II

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Camila

Oof.
Eu acordo com dificuldade para respirar, porque meu cachorro, um labrador senhorzinho, decidiu deitar em cima de mim.
- Joey!
Droga. Ele só escuta meu pai e começa com uma sessão de lambidas e pisões em cima de mim, até que ele se cansa e desce. Eu não vou sentir falta de acordar assim. Pego meu celular na mesa de cabeceira ao lado e a primeira coisa que faço é abrir o Twitter de Cora Myers, com todo cuidado claro, para não seguir ou curtir alguma coisa acidentalmente. Hoje fazem três meses que nos formamos no ensino médio e há 87 dias que não a vejo. E não é como se eu estivesse seguindo-a, nós só, por acaso, acabamos por escolher a mesma faculdade, mas metade da minha escola sempre acaba indo para a Pitt. Então só aconteceu.
E se você me perguntar eu diria que é o destino, como se o universo finalmente estivesse me recompensando depois de quatro terríveis anos de ensino médio. Já tentei ocupar minha mente com outras coisas nesse verão, mas quando você conhece uma garota como a Cora Meyers, se torna impossível pensar em outra coisa.
Bom, conhece é uma palavra forte, mas não consigo parar de pensar nela desde a oitava série, a energia dela é eletrizante e envolve todos ao redor e ela era sempre ela mesma, independente de quem estivesse por perto. E parecia que ela conseguia falar sobre qualquer assunto, com qualquer pessoa. Não que ela já tenha falado comigo, mas há duas carteiras de distância eu consigo ouvir bastante coisa.
Não é como se eu não quisesse falar com ela, só tenho dificuldade de fazer amigos e de me abrir, mas esse ano não preciso ser a Camila Cabello quieta e com ansiedade social, esses anos as coisas podem ser diferentes. Faculdade, um novo começo, uma chance de me reescrever.
Escuto um estrondo vindo do andar de baixo, alguma caixa deve ter caído. Mãe. Já disse um milhão de vezes que tudo que preciso já está no carro, mas ela ainda continua empacotando tranqueiras pra eu levar. Se eu não descer, logo a casa inteira estará empacotada e dentro do carro.
Pulo da cama e desço, assim que entro na cozinha dou de cara com a minha mãe voando de um lado para o outro, abrindo e fechando gavetas e armários, tão distraída que não me vê chegando. Meu pai está sentado na mesa, lendo o jornal.
- Que bom que está de pé! Achei que teriamos que ir lá, rolar você da cama.
- Ei! São apenas 08h30 - eu respondo fazendo uma careta.
- Camila! - Minha mãe finalmente percebe que estou no cômodo, larga o que está segurando e vem em minha direção e me da um abraço apertado. Parece que estou indo para guerra, não para a faculdade.
Quando ela me solta começo a andar pela cozinha, fechando algumas gavetas.
- O que está fazendo?
- Eu já disse pra ela que não precisa - meu pai interfere.
- Ah Alejandro, continua lendo seu jornal - ela responde - Estou só pegando as últimas coisas pra você levar. Acho que só preciso achar um espanador.
- Eu não preciso de um espanador mãe.
- Todo mundo precisa de um espanador Camila.
- Mas o que vou fazer um espanador na faculdade? - Pergunto tentando trazer um pouco de lógica para essa conversa.
Olho para a caixa que ela está empacotando, papel alumínio, uma espátula, dois abridores de lata, uma frigideira.
- Mãe, eu não preciso dessas coisas - Encosto a mão no ombro dela.
- Mas e se você precisar? E não tiver? Que tipo de mãe eu seria?
- Eu vou me virar
Pego nas mãos dela e a viro pra mim.
- Mãe, eu vou ficar bem.
Abraço ela, que começa a chorar. Sei que vai parecer estranho, mas minha mãe é minha melhor amiga. Acho que a única amiga que eu tenho.
- Mila, precisamos sair em meia hora, ou sua Sinuhe vai acabar se empacotando em uma das caixas.

