XXVIII

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Camila


Mesmo que já esteja tarde quando voltamos para Pitt.
Mesmo que eu esteja completamente exausta.
Mesmo que meus tornozelos estejam doendo depois de patinar por duas horas.
Ainda não estou pronta para dar boa noite e me despedir.
Ao invés de deixar Lauren na porta de seu apartamento, estaciono no campus, perto da Catedral, onde é tranquilo, longe dos barulhos dos bares e festas.
- Boa. Fazer o date durar um pouco mais - Lauren fala olhando para mim enquanto solta seu cinto de segurança.
- Sim. Claro - respondo, tentando agir como se eu soubesse o que estou fazendo.
Saímos do carro e começamos a andar pela calçada, encostando os ombros casualmente. Lauren está estranhamente calada desde que voltei com um saco de gelo na pista de patins.
- Você está bem?
- Sim. Estou bem - ela responde e depois suspira. Ela não parece bem.
Depois de alguns minutos de silêncio, escuto a risada dela, quando olho a vejo balançando a cabeça para si mesma.
- Está pensando no limbo? - pergunto com um sorriso.
- Em tudo - ela responde e começamos a rir sobre tudo que aconteceu essa noite - Acho que é a primeira vez que aqui começa a parecer como uma casa - Lauren fala depois de recuperar o fôlego.
- Eu sei o que quer dizer - respondo.
Tem algo sobre essa noite…
É tudo que torci para que a universidade fosse, mas nunca acreditei que conseguiria depois de abrir a porta e ver meu quarto de solteiro.
É tudo que eu esperava, mas de algum jeito ainda mais.
Essa é uma noite que eu definitivamente vou me lembrar. Lauren, também, ainda mais se aquela marca na testa dela deixar alguma cicatriz.
- Acho que nunca me senti em casa… em lugar nenhum. É bom - ela fala e um nó se forma na minha garganta ao pensar que ela nunca se sentiu em casa, na própria casa.
- Fico feliz - respondo.
O vento gelado me dá arrepios, então desamarro a camisa da cintura e visto, deixando a frente aberta.
Lauren vira à esquerda, nos afastando ainda mais do seu apartamento e em direção ao Schenley Parque.
- Vem aqui - ela fala, a voz dela soa cansada. Ela pega na minha mão e me leva até os degraus de concreto da biblioteca Carnegie.
Não pergunto o que vamos fazer lá tão perto da hora de fechar e em um domingo. Só deixo ela me levar escadas acima, estou aprendendo que coisas boas acontecem quando me deixo levar.
Ela solta minha mão quando entramos no prédio. É estranho não segura a mão dela depois de tanto tempo patinando de mãos dadas. Sigo ela pelo andar principal, subimos dois lances de escadas até o último andar, onde nunca estive. Não tem uma única pessoa aqui com a gente e estou prestes a perguntar o que estamos fazendo aqui, então ela finalmente para no meio de um corredor e vira para me olhar.
- Está escutando isso? - ela pergunta, o peito dela arfava sob a luz fosforescente.
- Não estou escutando nada - balanço a cabeça.
- Exatamente. Só silêncio - ela fala e fecha os olhos, sentando no chão e se encostando nas prateleiras.
Dou um passo para frente e me sento ao lado dela, abraçando meus joelhos. Enquanto estamos sentadas aqui no silêncio, sinto a urgência de falar algo que estou pensando faz um tempo já.
Não tenho certeza se quero. Não quero que ela se sinta estranha, mas sentada aqui, é a única coisa no meu coração. Por mais que eu esteja animada em fazer isso com Cora, esse date teste…significou algo diferente para mim.
E quero que ela saiba.
- Lauren? - falo, olhando para as prateleiras de livros na nossa frente.
- Sim? - ela responde gentilmente.
- Quero te falar uma coisa, mas não ri. Okay?
- Okay - ela sussurra.
Respiro fundo, minha boca está seca.
- Você me deixa maluca, mas… é a melhor amiga que já tive - conto para ela com a voz trêmula.
Ela não fala nada, mas com a minha visão periférica vejo o jeito que ela me olha, o que já diz tudo. Ela desliza o pé dela até encostar no meu e ficamos quietas por um bom tempo, até ela limpar a garganta.
- Eu nunca, uh… trouxe alguém aqui ante…
- Na biblioteca? - pergunto e olho para ela.
- Não, Camila - ela dá uma risada - Só me deixa… - ela gesticula como se fosse falar algo, mas não soubesse como dizer.
- Ah, desculpa - sussurro e espero ela continuar.
- Quando eu era mais nova, meu pais brigavam muito, então eu ia até a biblioteca e sentava no chão, escondida entre fileiras e fileiras de livros, e eu só lia. Não tinha gritaria, coisas quebrando. Era quieto - ela fecha os olhos e me ajeito, torcendo para não interromper, com medo de que ela pare de falar. - Quando entrei no ensino médio, a bebedeira da minha mãe estava… Nem consigo... - ela balança a cabeça, decidindo continuar - Ela não nos ouvia, não buscava ajuda. E quando pensei que as coisas não podiam piorar, quando minha mãe passava todos os fins de semana desmaiada no sofá e não tínhamos dinheiro para comida, meu pai só…
Vejo os olhos dela se encherem de lágrimas, a boca tentando terminar a frase.
