VI

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Camila

Assim que entro vejo que o corredor está cheio de pessoas que eu nunca vi antes, começo a sentir minhas palmas suarem.
A vontade de sair correndo cresce, mas me lembro do meu plano.
Pegar um drink.
Fingir que estou me divertindo,
Encontrar Cora.
E depois, bom torcer para ela estar sozinha e procurando algum rosto conhecido também. Afinal, a universidade abriu ontem as acomodações para os calouros, não é possível que ela já tenha feito muitos amigos.
Continuo procurando pela multidão e noto um banheiro, bom saber onde tem um desses caso eu precise ficar só. Vou até a cozinha e pego um copo vermelho em uma pilha, olho para as opções: barril de cerveja, algumas garrafas de Askov, um fardo meio vazio de Mike’s Hard Lemonade, duas garrafas de vodka e algumas lata de coca.
Vou até o “bar” e me sirvo com uma lata de coca. Ninguém precisa saber que não tem álcool na minha bebida. Já estou dando um passo grande vindo a minha primeira festa, não acho que estou pronta para o meu primeiro drink também.
Saio da cozinha para a sala de jantar onde a mesa está sendo usada para um jogo de beer pong. Sempre escutei que a Cora era uma ótima jogadora, então parece um lugar bom para procurar por ela.
Encosto em uma parede e finjo estar entretida com os quatro caras na minha frente jogando bolinhas de um lado para o outro, tentando acertar os copos. O que me machuca por dentro, porque poderiam estar usando essas bolinhas para o que elas foram feitas, o lindo jogo de ping pong.
Olho para o garoto parado do meu lado e o rosto dele parece familiar.
- Oi - digo olhando para os olhos azuis de Jason Shober. O que é bem estranho já que nunca tinha falado uma palavra com ele, mas aqui, tão longe de casa, ver um rosto conhecido está me tranquilizando.
- Oi, prazer, Jason - ele se apresenta como se eu não tivesse sentado na frente dele por quatro anos nas aulas de história. Penso em dizer que sabia, mas engulo e apenas aceito o golpe de não ser lembrada.
- Camila.
Achei que não tinha como piorar, mas o pior aconteceu.
Assim que viro meu rosto para voltar a assistir o jogo, um borrão branco vem em minha direção.
Eu poderia desviar, poderia bloquear com as mãos, mas não faço nada disso e a sala inteira olha para mim enquanto uma bola de ping pong acerta minha testa e cai na minha coca. Um dos caras que estavam na mesa fala:
- Desculpa
Sinto meu rosto esquentar e tenho a certeza que estou mais vermelha do que o copo que estou segurando, a sala explode em comemorações enquanto outro rapaz vem em minha direção, pega o copo, tira a bolinha e vira todo o conteúdo de uma vez só.
- Isso é só coca?
Entro em pânico.
- Que? Não. É…  - Ele arrota e devolve o copo antes de eu conseguir pensar em uma desculpa. Não olho para ele e para mais ninguém da sala e vou direto ao banheiro que tinha visto mais cedo.
“Que merda hein Camila”. Passo os dedos no meu cabelo e tenho a certeza que deveria ter ficado em casa.
Estou em um lugar novo, rodeada de pessoas novas, mas a verdade é que eu não mudei nada. Menti esse tempo todo para mim mesma, achando que eu poderia ser uma pessoa diferente na faculdade, mas está ficando cada vez mais claro, que sempre vou ser a mesma Camila Cabello. Sem amigos, sem vida. Sem chance que a Cora vai um dia falar comigo, que dirá sair comigo.
Olho para o espelho e percebo que a maquiagem que passei nos olhos está um pouco borrada. Merda. Abro as gavetas e entre alguns sabonetes encontro uma bolsa pequena de maquiagem. Lavo o rosto até a marca preta de rímel borrado sair do meu rosto. Reaplico a maquiagem, mas meu rosto ainda parece um pouco borrado, então abro o pó que tinha na bolsa e passo em meu rosto.
Ai meu Deus.
