XXIII

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Lauren

Entro na biblioteca, completamente molhada. Nada como descer uma rua de bike embaixo de uma chuva torrencial para se sentir viva.
Estou secando meus sapatos no tapete de entrada, quando uma mão pega meu braço e me puxa até um canto perto da porta de entrada.
- Eca - Camila fala enquanto esfrega as mãos na calça jeans nova - Você está molhada.
Reviro os olhos e finjo que vou torcer a ponta da minha camiseta em cima dela. Ela pula e me encara.
- Bom, eu teria esperado a tempestade passar no prédio de química, se alguém não ficasse me mandando mensagem de 10 em 10 segundos, perguntando que horas eu ia chegar.
Estico o pescoço para olhar pela porta e vejo Ally e Cora sentadas em uma mesa perto do stand de café, com livros abertos.
- Você já foi lá ou só tá parada igual um estranho na porta esse tempo todo?
- Parada na porta igual um estranho - Camila responde ajustando as alças da enorme mochila que carregava.
Olho para ela com calma. Claramente ela tinha um guarda-chuva, mas não só isso, ela está bonita. Usando a calça jeans nova e uma das camisetas que escolhemos juntas, o cabelo escuro e cacheado preso em um coque bagunçado.
- Gostei do seu jeans
As bochechas de Camila coram um pouco.
- Obrigada - ela olha para baixo, para as próprias roupas - Demorei uma hora para decidir o que vestir. Queria guardar as melhores peças para um encontro de verdade.
- Boa. Gosto do seu jeito de pensar. Agora… - pego o braço dela e a giro em direção a porta - Vamos ver o que Cora acha.
Vamos até a mesa onde Cora e Ally estão e ela nos olham assim que chegamos perto.
- Oi! - Cora fala e junta seus livros para nos dar espaço. Ally faz a mesma coisa com seus livros gigantes de engenharia.
- Amei sua camiseta! - Ally fala e Cora concorda com a cabeça… o que é melhor que nada.
- Ei, Camila - digo e dou um chute no pé da cadeira dela - Você não precisa usar a tomada? - e aponto para a cadeira vazia de frente para Cora.
- Ah certo. Sim - Camila responde, os olhos dela mostrando todo o nervosismo enquanto troca de lugar.
- Vocês fizeram a leitura para a aula de Jon? - Cora pergunta, mostrando uma cópia de 1984.
Camila e eu fazemos que sim com a cabeça, dou a ela um olhar que grita: “Diga alguma coisa!”
- Sim, ah, achei que tínhamos deixado esse no ensino médio, mas acho que não
Ufa, finalmente algum progresso. Cora ri da piada.
- Nem me diga. Uma vez foi mais do que suficiente.
Nesse livro em particular, até que concordo com ela.
A conversa para para dar lugar aos estudos e passo a próxima hora tentando me interessar e ligações iônicas e covalentes, enquanto Camila, não tão casualmente olha para Cora umas 101 vezes, a caneta dela batendo de um jeito irritante no caderno.
Reclino e me alongo, as roupas molhadas fazendo barulho na cadeira. Olho para as prateleiras da biblioteca.
Já li metade dos livros de fantasias que peguei e estou me coçando para pegar mais alguns depois da briga com Natalie e com a minha mãe.
Especialmente porque não tive notícias de nenhuma das duas desde ontem a noite.
Bato os dedos na mesa e olho para o meu celular. Nenhuma mensagem nova.
Me senti tão culpada pelo que disse ontem a noite que mandei 50 dólares para minha mãe hoje de manhã, que ela transferiu de volta quase que instantaneamente, sem nenhuma explicação. Tentei ligar, mas ela não atendeu e não respondeu nenhuma das minhas mensagens.

