IX

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Lauren

Desço as escadas da Catedral do Conhecimento, me esquivando dos estudantes, sorrio olhando meu “celular podre”, o número recém adicionado de Camila Cabello me encarando.
Vai ser fácil.
Ajudar Camila a ficar com Cora. Mostrar para Natalie que eu sou praticamente a Madre Teresa e não sou uma babaca emocionalmente indisponível com a inabilidade de me aproximar das pessoas. Ela fica com a garota. Eu reato com a minha. Todo mundo ganha.
Assoviando, volto a minha atenção para o que preciso fazer. Conseguir uma entrevista de emprego para eu conseguir pagar meu aluguel, já que gastei a reserva que eu tinha com os livros do semestre.
Olho ao redor. Árvores grandes. Uma fonte esquisita. Um parque cheio de estudantes.
Vou em direção ao parque. Meu celular começa a vibrar, olho a tela trincada para ver uma ligação da minha mãe. Ela nunca liga.
A não ser que tenha algo errado. E não tenho notícias dela desde ontem.
- Mãe? Está tudo bem?
- Laureeeeeen - ela fala de maneira arrastada - Como está a escola? Suas… aulas? São boas?
Tiro o celular do ouvido para checar as horas. Não são nem 10 da manhã. Nada aconteceu, mas algo ainda está errado.
Ela está completamente bêbada em uma manhã de segunda-feira. Ótimo.
Ainda prefiro acreditar, nem que seja por um segundo, que ela está ligando para perguntar como estou. Como se ela se interessasse em como estou e não em quando ela vai conseguir para o próximo drink.
- Sim, tive só uma até agora.
- Ah que legal.
Sei que não vão ter mais perguntas, então melhor terminar logo com isso.
- O que aconteceu, mãe? Por que está ligando?
Ela fica em silêncio por um logo momento.
- Escuta meu amor. Eu ia fazer as compras hoje a tarde, mas eu.. acho que o que eu tenho não compra mais do que leite e ovos.
Não compra uma garrafa de vodka, era o que eu queria responder, mas pressiono meus lábios e tiro um momento antes de responder.
- Você não precisa se preocupar com as contas. Eu deixei suas entregas por semana programadas. Tudo que é essencial.
Ela pausa, com certeza está pensando na próxima desculpa.
- Bom, talvez você pudesse me emprestar um pouco de dinheiro mesmo assim? Estava pensando em finalmente ir nesta semana atrás daquele trabalho na lanchonete, perto da estação de trem. Seria bom comprar algumas roupas novas antes de ir.
- Mãe, Eu— eu não sei - mudo o celular de orelha e começo a pensar nos meus gastos, sem tem algum valor sobrando - É que… eu te dei dinheiro semana passado e você… bom, você claramente não gasta com as coisas certas.
Eu praticamente posso sentir o cheiro do álcool pelo telefone.
Ela começa a chorar no telefone, sigo caminhando até me deparar com uma placa enorme escrito: Biblioteca Carnegie de Pittsburgh. Meus olhos correm da placa para um lindo prédio de pedra com portas intrincadas de madeira.
Ainda não entrei no prédio, mas já me sinto mais calma de pensar nas prateleiras cheias de livros e no silêncio.
- Lauren, dessa vez será diferente - ela fala entre o choro, sua voz me trazendo de volta para a ligação - Digo, achei que você queria que eu conseguisse um emprego. Não sei por que…
- Claro que eu quero. É que…
- Quer saber? Esquece. Vou ligar para Tommy, ver se ele consegue…
- Não ligue para ele - tento manter minha voz no mesmo tom, mas sinto meu sangue ferver.
Como em toda vez que me pede dinheiro, ela sabe que essa é a jogada que não consigo negar.
Tommy é um babaca que ela namorou alguns anos depois que meu pai foi embora, que sempre fedia a cigarros e cecê. Um compilado do lixo de relacionamento deles passa pela minha cabeça. O dia que ele gritou com ela por não ter cozinhado o jantar, nos dois horríveis meses que ele morou conosco. Os amigos barulhentos que ele levava em casa nas terças-feiras. As contas de bar que ele fazia ela pagar, com dinheiro que não tinha e como os dois só pareciam se dar bem quando estavam caídos de bêbados.
Ela está em silêncio, porque sabe que me convenceu.
Tiro o celular do ouvido e entro na minha conta do banco, meu estômago dói de ver que não tem nem 100 dólares. Minha viagem para Pittsburgh e os livros para as aulas consumiram quase todo valor que eu tinha conseguido juntar trabalhando no Tilted Rabbit.
Estou oficialmente fudida.
Tenho aluguel para pagar nas próximas semanas, mais coisas da faculdade para comprar. Uma mãe que faz isso toda semana.
