindo.
Ela se aproxima e me encara. Juro que os olhos verdes dela conseguem enxergar até os meus pensamentos. Ela é muito boa em entender as pessoas, o que mexe com eles, pelo menos comigo é assim.
Não que eu um dia vá admitir isso pra ela.
- Porque estamos aqui? Esse é o primeiro passo do seu grande plano? - pergunto e vejo a pose confiante dela tremer um pouco - Você tem um plano, não tem?
- O plano…tem cinco passos. É um plano com 5 passos - ela gesticula as mãos como se fossem um letreiro anunciando - Como conquistar a garota
Meu corpo contrai. Eu mal consigo fazer com que a garota note que eu existo.
- Eu sei que o nome é estranho. Desculpa, mas cadas passo é sobre conseguir a atenção de Cora, até vocês saírem juntas. - ela responde, confundindo minha ansiedade social com julgamento pelo nome do plano dela - De qualquer maneira, o primeiro passo: conseguir o número dela. Então não vamos sair daqui até você conseguir o número de alguém.
Eu engasgo com o ar.
- Número de telefone?
- Não Camila, número do RG.
- Lauren, você não pode simplesmente chegar em uma pessoa e pedir o número de telefone dela. E o que eu vou fazer com o número de um estranho?
E se essa for outra tentativa dela me humilhar igual no jogo de Eu Nunca. Talvez nada disso tenha a ver com se provar para a namorada, talvez ela só esteja entediada e queria acabar com a minha vida. Fui inocente em acreditar que ela seria capaz de fazer algo bom para mim.
- Eu não vou fazer isso - balanço a cabeça e me levanto da cadeira.
- Sim você vai - Lauren bate no meu livro o segurando na mesa - Senta ai - quando não obedeço ela continua - Não é sobre o número, é sobre ter a confiança de ir até uma pessoa e pedir. Ou a confiança de se sentar perto da garota que gosta na sala de aula.
- Me dá o livro - estendo a mão para ela, mesmo que o que ela tenha dito faça sentido. Ela puxa o livro para mais perto dela - Lauren - digo de maneira firme. Ela olha ao redor e depois volta a atenção em mim.
- Olha, eu vou primeiro. Escolhe alguém. Qualquer pessoa aqui que não esteja usando aliança. Se eu não conseguir o número, você pode ir. - Ela pausa e dá um sorriso - Mas, se eu conseguir, você tem que ficar e tentar. Tudo bem?
Eu dou uma risada, me sento e começo a olhar em volta. Ainda não acho que conseguir o número de uma pessoa aleatória vai me aproximar de Cora, mas ver Lauren quebrar a cara, não tem preço. Olho as pessoas, procurando o alvo perfeito. Tem um rapaz, que deve ter nossa idade balançando as chaves nos dedos. Uma garota de óculos e cabelos rosas.
Preciso de alguém que nunca daria o número para Lauren, alguém como… ela.
Na fila, para pedir tem uma mulher com o cabelo preso em um rabo de cavalo tão alto e apertado que deve terminar o dia com dor de cabeça. Ela está vestindo um terninho cinza e salto alto. Deve ter entre 27-30 anos. Me movo um pouco para a esquerda para enxergar a mão dela que segurava uma pasta. Sem anel.
Rio, feliz que tenho um lugar privilegiado para ver essa vergonha. Encontro os olhos de Lauren e depois olho para a mulher.
Olho Lauren observar a mulher e se virar para mim. Sem chance que ela consegue.
- Terninho? - ela pergunta - Psh. Sem problema nenhum.
Ela se levanta da mesa sem pensar duas vezes e vai para a fila atrás da mulher. Rio comigo mesma, vendo-a passar a mão nos cabelos algumas vezes e ajustar a camiseta de banda que vestia, para que a frente fique um pouco por dentro da calça.