Me olho no espelho e percebo que a dona da bolsa tem um tom de pele bem diferente do meu. Chego perto do espelho e fico horrorizada, minha pele está pálida como uma Geisha, tirando o fato que sou latina e nem tão bonita quanto uma.
Rapidamente lavo toda a maquiagem do rosto.
Talvez o universo esteja tentando me falar alguma coisa. Talvez algumas pessoas estejam sozinhas.
Pego o celular e ligo pra única pessoa no mundo que quero conversar agora.
- Oi mija - minha mãe responde e eu fecho os olhos - Como você está? como está a vida no dormitório? O que você anda fazendo?
- Oi mãe, estou bem. Só estou - dou uma risada e olho ao meu redor - Estou me escondendo em um banheiro de uma festa.
- Por que está se escondendo? - ela pergunta.
- Cora está aqui. Não acho que eu consigo, não consigo falar com ela. Não consigo nem ficar em uma sala sem passar vergonha.
- Mila
- Não quero mais estar aqui - sussurro no telefone.
- Me escuta, você só fala dessa garota e já faz muito tempo. Ela está logo aí, essa é a oportunidade perfeita!
- Ela não vai gostar de mim.
- Você precisa dar uma chance para ela, mija - As palavras de Nic voltam para a minha cabeça, talvez os dois estejam certos e outra não é como se Cora tivesse visto a situação com o beer pong. Ainda tenho chance de um novo começo com ela.
- Você está certa, mami. Te ligo mais tarde.
Desligo o celular, volto a me olhar no espelho e faço um novo plano. Vou encontrar ela e ao invés de esbarrar, vou andar até ela e perguntar sobre as aulas que ela fará esse ano e perguntar se ela vai fazer mais uma aula de ficção. E eu sei a resposta para essa pergunta, porque vi o cronograma de aulas que ela postou no Instagram, ela vai me dizer que sim, vou dizer que fiquei na fila de espera para entrar fazer essa aula e vamos conversar sobre nossos livros preferidos. É a conversa perfeita.
Alguém bate na porta.
- Um minuto! - grito.
Me sinto bem melhor sem maquiagem, pego a bolsa e guardo na gaveta, saio do banheiro e um garoto entra correndo e fecha a porta atrás dele. Com o coração batendo a mil por hora, vou até a cozinha, pego outro copo e me sirvo de coca de novo. Tomo cuidado para ninguém na mesa de beer pong me ver quando faço meu caminho de volta para o hall de entrada.
Algumas pessoas estão sentadas na escada, parece que o segundo andar não está fora dos limites, talvez Cora esteja lá. Subo as escadas, escuto risadas vindo do final do corredor, então vou até o último quarto à direita e dou uma olhada. Tem algumas pessoas na cama, umas duas do lado da janela e … perco o ar. Vejo ela sentada no chão vestindo a calça mais maneira que eu já vi.
Ela não mudou nada. Corte pixie, piercing no nariz e um sorriso que me leva para as nuvens.
Ela está perfeita.
Sinto a repentina vontade de vomitar, encosto na parede do corredor e respiro algumas vezes para me acalmar.
Preciso dar uma chance para ela gostar de mim.
Dou um gole na minha coca e entrou devagar no quarto, passo por uma pilha de livros e me aproximo, claro que ela está com um grupo de pessoas e nos meus planos, não tinha nenhum tópico de conversa para entrar em um grupo.
Olho para ela e vejo ela soltar uma risada enquanto aperta o braço de uma garota alta de cabelos pretos, que é, bem mais bonita que eu. Não poderíamos ser mais diferentes, ela está vestida de preto da cabeça aos pés, com anéis em quase todos os dedos. E parece que ela não está tendo problema nenhum para conversar com Cora.
Que golpe para minha confiança.
Mas então, a garota pega a bebida dela do chão e se senta contra uma cômoda, longe do alcance de Cora, talvez ela não queira ser tocada. Mas quem não ia querer ser tocada por Cora?
Estou tão perdida em meus pensamentos que não desvio o olhar e Cora deve ter percebido, pois ela se vira e os olhos dela encontraram os meus. Entro em pânico e encaro a pilha de livros que estava perto do meu pé.