Me preparo para transferir metade do valor para ela, mas antes de concluir a transferência decido.
- Eu mando com uma condição. Você precisa me mandar mensagem todos os dias uma vez por dia, só pra eu saber que você está bem. Nada de sumir. Combinado?
- Sim. Claro! Uma vez por dia - ela repete.
Dou um longo suspiro enquanto completo a transferência.
- Acabei de enviar.
- Ah Lauren, muito obrigada! Eu vou te devolver. Prometo que vou.
Claro e eu vou me tornar a mais jovem presidente dos Estados Unidos.
- Por favor, só gaste com as coisas certas dessa vez , mãe. Ou não mando mais.
- Claro que vou.
É mentira. E nós duas sabemos disso.
- Não faça nenhuma besteira, por favor.
- Prometo.
Ela desliga e começo a subir os degraus em direção a biblioteca. Espero que pelo menos essa promessa ela cumpra.
O que me alivia é que vendi o carro dela no verão passado, depois de ela saber parada embriagada pela polícia. Ela ficou puta, mas o valor garantiu alguns meses de aluguel e compras.
Abro as portas da biblioteca e parece como um salva vidas se eu estivesse no meio do oceano. Começo a me acalmar e admiro a beleza do lugar, as prateleiras cheias de livros, escadas de pedra, pisos de mármore e grandes janelas arqueadas. Muito diferente da pequena biblioteca a alguns quarteirões da minha casa.
Subo as escadas e me sento em uma mesa com computador.
Mexo o mouse e a tela do monitor se acende, abro o google e encaro a tela de pesquisa.
Eu realmente preciso de um emprego. E rápido.
A manhã se torna tarde enquanto eu mando currículo para todo fast-food, bar e cafeteria em um raio de 10km. McDonald’s, Starbucks, qualquer coisa, mas a cada envio genérico fico mais sem esperança. Não sei se esses lugares estão contratando.
Me recosto na cadeira, pego meu celular e abro o Instagram. Vou passando pelo feed, um pôr do sol, uma xícara de chá do lado de alguns livros, uma selfie de uma garota que fiquei ano passado depois de um show que trabalhei.
Pauso, volto e tiro o like rapidamente.
Foco no prêmio Lauren
Abro a página dos Cereal Killers e vejo uma foto recém postada de Natalie com os companheiros de banda, A.J, Paul e Ethan, do lado de fora de um teatro em Denver, com um letreiro atrás que anuncia que irão tocar lá hoje a noite. Fico feliz por ela, lembro das noites que passamos atualizando a página da banda no Spotify para ver o número de streams e como sempre foi o sonho dela sempre foi tirar uma foto assim.
Não posso deixar de sentir que o espaço entre nós duas está ainda maior. Aqui está ela, em uma aventura incrível e eu ainda ralando para caramba para manter as coisas razoavelmente normais, só que em uma cidade diferente.
Espera um pouco.
Aproximo a foto para enxergar a camiseta que Natalie está usando debaixo da jaqueta de couro, uma camiseta surrada do Led Zeppelin.
Minha camiseta surrada do Led Zeppelin.
Toda a preocupação que senti, foi embora com essa visão.
Ainda tenho uma chance.
Sorrindo envio o post na DM de Natalie adicionando o comentário, camiseta bonita.
Tinha esquecido de quão bonita ela fica usando minhas camisetas. Ver ela usando uma, ainda mais depois de tudo, me deixou inesperadamente feliz.
Checo as horas, ainda tenho meia hora antes da minha aula de química pré requerida começar, em um prédio que não tenho ideia de onde seja.
Desligo o computador e lembro da ligação de mais cedo e como Natalie é a única pessoa que quero conversar sobre isso e como queria ter percebido mais cedo sobre como ela estava certa sobre tudo. Quão fechada eu posso ser, como não sei expressar o que sinto.
Tudo faz com que eu sinta mais vontade ainda de acertar as coisas.
Pego minhas coisas e desço até a entrada, indo em direção a saída, vejo um quadro de anúncios e de relance vejo um pôster anunciando o show dos Cereal Killers mês que vem.
Não acredito.
Quando vou pegar o celular para mandar uma foto para Natalie, um papel amarelo mostarda embaixo do pôster me chama a atenção, gentilmente coloco o pôster para o lado e vejo que no papel está escrito: FOOD TRUCK CONTRATANDO, PAGAMENTO EM DINHEIRO. Tem um endereço de e-mail embaixo, então tiro foto desse anúncio ao invés do pôster.
Sorrio para mim mesma. Assim, não sei merda nenhuma sobre food trucks, mas dinheiro é dinheiro.
E sinceramente, não deve ser difícil.

She Gets the GirlDonde viven las historias. Descúbrelo ahora