XXXI

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Lauren

Tento não derramar minha bebida enquanto procuro Camila, finalmente vejo ela encostada em uma parede preta perto dos banheiros.
- Cara, o que você tá fazendo? - pergunto apontando com o dedo o canto do bar onde deixamos Cora e Natalie - Você não pode deixar seu date sozinho. Será que eu não te ensi–
- Eu não gosto dela - Camila fala, me cortando no meio da frase.
O rosto dela está sério.
- Cora? Como assim você não gosta dela? - pergunto imaginando o rumo dessa conversa. Elas flertaram durante todo o set da banda.
- Não. Natalie.
Olho incrédula para ela.
- O que? Você nem conhece ela.
Ela se aproxima, nenhum sinal da típica timidez.
- Conheço o suficiente para saber que você merece melhor do que isso. Muito melhor.
- Do que você tá falando?
- Não gosto do jeito que ela te trata - Camila fala, cruzando os braços.
Balanço a cabeça e dou uma risada, mesmo que isso não seja nada engraçado.
Um flash de Natalie me ignorando nas últimas semanas passa pela minha cabeça, mas empurro esses pensamentos para longe. Preciso ser firme. Não vou correr dessa vez.
- Bom, se o último mês me ensinou algo, é que você não sabe merda nenhuma de relacionamentos, Camila - dou um passo para frente e olho ela de cima a baixo - Você não consegue nem convidar uma garota para sair sem um tutorial detalhado.
Camila se contrai, mas não desiste.
- Eu sei como um relacionamento saudável se parece, Lauren, mesmo nunca tendo um. E não é isso.
- Desculpa, mas nem todos nós fomos criados em uma família perfeitinha, em uma casa com cercas brancas, dois filhos e Sinuhe como mãe - olho para ela e vejo que suas mãos estão fechadas em punho - Por que você se importa? Já conseguiu sua garota dos sonhos.
Os punhos dela se fecham mais e a mandíbula parece travar em frustração.
- Porque estou tentando te ajudar, Lauren, mesmo que você tenha me ignorado a noite inteira. Você é minha—
Não deixo ela terminar. Não quero ouvir ela falar a palavra “amiga”... por muitos motivos.
- Acho que já deu de nos ajudarmos, não acha? Você tem Cora, Natalie está de volta. O plano acabou, se é que realmente tinha um. Você sabe que inventei os passos, já que você precisava tanto deles. Quem liga para o passo cinco? - faço um gesto entre nós duas - Não precisamos mais fazer isso.
E então as palavras saem da minha boca antes que eu consiga para-las.
- Não precisamos mais fingir que nos importamos uma com a outra.
E instantaneamente as vejo atingir Camila.
E é ainda pior do que eu poderia ter imaginado, assistir o pedacinho do coração de Camila, em que eu tinha achado um lar nesse último mês, ser completamente despedaçado.
Ela dá um passo para trás, acidentalmente batendo na parede, os olhos cheios de lágrimas.
Olho para o meu tênis e fecho meus olhos com força enquanto ela passa por mim em direção ao bar.
- Parabéns, Lauren - sussurro para mim mesma e chuto a parede.
Me viro para ver ela pegando na mão de Cora, as duas saem pela porta, para a noite, para o felizes para sempre delas.
Em um único gole termino a minha bebida, então meus olhos encontram com os de Natalie do outro lado do salão, o meu final feliz, que não vou sabotar dessa vez, bem na minha frente. Coloco o copo vazio no balcão do bar e vou em sua direção.

 

