VIII

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Camila

Uma aula de biologia, 8:30 da manhã de segunda-feira, não seria primeira escolha, mas quando Cora postou o cronograma de aulas dela, foi a única aula que achei com lugares livres. Então acho que agora gosto de organismos vivos.
Respiro fundo e ajeito meus cabelos antes de abrir a porta pesada da sala. Olho as fileiras, alguns grupos de amigos, alguns atletas no fundo. Todos parecem cansados de festas na noite anterior. Sempre reconheci esse olhar na escola, mas agora, pela primeira vez, sei exatamente como se sentem.
Estou exausta também.
Fico pensando na aula de contos que desisti por essa aula, biologia era uma das aulas obrigatórias que só os pré-meds e os maconheiros faziam, mas a matéria cobria uma das aulas de ciências obrigatórias que preciso na minha grade. Então estou me salvando de fazer alguma matéria de ciências no futuro, então não estou fazendo só pela Cora.
Entro na sala e finalmente vejo ela, que está conversando com Ally. Seguro as alças da minha mochila e vou até a terceira fileira, onde elas estão sentadas. Ally agora está digitando no celular, dou um passo para a frente e coloca a mão nas costas da cadeira vazia ao lado de Cora. Nós saímos juntas ontem, então sentarmos juntas seria normal.
- Tem alguém sentado aqui? - Eu pergunto por trás, tentando soar, não sei, como um flerte?  Mas sai mais como um sussurro, que não é ouvido.
Fico paralisada, limpo minha garganta para tentar perguntar de novo, mas Ally fala:
- Cora, olha isso! - Então Cora se vira em direção de Ally para olhar algo no celular.
Desisto, vou algumas fileiras para trás e procuro uma cadeia vazia antes que alguém perceba eu parada no meio da sala.
Sento, pego meu caderno e lapiseiras da mochila e deixo eles alinhados na minha frente, mas não deixo de olhar para o lugar vazio ao lado de Cora, que poderia ter sido meu.
Assim que o professor começa ajustar o microfone do pódio para a altura dele, a porta se abre e ninguém menos do que Lauren Jauregui entra. Atrasada. Sem mochila. Com um livro embaixo do braço e um sanduíche meio comido na mão.
Abaixo minha cabeça e finjo estar interessada no caderno em minha frente, rezando para que ela não me veja. Eu vejo ela com o canto do meu olho, parando para dizer oi para Cora e Ally, que conseguem ver e ouvir ela, mas claro que ela continua subindo, até chegar em uma cadeira vazia … do meu lado.
Ela dá uma mordida no sanduíche dela, se apoia na mesa compartilhada em nossa frente e me encara. Mantenho meus olhos baixos, mas ela segue me encarando.
- Você sabe que sua garota está sentada ali embaixo né? - Ela praticamente grita apontando o sanduíche na direção de Cora.
- Shhhh! - Olho para Cora para ter certeza que ela não ouviu, mas ela está distraída falando com Ally.
- Por que você não sentou do lado dela? - Lauren me perguntou
- Por que você vai sentar do lado dela? - retruco - Ou literalmente em qualquer outro lugar.
- Ah é, merda, esqueci. Você não precisa da minha ajuda.
Encaro ela silenciosamente enquanto ela morde outro pedaço do sanduíche dela, então mudo minha atenção ao professor que estava se apresentando. Ele começa a falar da lista de leitura do semestre e que se não estudarmos 30 horas por semana, não conseguiremos passar na matéria dele.
Parece um pouco dramático.
Enquanto começo a tomar notas, vejo uma mão tentar uma página do meu caderno.
- Ei - empurro a mão de Lauren
- Calma, só estou tentando pegar um papel e um lápis emprestado - Ela sussurra.
Reviro os olhos e dou uma página em branco para ela junto com uma lapiseira. Por que ela não trouxe nada para anotar? Estamos na universidade, não no jardim da infância. Então percebo que o livro que ela trouxe não está relacionado a matéria, era Anna Karenina de Tolstói.
Não imaginei que Lauren fosse uma leitora dos clássicos.
Não que eu tenha perdido muito tempo pensando em Lauren e sua proposta estúpida.
Olho de novo para Cora conforme a aula passa. Penso no que aconteceu no carro na volta da festa e hoje eu pateticamente pedindo para sentar, sendo que poderia só ter sentado. Olho para Lauren e vejo ela rabiscando anotações, enquanto o professor fala sobre as provas do final do semestre. Tento focar na aula, mas meu cérebro não consegue parar de pensar sobre tudo que aconteceu. Lauren não entende.
- Se ela queria você, não tem chance de ela sair comigo, de qualquer maneira - eu sussurro, me apoiando na mesa
- Não se você não convidar - ela responde, sem parar de escrever.
- Ela mal sabe quem eu sou, não posso só convidar ela.
- Eu a convidaria e conheci ela noite passada.
- Nem todo mundo consegue ser tão legal quanto você. Nem todos nós conseguimos estalar os dedos e conseguir quem quer na hora que quer.
- Você me acha legal?
