XXXIV

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Camila

Na ligação com a minha mãe, não teve nenhuma menção sobre como estive distante, sobre as ligações que não atendi ou mensagens que não respondi.
Honestamente, acho que ela só ficou feliz em falar comigo, mas quando pedi um vestido emprestado, ela ficou insistindo em vir de novo para irmos ao shopping…só nós duas. Convenci ela que não precisava, mas mesmo assim ela queria vir ajudar a me arrumar.
Finalmente entramos em um acordo quando ela insistiu em conhecer Cora em um almoço.
E sinceramente, achei uma boa ideia. Conhecer os pais é um passo importante em um relacionamento. Talvez esse seja o passo cinco do plano… conhecer os pais. Não que isso importe agora.
A ideia de duas das minhas pessoas favoritas se conhecendo me deixa animada. E as coisas correram tão bem quando ela conheceu Lauren, que nem estou preocupada.
Pelo menos não estava até agora, que estou sentada com as duas em uma pequena mesa no Point Brugge, um dos meus restaurantes favoritos.
- Então, Cora, no que você está se formando? - minha mãe pergunta enquanto a garçonete começa a colocar nossos pedidos na mesa.
- Estou fazendo uma dupla graduação. História e Literatura - Cora responde e agradece a garçonete que acabou de colocar sua salada típica de Pittsburgh na sua frente. Salada, cheddar, ovo cozido cobertos por batata frita - Fritas… em uma salada - Cora fala olhando para o próprio prato - Você gosta, Camila?
- Bom— começo, mas minha mãe me interrompe.
- É nossa parte favorita! - ela fala, respondendo por mim. Minha pele formiga quando ela dá uma mordida na salada dela e pisca para mim.
- Eu nunca me acostumei - Cora responde, antes de enrolar as batas em um guardanapo e temperar a salada. - De qualquer maneira! Estou gostando muito de mitologia grega agora. Estou lendo esse livro sobre as origens de Apolo…
Ela conta animada sobre todos os detalhes do livro.Sorrio para ela, mas depois de um tempo minhas bochechas começam a doer.
Olho para a minha mãe e percebo como ela está distraída enquanto Cora fala.
- Nós — tento mudar o assunto e contar para minha mãe que fazemos biologia juntas. mas Cora me atropela com mais detalhes sobre o livro.
Nunca tinha percebido o quanto ela gosta de falar. Algo que agradeci na festa, pois ela preenchia o silêncio quando eu estava nervosa demais para falar algo. Então nunca tinha percebido, mas agora que quero falar, não consigo.
Sinto uma linha de suor descer pelas minhas costas enquanto vejo a cena se desenrolar na minha frente. Minha mãe claramente não está mais prestando atenção na conversa, mas ainda está tentando ser educada, fazendo alguns “ahs” e ‘ahams” de vez em quando.
Minha mãe odeia ela.
Deus, isso foi uma péssima ideia. Só pensei… pensei que ela gostaria de Cora tanto quanto eu gostava.
Quanto eu gosto.
Talvez Cora só esteja nervosa em conhecer a minha mãe. O que eu entendo.
Vamos embora e eu mal toquei no meu prato, porque estou uma pequena poça de nervoso e ansiedade. Então levo o que ficou para viagem.
Seguimos minha mãe de volta para o carro, Cora andando ao meu lado.
- Ainda bem que ela gostou de mim. Eu estava tão nervosa - ela sussurra, não parecendo nenhum pouco nervosa. Sorrio e aceno, surpresa, mas aliviada que ela não percebeu o que minha mãe realmente achou dela.
Quando chegamos no carro, minha mãe abre o porta malas e mostra quatro vestidos para eu escolher um.
- Qual você quer? - ela pergunta, mostrando um por um.
Tem um azul com flores brancas, um verde com decote V profundo, um preto simples, que parece ser o mais promissor já que tenho que escolher. O que preciso fazer, já que infelizmente não posso ir de jeans para esse negócio de arte. E tem um outro, que é tão fora do que eu gosto que nem quero–
- Meu Deus! Esse! - Cora grita e pega o vestido longo e vermelho vivo… o quarto e último.
- Era nesse que eu estava pensando! - respondo forçando um sorriso.
- Sério? Jurava que você ia escolher o preto - minha mãe responde me olhando de um jeito suspeito.
- Não, gostei do vermelho - respondo, pegando o vestido da mão de Cora e indo para o banco do passageiro. Por que ela não me deixa resolver as coisas sozinha?
A volta para o campus foi silenciosa e passei o caminho olhando para o vestido vermelho no meu colo. O vestido vermelho vivo.
Cora e minha mãe se despediram e ela desceu em frente ao prédio dela. Falo para ela que estou ansiosa para amanhã e vejo ela se dirigir para a porta do prédio de dormitórios.
Eu não falo nada enquanto vamos para a perto do meu prédio, agora estamos sentadas, o carro estacionado, minha mãe também não diz nada. Algo que nunca acontece.
A voz dela finalmente quebra o silêncio.
- Cora parece ser legal. Você gosta muito dela? É tudo que você imaginou que seria?
- Não faça isso - respondo para ela enquanto encaro a janela.
- O que? O que eu fiz? - ela pergunta.
- Eu sei que você não gostou dela.
- Camila - ela suspira - Estou muito, muito feliz por você.
- Mas você não gosta dela - respondo frustrada com o  quanto a opinião dela ainda importa para mim.
- Só preciso conhecê-la melhor. Você sabe como sou. Levo um tempo para gostar das pessoas.
- Sério? - pergunto olhando para ela - Porque não te levou tempo nenhum para gostar de Lauren.