- Não consigo abrir - Natalie ri, ela tropeça em mim, a chave do quarto caindo da mão dela para o chão de carpete do hotel.
Pego a chave e abro a porta.
- Consegui! - falo para ela que começa a rir mais alto.
Passei faz tempo do meu limite de dois drinks e nós duas sabemos disso.
A porta do quarto ainda está se fechando quando os lábios dela se encontram com o meu , nossos corpos se colam, os dedos dela passam pelos meus cabelos. Tudo isso com um desespero que faz com que eu me sinta…
Desejada.
Como se nenhum tempo tivesse passado. Sem brigas. Sem distância. Sem Camila.
O rosto dela vem na minha mente, mas tiro rapidamente e foco na camiseta de Natalie sob o meus dedos. Tiro a camiseta dela e nossos olhos se encontram, as mãos dela agarram o meu pescoço e me empurram para trás, tiramos os sapatos e caímos na cama gigante do quarto.
Ela está com o cheiro do cigarro mentolado que fumou no caminho. E mesmo não querendo, não consigo não pensar no do cheiro suave do perfume florar de Camila, na diferença.
As mãos de Natalie percorrem meu corpo, os dedos ágeis desabotoando minha calça…
- Para - falo.
Nós duas congelamos em surpresa.
Ela se afasta e me olha surpresa.
Me afasto dela e me sento, arrumo os cabelos emaranhados.
- Eu não sei. Sinto que devíamos conversar.
Natalie ri e ergue as sobrancelhas.
- Lauren Jauregui quer conversar?
- Sim, sabe, o último mês foi meio que…
Ela beija meu pescoço, não está me escutando. Quero contar a ela sobre o plano. Sobre minha mãe. Sobre trabalhar no food truck com Jum.
Quero que dessa vez seja diferente.
- Natalie. Estou falando sério.
Ela para, resmunga enquanto sai de cima de mim, sai da cama e se levanta, cruzando os braços sobre o peito.
- O que, Lauren?
- Como assim o que? - falo - Isso era o que você queria. Você queria que eu fosse honesta com você. E aberta. E estou aqui tentando e você nem está me escutando.
- Sim, mas não precisa ser agora - ela se aproxima e pega na barra da minha camiseta - Sabe, faz um mês que não te vejo.
Mordo meu lábio.
- Mas e o que eu quero? E se eu quiser conversar agora?
Natalie revira os olhos.
- O que? Quer conversar sobre como aquela garota Camila tomou meu lugar? Ou quer ficar reclamando do alcoolismo da sua mãe? Fala sério Lauren, se abrir não é algo que você consegue fazer.
Fico atordoada, as palavras dela parecem um tapa na minha cara.
Como se meus piores medos tivessem se concretizado.
Mas… eu me abri com alguém. Na biblioteca, em um quarto de dormitório pequeno não muito longe daqui.
E…de uma só vez eu vejo a verdade. Ela nunca quis me escutar. Nunca esteve lá por mim. Ela só queria me controlar.
Isso não é amor.
Tantas brigas. A falta de confiança. Sentir que estou pisando em ovos ou sempre encrencada. Ser manipulada de novo e de novo, nunca saber o que ela realmente quer de mim.
Tudo isso me lembra…meus pais. O que eu pensava que era normal. Que se eu abaixasse a cabeça e seguisse em frente tudo ficaria bem.
Que conseguiríamos funcionar.
Mas amor não é algo que você só leva para frente.
Quando eu penso em amor, sobre o que eu realmente quero, sei lá no fundo que não é isso.
- Eu… - respiro fundo - Natalie, você querendo ou não, sempre me pediu para ser honesta com você. Te dizer como me sinto - falo, sabendo o que preciso fazer - E sinto que finalmente consigo ser - olho nos olhos dela e balanço a cabeça - Eu não quero isso.
Natalie dá um longo suspiro frustrado, amarrando o cabelo em um coque enquanto fala.
- Deixa eu adivinhar. Eu estava certa e isso é sobre Camila?
Penso na mão dela na minha, enquanto corríamos pela biblioteca. Andando em círculos depois de tomar sorvete. Quando ela colocou o cachecol dela no meu pescoço. O sorriso dela toda vez que me segurava e deixava em segurança no rinque de patins, sempre que percebia que eu estava prestes a cair. O momento em que estávamos sentadas entres as prateleiras de livro, a eletricidade inegável.
- Sou louca por ela - admito. Para ela e para mim.
Se olhares matassem, eu estaria estirada no chão nesse momento.
- Mas não é só sobre isso. É sobre o jeito que você me trata. Me dizendo para virar a esquerda e ficando brava que não virei para direita. Me fazendo sentir como se não fosse boa o suficiente. Como se estivesse fazendo um favor ao se importar comigo. - balanço a cabeça - Eu sumi uma vez porque eu estava assustada e com medo, e sim foi uma atitude merda minha, mas você faz isso o tempo todo, Natalie. Como se eu sempre estivesse fazendo algo errado.
Natalie pigarreia e um sorriso sinistro surge no rosto dela.
- E o que? Você acha que vai ser melhor com outra pessoa?
Dou de ombros.
- Não sei. Só sei que quero estar com alguém que eu me sinto confortável. Quero saber que tenho alguém para falar sobre a minha vida, meus problemas e… não sei! Falar sobre trocar minha graduação para Literatura. E eu não tenho isso. Nós não temos isso.
- Isso é tão típico. Fugir e se fechar porque você não consegue lidar com nada real.
Balanço a cabeça. Antes dessa noite eu teria acreditado nela. Mas não mais.
- Não…estou correndo de nada. Estou correndo para algo. Essa é a realidade. Nada do que você me disse foi real.
- Lauren - ela fala colocando as mãos nos meus ombros - Fala sério. Isso é baboseira e você sabe. Ninguém te conhece como eu te conheço. Conheço o bom e o ruim. Você de verdade. Conheço sua história. Sei que, no fim do dia, você é só uma garota fodida e eu estive com você pelos últimos seis meses apesar de tudo, apesar dos flertes e das mentiras. Apesar de todas as coisas com a sua mãe. Por que você vai jogar isso fora agora?
Olho para o quarto. Meu tênis jogado perto da porta. A camiseta de Natalie no chão. Natalie me olhando como… se eu não valesse nada.
E aí está a resposta que eu não sabia que estava procurando. Por que eu não seguir dizer “eu te amo” aquela noite. Por que nunca tive certeza.
Ela não era para mim.
Me levanto e tiro as mãos dela dos meus ombros.
- Talvez eu não conseguia me abrir com você porque você não vale a pena.
Os olhos dela se arregalam quando dou um passo para frente, estamos cara a cara.
- Talvez eu não mereça uma garota como Camila - falo com a tom baixo - Mas eu sei que mereço mais que isso.
E com isso enfio meus pés nos sapatos e saio pela porta, batendo ela atrás de mim, exatamente como fiz na última vez.
Só que dessa vez, me sinto bem.
Dessa vez parece certo.

She Gets the GirlWhere stories live. Discover now