Espero Lauren tomar uma atitude, como dar um tapinha no ombro da mulher e elogiar o cabelo dela ou algo do tipo. Mas ela só espera. Enquanto a mulher faz o pedido dela, Lauren se aproxima e parece que ela vai sussurrar algo, mas ela só espera. A mulher paga o pedido e vai ao balcão ao lado para esperar a bebida dela. Ela engasgou. Lauren Jauregui engasgou. Ela nem tentou, não foi tão divertido quanto achei que seria, mas se ela não conseguiu o número, isso quer dizer que não preciso tentar.
Pego meu celular para mandar uma mensagem avisando que estou indo embora enquanto ela faz o pedido dela.
“Acho que te vejo mais tarde”
E ela me responde quase que imediatamente.
“Espera um pouco Cabello”
Tiro os olhos do celular e vejo Lauren dando uma piscadinha para mim. Ela joga os cabelos para o lado e vai para o próximo balcão esperar a bebida.
- Um Mocha com leite desnatado, pouco gelo e chantilly - a moça da cafeteria anuncia.
E para minha surpresa, Lauren e a mulher tentam pegar o copo ao mesmo tempo. As mãos delas quase se tocam enquanto elas esbarram. Qual a chance de aquele ser o pedido da Lauren.
Lauren faz uma cena para a mulher ficar com a bebida, ela está com a postura reta e os movimentos dela parecem um pouco mais refinados do que o normal, o sorriso, um pouco menos presunçoso.
Tento escutar o que ela está falando, mas não consigo, o que quer que seja está fazendo a mulher rir.
E mesmo com o pedido na mão, a mulher não vai embora.
Então… não é possível.
Lauren entrega o celular para a terninho, que digita alguma coisa e devolve para Lauren, que segura, por poucos segundos na mão da mulher antes de pegar o celular de volta. Quando ela volta para a mesa, tento não parecer impressionada. Não posso perder essa aposta.
- Duvido que ela tenha te dado o número real dela.
Ela aperta o botão de ligar e segura o celular na minha frente para eu ver. Meus olhos vão para a mulher, que agora está quase chegando na porta para sair, ela está equilibrando a pasta e a bebida em uma mão, enquanto com a outra procura o celular em um dos bolsos.
- Como…? - balanço a cabeça - Aquela mulher era claramente hétero.
- Bom, não se julga um livro pela capa - ela encerra a ligação, totalmente alheia ao fato de que a mulher quase derramou a bebida para atender - Admite. Você ficou impressionada.
Eu não falo nada e o silêncio entre nós só é quebrado quando a atende chama?
- Outro mocha com leite desnatado, pouco gelo e chantilly.
Lauren se levanta, vai até o balcão e volta ao lugar dela e abre a tampa da bebida.
- Então o que?
- Você pediu a mesma bebida que ela e então magicamente conseguiu o número dela?
- Não é magia, Camila. É ciência - ela fala - e nada vai magicamente acontecer entre você e Cora se você não tomar uma iniciativa. Quer saber como consegui o número da terninho? Confiança. Estou te dizendo, confiança é tudo na hora de flertar.
- Mas eu não tenho isso - respondo antes mesmo de pensar no que admiti.
- É, estou ciente disse. Já vi você tentando funcionar em público, mas não significa que você não possa adquirir um pouco. É tipo… biologia. Se eu tentar fazer a prova final hoje, sem estudar, sem fazer as provas menores, não vou passar. Isso que estamos fazendo, simulados e provas menores e Cora? É a prova final. Não importa se você fracassar hoje, você não tem que ver essas pessoas de novo.
Quando ela coloca desse jeito, tem um sentido lógico. Esfrego as têmporas e vejo Lauren colocar a tampa de volta no drink, parece que ela terminou de tomar a parte que queria, o chantilly.
- Camila, vamos. Você consegue. De boa. É só uma lição de casa.
Ela olha pelo ambiente, até que os olhos dela param em alguém atrás de mim - Ali
Viro e olho para um garoto sentado sozinho, lendo um livro gigantesco de fantasia.
- Hmm.., ele é um cara - digo enquanto viro para olhar para ela.
- Meu Deus Camila - ela se aproxima por cima da mesa - Não estou pedindo para você chupar ele. Só pede o número. Assim você realmente não vai ligar para o que acontece.