- Ei, você estudava em Oak Park, né? - Escuto ela, mas não a olho. Ela poderia estar falando com qualquer um. - Camila, é você, não é?
ELA SABE O MEU NOME.
Isso me dá confiança para, bem devagar, olhar para ela, abro minha boca para responder, mas antes de conseguir ela pergunta de novo.
- É Camila né? - ela coloca as mãos sobre o rosto - Ai Deus, não me diga que eu errei, me desculpa - ela se desculpa e parece que meu coração vai explodir no meu peito.
Responde, Camila. RESPONDE.
- Não - limpo a garganta - Desculpa, quero dizer sim, é Camila.
Ela sorri para mim aliviada e os olhos dela parecem brilhar sob a luz do quarto. Como ela é bonita.
- Você escreveu aquela história na aula de literatura, certo? Sobre duas garotas que fogem juntas?
- É, eu - Ela. Lembra. Da. Minha. História - é fui eu. E você? Vai fazer alguma aula de escrita aqui? - Estou tão nervosa que que estou apertando o copo com mais força do que o necessário.
- Sim, decidi continuar - ela responde e depois gesticula para as duas amigas que estão no chão com ela. - Ei, nós vamos começar um jogo, quer participar?
- Okay - respondo, sentindo minha confiança aumentando, respiro fundo e sento ao lado de Cora.
- Essa é minha colega de quarto Ally Brooke - ela fala e aponta para uma garota de cabelos cacheados que usava óculos, que sorri para mim e acena - E essa é Lauren … - ela arrasta a última sílaba do nome e aponta para a garota de cabelos pretos.
- Jauregui - a garota completa.
Fico esperando alguém pegar um Monopoly, mas ao invés, as pessoas começam a conversar enquanto tomavam goles de suas bebidas. Tento muito adicionar algo a conversa, mas quando formulei a coisa perfeita para dizer, as pessoas já estavam em outro assunto.
Finalmente, Ally começa a nos dizer como ela e Cora deveriam ter ficado no dormitório do prédio Sutherland no lugar de Nordenberg. É a abertura perfeita para eu dizer que fiquei presa em um quarto sozinha, o que com sorte vai me ganhar um segundo convite para sair com elas, mas assim que abro a boca para falar, Lauren muda o assunto de novo.
Então fico sentada lá, com um sorriso preso no rosto e concordando e rindo com o que as pessoas estão falando, mas apesar de tudo estou aqui, em uma festa, conversando com Cora, ou ouvindo ela conversar.
- Bom, fazem tipo 20 minutos que Rosie saiu para procurar um baralho, acho que ela se perdeu na mesa de beer pong. O que podemos jogar? - Ally pergunta. E antes que eu possa sugerir um jogo
- Eu nunca? - Lauren sugere. Ah. Esse tipo de jogo. Claro que quer um jogo onde ela possa falar para todo mundo as coisas maneiras que ela já fez.
- Acha que pode ganhar de mim? - Cora pergunta para ela em um tom que me deixa com ciúmes. Quem é essa garota.
Lauren dá de ombros.
- Só um jeito de descobrir - ela levanta a mão, com os cinco dedos em pé.
O resto de nós segue o gesto, mas minha cabeça não está no jogo. Estou distraída demais pensando em quão perto a perna de Cora está da minha e torcendo para que ela olhe para mim do jeito que está olhando para Lauren.
Quando chega minha vez, tento pensar em algo que não seja sem graça e que não me envergonhe, basicamente nada relacionado a sexo, drogas e álcool, porque (surpresa) Camila Cabello nunca fez nada. E pelo que pude perceber das primeiras rodadas, as pessoas já fizeram … coisas, já tem alguns dedos abaixados no círculo e nenhum é meu.
- Uh, eu nunca … fumei um cigarro - eu digo porque todo mundo sabe que cigarros dão câncer e que não são legais. E claro, Lauren abaixa um dedo, mas nenhuma das outras pessoas abaixa. Um ponto para mim pelo menos.