Eu sei que isso não devia me deixar nervosa. As costas dela estão em débito automático e mando compras toda semana, além disso Tonya passa por lá duas vezes na semana para ver se está tudo bem, mas mesmo assim não consegui parar…
Arrasto a cadeira para trás e me levanto, atenção de todo mundo se volta para mim.
Calma, Lauren. Fica de boa,
- Vou dar uma volta. Não consigo aprender mais sobre ligações atômicas com a tentação de ler um livro novo tão perto assim.
Me alongo casualmente, antes de empurrar a cadeira de volta ao lugar, dou um apertãozinho no ombro de Camila antes de sair, para ela não se preocupar.
Vou para a seção de ficção juvenil, onde pego uma releitura de Romeu e Julieta, além de pegar alguns dos meus clássicos favoritos: Adoráveis Mulheres e Orgulho e Preconceito.
O último não sai da minha cabeça desde o meu jogo de perguntas com Camila na semana passada. Sei que não vou conseguir ler tudo em duas semanas, mas com tudo acontecendo, é bom saber que tenho um escape quando precisar.
Quando volto para a mesa, Cora está gargalhando com algo que Camila disse e Camila está com um sorriso tão grande no rosto, que parece que ganhou um Oscar.
- Nossa - ela fala olhando a pilha de livros que eu trouxe - Como você cursa pré-medicina quando tudo que você faz é ler?
Dou um tapinha na mão dela que está passeando pelos títulos.
- Não sei. Segurança no trabalho? Um salário inicial de 15 mil?
Camila revira os olhos.
- Mas, pelo menos você gosta dessas coisas? - ela pergunta segurando meu livro de química.
- Não exatamente - falo enquanto pego o livro de volta. Aponto para a cópia de 1984 de Cora - Mas você também não gosta dessas coisas.
- Sim, mas você ama. Provavelmente mais do que qualquer uma de nós - Camila fala enquanto puxa a cópia de Orgulho e Preconceito da minha pilha de livros. Cora concorda com a cabeça do outro lado da mesa - Você pode dizer que gosta de qualquer coisa de pré-medicina?
Levanto minhas sobrancelhas para ela.
- Você não me ouviu quando disse: salário inicial de 15 mil?
- Ah fala sério - Cora fala - Dinheiro não é tão importante quanto fazer algo que gosta.
Reviro os olhos com tanta força que eles quase entram na minha cabeça.
- Alguma de vocês sabem como vão pagar as contas com um diploma de Literatura?
Camila dá de ombros.
- Bom, não. Ainda não, mas—
- Isso não importa agora - Cora a atravessa, indo em sua defesa.
Sério isso? Abro minha boca para falar algo, mas Camila interfere tentando amenizar as coisas
- Eu acho que os dois são importantes. Dinheiro e fazer o que ama - ela fala.
Ela me dá um sorriso de desculpas e devolve o livro para a pilha. Pego ele, abro a primeira página e agradeço internamente que a conversa acabou.
Mas… as palavras se misturam na minha frente, já que não consigo parar de pensar sobre isso. Não tenho certeza que quero passar a próxima década na faculdade por algo que não gosto, mas não tenho a luxúria de me preocupar sobre o que eu gosto. Não tenho o privilégio de fazer o que eu quero. Não com as coisas do jeito que são. Não quando tenho que sustentar minha mãe.

Olho para o meu celular e resisto a vontade de mandar outra mensagem para ela.
- Vou pegar alguma coisa do café - Camila fala, se levantando.
- Vou com você! - Cora fala.
Engulo minha irritação e faço um sinal de positivo quando Cora se abaixa para pegar a carteira na mochila.
- Vocês querem algo? - Cora pergunta.
- Cookie de Chocolate - Ally responde, entregando para Cora o cartão do plano de refeição.
Eu balanço a cabeça e vejo as duas saírem, Camila está claramente nervosa com as mãos nos bolsos e Cora está tagarelando sobre um biscoito que ela tinha que experimentar.
Sorrio para mim mesma. Que progresso!
Mas é um sentimento estranho. Depois da ligação do outro dia, talvez eu não precise provar mais nada para Natalie, mas eu…
Eu genuinamente quero que Camila tenha sucesso. Me importo com ela, porque ela é minha amiga. Independentemente do que Natalie ache.
Balanço a cabeça e volto minha atenção para o livro
Que comece o passo três.

She Gets the GirlWhere stories live. Discover now