- Só estava sendo factual - reviro os olhos - Isso significa
- Eu sei o que a palavra significa, mas acho que a que estava procurando era sarcástica - ela responde me cortando - Enfim, ser legal não tem nada a ver com isso. Eu tenho habilidades sociais, talvez você teria também, se aceitasse minha ajuda.
- Eu não preciso da sua ajuda! - eu falo um pouco alto demais, algumas pessoas olham para mim. Me afundo na cadeira de vergonha.
Só de ficar do lado de Lauren, me dá vontade de gritar. A aula finalmente termina e deslizo pelo outro corredor, deixando Lauren para trás. Consigo passar por dois jogadores de futebol e ficar atrás de Cora. Não preciso de ajuda para isso.
É só dizer oi.
Estamos quase passando pela porta quando um braço passa por mim e cutuca Cora no ombro com a ponta da minha lapiseira, olho para trás em tempo de ver Lauren se afastando e indo para o final da fila, sumindo de vista.
Quando olho para frente de novo, Cora está olhando diretamente para mim.
- Camila, oi, não sabia que você estava na nossa sala.
- Sim - fale alguma coisa Camila - Elimina uma matéria de ciências - Eu falo rapidamente e aceno para Ally enquanto nós três vamos para o corredor.
- É, pensei nisso também, mas acabei de descobrir que essa deve ser uma matéria de maconheiros, talvez eu tenha escolhido errado - ela ri - Ciências não são eu forte.
Eu sei, quero dizer para ela, que sei como ela é boa escrevendo. Mas tenho medo de ela achar que estou concordando que ela não é boa em ciências.
- Bom, estamos indo - ela me fala quando chegamos na escada - Vejo você qualquer hora dessas, Camila.
- Okay, tchau - respondo e espero um pouco, pois ia para o mesmo caminho que elas estavam fazendo.
- Viu o que acontece quando estou por perto - Lauren aparece do meu lado, me cutucando no braço com a lapiseira.
- Para de se intrometer! - digo exasperada pegando a lapiseira da mão dela. E saio disparada pelo corredor.
Infelizmente, Lauren me alcança em apenas algumas passadas.
- Por que você não deixa de ser teimosa e me deixa te ajudar?
- Eu não quero sua ajuda, então esquece. Cora não gosta de mim desse jeito. Ela nunca vai gostar de mim desse jeito. Então pra quê?
- Camila - ela me segura e encostamos na parede do corredor, deixando as outras pessoas passarem. - Eu vi o número de rodadas em que você não bebeu, se você passar sua vida focando no nunca, você nunca vai fazer nada. Você tem que parar com esse vitimismo. Você acha que é essa vítima e que ninguém nunca vai gostar de você, mas como alguém vai te conhecer se você mal fala.
- Eu não - minha voz some e ela sorri, vendo minhas defesas baixarem.
Estou chocada e um pouco magoada, mas talvez um pouco impressionada pela honestidade dela. Ela não está interessada em tornar as coisas fáceis para mim. As palavras delas são uma mistura um pouco mais pesadas do que minha mãe e meu irmão vêm me dizendo, mas elas parecem diferentes vindo de alguém da minha idade, que não me conhece e tem mais experiência nesse assunto.
O que eu não entendo, é por que uma garota como ela, estaria interessada em fazer qualquer coisa por mim.
- O que você ganha com isso? - pergunto
- É da pura bondade do meu coração - ela dá de ombros e fala com uma falsa doçura na voz.
- Mentira. Você não me parece o tipo de pessoa que faça qualquer coisa por bondade. De novo, o que você ganha com isso?
Ela solta um profundo suspiro antes de responder.
- Prova
- Prova do que? - percebo que ela está olhando em todos os lugares, menos nos meus olhos.
- Prova para a minha, meia quase namorada, de que eu posso ser uma pessoa… semi decente.
Tento, sem sucesso segurar uma risada e ela finalmente olha para mim, com uma expressão meio magoada.
Ela está falando sério.
Eu realmente confio em Lauren Jauregui o suficiente para deixar ela entrar na minha vida? Bom, não, ela acabou de admitir que não é uma pessoa decente.
Mas, ela tem um ponto, se esses últimos dias me ensinaram alguma coisa, é que a universidade não vai magicamente me mudar e posso correr o risco de passar mais quatro anos sofrendo pela Cora, enquanto espero um milagre.
Ou… imagino nós duas, indo para a aula juntas, andando de mãos dadas, conversando sobre tudo. Até imagino nosso beijo. Imagina, meu primeiro beijo com Cora? Acho que aturaria qualquer coisa para conseguir isso.
Não quero ser a eterna campeã de Eu nunca.
Respiro fundo e olho para Lauren. Os olhos verdes dela já estão me fazendo querer pular da janela. Talvez seja a pior decisão que eu poderia fazer.
- Tá bom
Ela me entrega um IPhone velho e com a tela trincada.
- Por que você está me entregando esse celular podre?
- Meu Deus Camila. Temos muito trabalho pela frente - ela responde revirando os olhos - Coloca seu número aí.
Mesmo me arrependendo em cada número, digito.

She Gets the GirlWhere stories live. Discover now