Ela tem razão. Balanço a cabeça, mas só porque é um cara, não me parece mais fácil.
- Tá. Ela então - ela aponta para uma garota entrando, bonita e que parece fofa.
- Ela… com certeza é hétero - falo, mesmo que ela esteja usando uma camisa xadrez no calor, mas não é como se ela tivesse o símbolo do orgulho tatuado na testa.
Mas, Lauren aponta para um pin do orgulho preso na mochila da garota quando ela passa por nós.
- Pode ir. Eu ganhei a aposta - ela insiste - Estou te dizendo Camila, se você conseguir fazer isso, vai estar um passo mais perto de Cora.
Solto um suspiro dramático e me forço a ir até a garota e ficar na fila atrás dela.
- Um latte de baunilha pequeno - ela fala para moça do caixa.
Então chega a minha vez e peço a mesma coisa. Por enquanto tudo bem. Igual Lauren fez.
Sigo a garota até o balcão de retirada, imaginando a cena na minha cabeça, enquanto espero o pedido. Posso chegar e sorrir, olhar nos olhos, dizer algo para fazer ela rir.
Talvez uma piada não. Não sou boa com piadas. Vou tentar ser eu mesma.
- Latte de Baunilha - a atendente chama
Estou pronta, tento cronometrar minha entrada perfeitamente, mas chego com muita pressa, tentando esbarrar nela, minha mão bate no copo e o café cai inteiro no balcão.
- Você está de brincadeira comigo? - ela pergunta claramente irritada. - Isso nem era eu.
O que estou fazendo?
- Desculpa. Me desculpa - a atendente coloca minha bebida em um pedaço do balcão que não estava sujo e eu pego o copo - Aqui, pega esse. É exatamente o mesmo. Desculpa - entrego para ela e saio correndo de volta pra mesa sem olhar para ela.
- Uau. Isso foi difícil de assistir - Lauren fala e eu não olho para ela, só afundo um pouco mais na minha cadeira - Primeiro de tudo, não acredito que você tentou fazer exatamente a mesma coisa que eu. E segundo Camila - ela para quando vê que não estou bem - Está tudo bem, ok? De verdade, como disse você não precisa ver essas pessoas de novo. Não importa, só deixa pra lá. - Ela respira fundo e se apoia na mesa - Acho que foi minha culpa, devia ter te dado mais instruções. Me escuta, você tem que analisar a pessoa, a mesma coisa não vai funcionar em pessoas diferentes... Talvez, com essa garota, você poderia ter elogiado o pin dela, certo? Você precisa ir com o que sente das pessoas, mostre uma parte sua em que ela vai se identificar. Sabe?
- Lauren, eu tentei. Ok? Não posso fazer isso, nunca vou conseguir o número de Cora. Vamos acabar por aqui.
Tento alcançar meu livro, mas Lauren da uma cotovelada nele antes de eu pegar. O livro voa e cai no chão
- Nossa que maturidade.
Me abaixo para pegar o livro, mas uma mão o pega antes de mim. Olho para um rapaz musculoso com o cabelo raspado e olhos familiares, olhando para baixo, para mim. Eu sei que metade da minha escola veio para cá, mas não esperava encontrar eles em toda esquina. Me preparo para uma interação semelhante a que tive com Jason na mesa de beer pong, mas ele me surpreende.
- Oi Camila - ele fala, se lembrando meu nome, mas eu não consigo lembrar do dele - Dustin - ele coloca a mão no peito - Você salvou minha vida em
- Anatomia, primeiro ano. Eu me lembro.
- Se você não tivesse me emprestado suas anotações, com certeza eu teria ido mal naquela final - ele fala com uma risada, coçando a parte de trás da cabeça. Quase como se estivesse… nervoso?
- Que bom que pude ajudar - sorrio enquanto o pego o livro da mão dele - Obrigada
Algo sobre Dustin parecer nervoso, parece me acalmar. Então algo chuta minha canela de baixo da mesa, olho com raiva para Lauren, que arregala os olhos para mim.