- O que você quer que eu diga? - ela fala dando de ombros - Sim, gostei de Lauren, mas porque você estava tão feliz naquele dia no shopping. Você é diferente quando ela está por perto. No bom sentido, digo. Você estava mais… você mesma.
- Você nem deu uma chance para Cora e você claramente não sabe nada sobre Cora. Acho que não sabe nada sobre mim também - falo em um tom mais duro.
- O que isso quer dizer?
- Nada. Esquece - respondo.
- Você não atende minhas ligações ou responde minhas mensagens por duas semanas e agora você acha que não te conheço? Te conheço melhor do que qualquer outra pessoa. Eu sei que você não gostou daquele vestido.
- Isso não é sobre o vestido! - estouro com ela, de um jeito que nunca aconteceu antes - É sobre mim. Estou tentando deixar o ensino médio para trás, mas você continua me arrastando de volta! Sou praticamente uma pessoa diferente de quando você me deixou aqui e isso te assusta. Claro que você não quer que eu namora Cora, porque significa que tem uma pessoa na minha vida mais importante do que você - minha mãe se encolhe, os olhos dela parecem marejados, mas faz tempo que precisava dizer isso para ela - Quando estou com você, sinto que volto a ser aquela que pessoa que não quero mais ser. Sabe aquilo que aconteceu na praça de alimentação, quando foi grossa com o rapaz?
- Não fui grossa, Camila. Eu–
- Sim, você foi. Isso me faz me sentir mais desconfortável ainda na minha própria pele. Eu te amo, mãe, mas não quero que seja minha única amiga. Não quero odiar meus traços latinos igual você. Não quero mais odiar quem eu sou, não quero me sentir sufocada pela minha ansiedade pelo resto da vida. Estou cansada de não deixar ninguém se aproximar por sentir que não sou boa o suficiente. Estou cansada de me colocar em um molde por morrer de medo das pessoas me verem.
Respiro para recuperar o fôlego e volto a olhar para a janela. Não consigo suportar o olhar que sei que ela deve estar me dando agora. O olhar de que tem um estranho sentado no carro. Nunca tinha falado assim com ela antes.
Espero ela argumentar comigo, tentar me convencer que preciso dela e ela de mim, mas nada disso acontece.
- Me desculpa - a voz dela é baixa.
Me viro para descobrir que ela não está olhando para mim como se eu fosse uma estranha. Ela está olhando como se a pessoa que ela mais amasse no mundo, tivesse partido seu coração, o que é bem pior.
- Me desculpa por ter te segurado demais. Me desculpa que meus problemas afetaram você. Nunca quis ser o tipo de mãe que faça com que você não se sinta suficiente ou que te atrasa de alguma maneira. Isso nunca foi minha intenção, Camila. Te prometo. Eu quero que você tome suas próprias decisões, faça o que quiser, namore quem quiser e tenha sua própria vida. Mas ainda sou sua mãe e vou te dizer quando estiver errada e você está errada sobre uma coisa.
Ela ergue a sobrancelha, como se pedisse permissão e eu aceno com a cabeça.
- Eu acho você incrível e não acho isso porque você mudou nesse último mês. Sempre achei isso. Acho que você pode fazer tudo que quiser nessa vida - ela se ajeita no banco para ficar de frente para mim e olha nos meus olhos, pisco para segurar as lágrimas e ela continua - E você deveria estar com alguém que concorda comigo e te vê da mesma maneira. Só não se contente com menos do que você quer. Essa é a minha única preocupação, porque você merece o melhor Camila. Você merecia antes de vir para cá e merece agora. Você deveria estar com alguém que te deixe confortável para ser você mesma. Alguém que você não precise se esforçar tanto para impressionar - ela olha para o vestido vermelho no meu colo.
- É só um vestido - respondo.
- Contanto que seja somente isso.
- E é - falo para ela, tentando me convencer também.
Ela respira fundo e olha para a janela.
- Eu sei que meu relacionamento com a minha cultura é ferrado, mas não consigo apertar um botão e fazer tudo ficar bem, não por tudo que passei. Eu tentei.
- Eu sei - respondo reconhecendo que nunca vou entender completamente tudo que ela passou.
- Mas vou continuar tentando. Não quero que você tenha os meus problemas. Não quero que sinta vergonha de nenhuma parte se quer de você mesma
Ela vira e me olha, dou um sorriso para ela e pego em sua mão.
- Me desculpa por ter te ignorado. Você não merecia isso.
- Que tal eu parar com as ligações e você me encontrar para almoçar em algumas semanas para me contar sobre a festa de gala… ou qualquer outra coisa que queira me contar e por favor convide Cora. Eu, de coração, gostaria de conhecê-la melhor.
- Parece bom - respondo. Quando começo a pegar minhas coisas para sair, a mão dela alcança gentilmente a minha bochecha.
- Ei - toda tensão que estava no meu corpo vai se dissipando - Não importa o que eu ou qualquer outra pessoa pense. Só siga seu coração.
A mão dela volta para o próprio colo.
Aceno com a cabeça e abro a porta.
- Obrigada pelo vestido e pelo almoço. Te amo.
- Também te amo. Vejo vocês em algumas semanas.
Dou um sorriso para ela antes de atravessar a rua para o pátio.
Me sinto muito mais leve, como se finalmente as coisas estivesse se resolvendo, mas nem tudo.
Isso deveria ser simples.
Se eu gosto dela, é isso que importa.
E eu gosto de Cora.
Tenho tudo que sonhei pelos últimos quatro anos.
Então porque parece que estou me contentando com pouco.

She Gets the GirlWhere stories live. Discover now