Uma hora mais tarde, meu pai estava dirigindo meu carro e eu estava com minha mãe no carro deles. E já estava me arrependendo, ela passou o caminho inteiro apontando lugares familiares, como minha antiga escola, a pista de skate que eu passava as tardes com meu irmão Nicolas. Depois do que pareceu uma eternidade chegamos no campus, que está cheio de carros com os porta-malas abertos, móveis nas calçadas.
Vi uma garota usando um moletom do time de futebol da Pitt, os Panthers, perder a calma enquanto um carrinho de mudança bate em um carro estacionado. Por precaução peço para o meu pai ficar junto aos carros.
Quando entro no pátio aberto do campus com a minha mãe, um cara com o cabelo tigelinha vem me cumprimentar.
- Oi! Seja bem-vinda a Pitt!
O rapaz nos guia até uma mesa e lá entrego todos os documentos necessários. Pouco tempo depois ele me entrega uma eco-bag de boas-vindas e minha carteirinha de estudante.
- Como ela descobre que é a colega de quarto dela? - Minha mãe pergunta se aproximando da mesa.
- Ah, ela devia ter recebido um e-mail meses atrás.
- Não é possível, eu checo meus e-mails todos os dias, não tem como eu não ter visto - começo a me sentir mal. Não posso ser a aluna excluída logo no primeiro dia. Pego meu celular e começo a vasculhar meu e-mail.
- Não tem algum lugar que você possa olhar rapaz? Ela não recebeu e-mail. - Minha mãe interrompe. Como eu queria que pelo menos uma vez ela me deixasse resolver as coisas.
- Mãe está tudo bem, daqui a pouco eu resolvo. Além do mais, Nicolas está a caminho né?
Agradeço o rapaz e levo minha mãe dali.
- Ah sim, ele disse que viria de bike até aqui e nos encontraria no pátio.
Olho para os quatro prédios de dormitórios que tem no pátio e lá está ele. Holland Hall.
- Mãe estou vou olhar meu quarto e já volto, fique aqui para esperar Nicolas- digo antes que ela resolva ir comigo.
Bom, não tinha recebido o e-mail confirmando o nome e as informações da minha colega de quarto, então nada melhor do que ir até lá e ver se ela já se instalou e me apresentar. O elevador tinha fila então decidi subir andando os 5 lances de escadas. Chegando na porta paro e respiro. “Camila você consegue, tudo que você precisa fazer é chegar e se apresentar”.
Respirei e abri a porta, mas o que vi fez meu estômago doer.
- Isso deve ser brincadeira
Olho o quarto, uma cama, uma mesa. Essa foi minha última escolha, nos formulários pedi especificamente por qualquer coisa menos isso. Já vai ser difícil fazer amigos, ainda mais morando numa cela solitária, entro no quarto e escuto garotas no corredor conversando com suas novas colegas de quarto, combinando onde deviam ir e o que deviam fazer.
- Ei, Mila, onde você quer que eu coloque essas coisas?
Olho para porta e vejo um par de pernas, de alguém que segurava uma grande pilha de caixas.
- Oi Nic, você sabe que tem carrinhos para isso né?
Ele solta as caixas no chão e tira um segundo para respirar, com as mãos sobre os joelhos.
- Mas eu tenho dois carrinhos perfeitos aqui - Ele diz, batendo nos braços - Além disso, para que servem irmãos? - Ele dá um sorriso e vem me abraçar.
- Vem Alejandro, é por aqui! - a voz da minha mãe ecoa no corredor e em pouco tempo meus pais aparecem na porta do quarto com um carrinho cheio.
- Eles te colocaram em um quarto de solteiro - o sorriso da minha mãe se fecha em uma expressão séria.
- Sortuda né? Eu mataria por um dessa na faculdade - Nic responde.
- É, isso é muito bom Mila. Você tem seu próprio canto - comenta meu pai.
Encontro olhos de minha mãe, a única pessoa que entendia o que aquilo significava pra mim. A única pessoa que entendi que essa era a minha primeira chance de construir uma vida social na faculdade. Desvio o olhar antes que ela resolva dizer algo para me confortar.

Nicolas e meu pai trazem o restante das coisas, enquanto eu e minha mãe vamos organizando as coisas em seu lugar. Tento não pensar em como estava ansiosa para dividir o quarto. Nas noites em que passaríamos fofocando sobre nossas vidas, idas a restaurantes e em como era pra eu estar arrumando esse quarto com uma colega.
- Eu estava pensando - minha mãe fala enquanto está sentada no chão redobrando algumas camisetas - Você devia pedir comida e convidar algumas meninas do andar para se conhecerem.
- Elas estão ocupadas, conhecendo suas colegas de quarto e eu não saberia quem convidar.
- E que tal a Cora? - ela me cutuca brincando - Vai que ela está livre.
- Podemos não falar sobre isso agora? Vamos terminar aqui.
- Por que você não manda uma mensagem pra ela? Vê se ela não quer sair hoje.
- Mãe - eu bem nos olhos dela - Eu não posso simplesmente chamar ela pra sair, tá bom? - pego meu celular e finjo que estou mandando uma mensagem - Oi, Cora! Você não sabe quem eu sou, eu nem tenho seu número, mas fizemos o ensino médio na mesma escola e eu sou praticamente apaixonada por você!
- E por que você não pode fazer isso? - ela começa a dar risadinhas
- Meu deus - eu dou um empurrão de leve nela - Você me deixa maluca!
- Estou só tentando te ajudar mija, você sabe disso né? - Ela pergunta e eu concordo - Ok, se é um não para a Cora, o que acha de eu voltar aqui amanhã e irmos às compras ou sairmos pra almoçar?
- Mãe… - eu paro para organizar meus pensamentos, não quero magoá-la - Eu preciso que a faculdade seja diferente, tudo bem? E vai ser bem difícil eu me descobrir com você vindo aqui sempre, não sei se vou conseguir fazer amigos, mas preciso que esses quatro anos sejam diferentes do ensino médio.
Ela parece meio magoada, meio culpada.
- Eu sei, me desculpa, vou te dar seu espaço.
Eu olho para ela, desacreditada de que ela conseguiria fazer isso. Como se lesse meus pensamentos ela me fala:
- Eu prometo, pelo menos por um tempinho.
Meu pai e Nicolas aparecem na porta.
- Acho que isso é tudo. O que você acha Sinuhe?
O dia passou rápido. Dou um abraço nos meus pais que vão voltar para a estrada. Meu irmão antes de ir me avisa.
- Ei que bom que você está na cidade, sempre que quiser sair, me liga - ainda bem que meu irmão mora perto, ele me abraça - e Mila? Lembre-se uma porta aberta pode ser um começo.
Então ele deixa a porta do quarto aberta antes de sair.

She Gets the GirlOnde histórias criam vida. Descubra agora