- Me abandonou, Me deixou lá para sobreviver com o que restou - ela dá de ombros - E eu fiz isso, mas só foi ficando pior, e meu Deus, eu sinto como se a minha vida inteira fosse só tentar sobreviver. Com tudo. Minha mãe. Dinheiro. Meus relacionamentos. - ela pausa e me olha nos olhos desde a primeira vez que começou a falar. - Não quero viver assim a vida inteira.
Nunca quis tanto fazer alguém se sentir bem.
- Lauren, você não precisa - digo para ela com o máximo de confiança que tenho.
- Você parece tão segura. Como se eu pudesse mudar minha graduação para Literatura, passaríamos os próximos quatro anos tomando sorvete e andando por aí, fazendo perguntas estúpidas e de que de algum jeito tudo não desmoronaria.
- Não vai desmoronar - digo, meu peito dói por ela - Se tem uma coisa que eu aprendi Lauren, é que sua vida não precisa ser igual a dos seus pais. E você não precisa se formar em algo que nem gosta só porque tem medo disso. Algumas coisas desmoronam porque não eram para ser, mas quando as coisas se pertencem, não tem nada que quebra isso.
- Esse tipo de coisa só parece possível quando estou com você - ela fala com os olhos focados no carpete - Nunca conheci alguém como você.
- O que, esquisita? Ansiosa? Socialmente inapta? - pergunto tentando ajudar a terminar a frase.
- Boa. Você é…boa - ela responde e me olha - Cora vai ser sortuda por te ter.
E de repente sinto a vontade de fazer a mesma pergunta que fiz quando concordamos com o plano. Eu sei o motivo original, mas as coisas parecem diferentes agora. Diferente de um jeito que não consigo colocar em palavras.
- Por que você está fazendo isso?
Lauren ri e depois fica em silêncio, como se estivesse tentando descobrir o motivo antes de me dizer.
- Eu… - ela respira fundo - Eu quero provar para mim mesma que eu posso ser boa também. Quero ser alguém em que se pode confiar. Quero ser alguém que consegue se abrir.
Ela volta a me olhar e nossos olhos ficam no mesmo nível quando o ela relaxa o corpo.
- Você tem sido bem aberta comigo - falo para ela, notando pela primeira vez as manchas mais claras nos olhos verdes dela.
- É diferente com você - ela fala suavemente, deixando a cabeça se inclinar imperceptivelmente na minha direção.
Mas eu percebo.
O ar entre nós é intoxicante.
Quase como se fosse eletricidade.
- Se isso fosse o encontro real - Lauren sussurra - essa seria a hora do beijo.
O ar fica preso na minha garganta, a dor no meu tornozelo some, agora substituído por uma dor no meu peito.
Não sei dizer se isso está acontecendo de verdade ou se só parece que sim, mas é como se o espaço entre nós estivesse diminuindo, até que…
Uma mensagem chega no meu celular, o barulho faz com que nos afastemos.
Pego meu celular.
- É Cora - falo e por alguma razão quase me sinto culpada, mas então o que eu leio me tira dos eixos - Meu Deus. Ela quer jantar comigo na sexta-feira. Estudar junto e depois jantar comigo, na sexta.
Viro meu celular para Lauren, que o pega rapidamente.
- Ela está me convidando para um encontro, certo? É isso que está acontecendo aqui? - pergunto.
- Uh - ela segura o celular mais perto - Sim. Definitivamente um encontro. Acho que você pode oficialmente pular o passo três.
Puta merda. Finalmente vou em um encontro com Cora Meyers.
Mas…não me sinto tão animada quanto imaginei que estaria. Eu tento me convencer que é porque estudar e jantar não tem o mesmo fator diversão que andar de patins e que não tem nada a ver com…
- Espera, sexta? - Lauren devolve meu celular - É dia 30 de Setembro. Mesmo dia que o show de Natalie. É perfeito. Ela pode ver tudo em primeira mão, você, Cora, com a minha ajuda. Você devia convidar ela para ir! E se você precisar de mim estarei lá já. A gente pode fazer tipo… um encontro duplo - ela fala.
Olho para ela por um momento, tentando decidir se é isso que eu quero. Não tenho certeza sobre o que acabou de acontecer entre nós, mas estou sentindo coisas por Lauren Jauregui que eu nunca imaginei que sentiria. Eu não quero que seja estranho, mas… eu também não posso negar que preciso da ajuda dela no primeiro encontro, para não estragar tudo com Cora, já que não vamos patinar. E é a oportunidade perfeita para falar para Natalie o quanto ela me ajudou e tudo que ela fez. Devo a Lauren isso.
- Vai. Responde ela. Isso é tudo que você queria, não é? - Lauren joga a decisão para mim, mas não me olha nos olhos.
- Ah, certo. Sim, claro. - Então respondo Cora.
Jantar parece ótimo 😍Mas pensei em algo melhor. Você quer ir em um show comigo? Consigo te prometer um mar de pessoas suadas e refrigerante caro 😉😂
Mostro para Lauren e depois de uma pausa, ela aperta o botão de enviar para mim.
Cora responde rapidamente: SIM!!
Lauren está certa. Isso é tudo que eu sempre quis, tudo que nunca pensei que conseguiria. Não vou estragar tudo por causa de uma noite, um momento perdido em uma biblioteca com uma garota que eu não aguentaria por um mês. Uma garota que claramente está muito mais interessada em outra pessoa.
Então está decidido.
Sexta é o dia do passo quatro. Tenho um encontro de verdade. Meu primeiro encontro. Com Cora Meyers.
Só nós duas.
E Lauren.
E Natalie.
Perfeito.

She Gets the GirlOnde histórias criam vida. Descubra agora