Ahhh
- Dustin - volto minha atenção para ele, lembro de quanta dificuldade ele tinha na escola - Se um dia você quiser me encontrar para estudar ou, se quiser só me encontrar, ou não sei… nós podíamos. Ou tanto faz.
Ele se ilumina.
- Ah, isso seria maneiro.
Lauren me chuta de novo e dessa vez chuto ela de volta.
- Aqui - entrego meu celular para ele - Salva seu número que eu te mando mensagem
Não sei se isso consiste em pegar o número de alguém como Lauren queira, mas tecnicamente eu peguei. Dustin me devolve o celular, agradece e vai para a fila fazer o pedido dele.
- Camila! - Lauren fala quando ele se distancia - Você conseguiu! A sensação é boa né? - ela está praticamente gritando no meu ouvido, mas eu não me sinto muito diferente.
- Acho que sim. Não sei. - dou de ombros e encontro os olhos verdes dela - Ele só me deu o número porque precisa de ajuda. Não é como se ele quisesse algo mais que isso.
- Camila - ela me olha sério - Ele queria bem mais que isso.
- Ai meu Deus - sussurro, enquanto sinto minhas bochechas esquentarem - Cala a boca, não queria.
- Uhh, eu tenho olhos, ele queria - ela fala - Mas deixando isso de lado, você saiu da sua cabeça e conseguiu o número daquele bonitinho. Agora quando realmente importar, com Cora, você vai saber que consegue.
- Mas tipo…como? Não sou você
- E você não precisa ser. Você foi você mesma com ele. Encontrou algo que sabia dele e usou isso para se aproximar. É só isso. Só quero que você seja mais você mesma, do que uma pilha de ansiedade em um canto de uma festa.
Engulo seco.
- Conseguir o número dela não precisa ser algo formal ou carregado de flerte.  Você pode chamar ela pra estudar ou convidar ela e Ally para fazer algo. E quando tiver o número, pode começar a flertar por mensagem. O que eu acho que vai ser mais fácil para você.
Confirmo com a cabeça, ela não me convenceu totalmente, mas ela tem razão. Conseguir o número de Cora, não parece mais algo impossível.
- O que fazemos agora então? Terminamos os cinco passos assim? E depois aplico eles na Cora? Ou pego o número dela agora e…
- Calma - ela me interrompe - Você tem um fetiche em ficar com as coisas sob controle, não tem Camila?
- Bom, é um plano, não é? Então você não deveria me dizer o restante para eu saber o que está acontecendo?
- Você não precisa saber tudo agora, se não vai surtar. Só foca em conversar com ela. Foca em construir sua confiança e em conseguir o número dela quando se sentir bem. Ok?
Solto outro suspiro dramático. Não gosto de ficar no escuro.
- Tá.
- Okay - ela levanta - Preciso ir, tenho uma entrevista de emprego às 02h45.
Tento imaginar Lauren trabalhando. Empurrando uma cadeira de rodas em alguma clínica, ajudando crianças a achar livros na biblioteca. Por algum motivo, não consigo imaginar ela fazendo nada disso.
- Qual o trabalho?
- Food truck.
Food truck. Feiras, cervejarias, eventos. Algo diferente todo dia.
- Legal - respondo com honestidade.
- Aqui, pode ficar - ela me entrega o café dela. Aquele que vi ela tomar todo chantilly.
Olho para ela com nojo.
- Não quero seu café de germes.
- Okay - ela responde como se eu tivesse ofendido ela - Só estava tentando ser legal.
Ela pega o café de volta e vai em direção a porta. Me sinto estranha em deixar as coisas assim, ainda mais depois dela ter me ajudado.
- Lauren - chamo e ela se vira para mim - Talvez…tente não ser tão você na sua entrevista.
Não sei se o que disse ajudou em alguma coisa, mas ela riu.
- Está tentando me dar conselhos, Cabello?
Dou de ombros e ela vai embora.
Pego meu celular. 02:44. Literalmente um minuto antes da entrevista que ela marcou.
Eu consigo sentir minha ansiedade chegando por causa dela.
Por que estou confiando minha vida amorosa em uma garota que leva tudo na brincadeira?

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