Mais pessoas se juntaram e as rodadas vão ficando maiores. As pessoas vão ficando mais ousadas com as frases conforme a noite vai passando e ainda assim os dedos vão abaixando, o que me deixa mais nervosa, porque quando mais ousado, mais chances de eu ganhar esse jogo. E esse jogo eu sei que ganhar é perder.
E aparentemente eu sou boa, pois já ganhei três rodadas seguidas. Eu nunca fui em festas no ensino médio, mas tenho a impressão que deviam ser bem diferentes dessa. Aqui ninguém parece se importar com as coisas que nunca fiz, mas consigo sentir o olhar de Lauren em mim, enquanto ela toma outro gole da bebida dela.
- Eu nunca andei de moto - um rapaz com barba fala. Finalmente! Abaixo um dedo e tomo um gole da minha coca, Cora olha para mim e trocamos um sorriso.
- Você já? - Ela pergunta encostando o ombro no meu.
- Sim - sinto minhas bochechas corarem - Meu tio restaura Harleys antigas.
Ela me olha impressionada. Isso não poderia estar indo melhor.
Então chega a vez de Lauren.
Ela olha séria para mim. E pela primeira vez noto como seus olhos são muito verdes, quando ela dá um sorriso cínico para mim do outro lado da roda.
- Camila, quantos anos você tem? - Lauren pergunta.
- Dezoito - respondo, o suor se formando nas minhas costas enquanto espero a piada.
- Eu nunca fui virgem aos dezoito - ela fala. Eu perco o ar e olho para ela, tentando entender se ela realmente tinha falado isso. Ela está com a testa encostada nos joelhos, os ombros tremendo. Está segurando o riso.
Minha reação foi muito óbvia para tentar mentir. Não que alguém fosse acreditar. Abaixo um dedo, mas não parece uma vitória. Ergo o copo e bebo um gole, olho para Lauren e ela ergue a cabeça e dá um sorriso presunçoso.
Minha visão embaça e tomo outro gole para esconder.
Não chora. Não ouse chorar, Camila Cabello.
Engulo o choro e me forço a rir junto com eles. Todas as pessoas do círculo estão rindo de mim.
Todas. Menos uma.

Cora olha para Lauren.
- Isso não foi engraçado.
- Eles acharam bem engraçado - Lauren dá de ombros - Sua vez.
- Eu nunca comprei álcool ilegalmente para um desconhecido - Cora fala encarando Lauren, que ri e vira o resto de sua bebida para terminar o jogo.
- Vou buscar um refil - Ally comenta.
- Eu também - Lauren levanta para seguir ela. Finalmente. Mas então, Cora enrola o dedo no cadarço de Lauren.
- Pega para mim também? por favorzinhooo - mostrando o copo vazio - Acho que estou bêbada o suficiente para aguentar uma dose de vodka.
Lauren hesita, mas pega o copo.
- E você Camila? Quer alguma coisa? - ela me pergunta.
Nossa que consideração.
Balanço a cabeça.
- Estou de boa - Respiro fundo, as lágrimas finalmente pararam de tentar vir.
Quando elas saem do quarto, Cora se vira para mim.
- Você sabe que ela estava brincando, certo? Você não precisa ficar com vergonha.
Ela coloca uma mão sobre meu ombro. Cora estava checando se eu estava bem.
- Não estou com vergonha - tento dar uma risada - Foi engraçado pra caramba. - Sinto minha pele esquentar onde a mão dela está. Esperei tanto por isso, mas não desse jeito, não sendo uma pessoa patética que ela tem que confortar. - Acho que eu vou embora já
- Ah não, você devia ficar, sério - as palavras dela me fazem querer chorar também, mas por motivos completamente diferentes - Talvez quando elas voltarem, podemos procurar o baralho e jogar algum jogo de cartas.
Ela quer que eu fique.
- Ok. Provavelmente vai ser mais divertido do que ver a Lauren perder a noite inteira.
Me encosto no lugar ao lado ela e mal sabe ela, que se me pedisse, ficaria aqui a noite inteira.

She Gets the GirlWhere stories live. Discover now