Capítulo Quarenta e Sete

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Eu estou enlouquecendo.

Quantas horas que estou aqui? Será que foram mais de dias? Eu não lembro nem onde fica a porta. Não há nenhuma fresta entre as paredes e o lugar é totalmente branco. Branco, branco, branco. Meus edredons são branco, meu travesseiro é branco, o vaso sanitário é branco.

Acho que faz séculos que eu não vejo pessoas. A comida só vem quando estou dormindo. É sempre uma bandeja — branca — com caixas — brancas — escrito "café da manhã", "almoço" e "janta" além da garrafa de dois litros de água. Já tentei ficar acordada por muito tempo para ver se a comida chegava, mas ela nunca chega quando estou acordada. Um dia — ou uma hora, ou uma semana, não sei — eu fingi que estava dormindo por provavelmente duas horas — ou dois dias, ou dois minutos, ou dois meses — e nada aconteceu. Acabei cochilando e quando acordei, a bandeja estava no centro da sala como sempre.

Já soquei a parede diversas vezes mas nada acontece além da minha mão sangrar e se curar. Já manchei a parede de sangue, mas depois de dormir, ela ficou limpa.

POR QUE TANTO BRANCO? Eu não aguento mais. Essa luz... Essa lâmpada cilíndrica que fica pendurada por dois fios BRANCOS me irrita. Eu durmo bem mal por causa dessa lâmpada que fica ligada o tempo inteiro. Adivinha que cor ela é? Branca.

Eu não sei. Talvez seja de propósito. A LPB fez essa cela para destruir o psicológico das pessoas.

No primeiro dia que vim aqui, achei legal. Melhor do que aquela cela suja que eles me deixavam, eu pensava.

Bom, quero aquela cela suja. Quero viver com ratos e baratas. Não aguento mais ficar aqui.

Não sei quando é dia. Não sei quando é noite. Não sei quando é tarde. Não sei quando é madrugada. Não sei quando é dia. Não sei que horas são. Que horas são? Onde eu estou? Alguém está aqui?

Já perdi a conta de quantas vezes mostrei o dedo do meio para a câmera que fica me observando ali no centro dessa caixa branca.

Passei tanto tempo sem fazer nada que eu até inventei uma canção:

Vou te matar, Max
Me aguarde, eu vou atrás de você
Vou te matar, Max
Você é maluco, todo mundo vê

Esse é o refrão, mas eu já trabalhei um pouco na outra parte:

Max seu desgraçado
Eu não acho isso engraçado
Me tira daqui seu vagabundo
Ou eu vou destruir o seu mundo

Não está concluído ainda, mas já acho um bom começo. Quando eu acabar, provavelmente enviarei isso para algum cantor que não morreu ainda, mas provavelmente já estão todos mortos, então eu não sei o que vou fazer.

Talvez eu comece uma carreira solo. Cantar para zumbis parece ser legal.

Nunca quis ser cantora. Quando eu era criança, eu queria ser médica. Mas eu percebi que fazer medicina era muito difícil e eu teria que tocar em coisas nojentas, então eu mudei de opinião e pensei em ser psiquiatra. Mas quando eu cheguei nos meus 16, mudei de opinião e não queria fazer mais nada. Na verdade, não sabia o que eu queria ser. Para mim, ainda havia muito tempo para escolher. Mas zumbis dominaram São Paulo e eu percebi que não precisava mais me preocupar com isso.

Lembro quando minha mãe me sugeriu para fazer engenharia e eu perguntei se ela estava ficando louca. Não sou nada boa em matemática e a única coisa de geometria que eu sei fazer é um quadrado com auxílio de réguas.

Minha mãe era legal e às vezes ela falava algumas coisas nada a ver. Eu era bem próxima dela, por mais que ela quase nunca tivesse tempo para ficar em casa. Era muito triste ver ela sendo chamada para ir trabalhar aos sábados e domingos.

Escolhida || Livro 2 da Trilogia SinistraWhere stories live. Discover now