Capítulo 1

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Às segundas-feiras provocam reações nada agradáveis para muitos. Alguns associam como pena de morte, confirmação que o seu time de coração está no ranking final da tabela do campeonato ou como cancelamento repentino da série que acompanha a anos. "São piores dias da semana", afirmam mais da metade da população mundial.

Eu discordava com a maioria. Gostava das segundas-feiras. Eram tão eletrizantes e motivadoras. Soavam para os meus ouvidos como uma linda melodia de acordes suaves e com cheiro agradável de flor de maçã combinando com flor de laranjeira, violeta e flor de lótus. Se as segundas-feiras fosse uma comida, seria um banoffee bem calórico com bastante calda de caramelo espesso por cima ou um pão de alho repleto de queijo acompanhado de uma carne vermelha de churrasco e uma caipirinha gelada.

Por mim só existiria segundas-feiras.

Era incrível iniciar mais uma semana de trabalho para compartilhar toda a minha criatividade com pessoas que sabiam, ou eram obrigadas pela situação, a apreciar e seguir meus looks inspirados nas últimas tendências. Eu era a referência da moda na Lex e nem me importava se as pessoas me imitavam. Até as incentivava. De vez em quando, realizava um bazar na agência, após o expediente, com preços acessíveis, para que os funcionários com menor poder aquisitivo pudessem desfrutar da sensação de estar na moda. Acreditava firmemente que a relação entre as segundas-feiras e eu era de amor mútuo, até que chegou a ensolarada segunda-feira da terceira semana de agosto e tudo começou a dar errado. Ganho de peso, perda considerável de dinheiro, fim definitivo do relacionamento principal e uma crise no relacionamento de conveniência. E para piorar, minha mãe voltou com o péssimo hábito de me ligar repetidamente ao longo do dia. Eu não tinha tempo para os monólogos dela, já estava na pindaíba e correndo o risco de aumentar o manequim. E além de tudo isso, tinha um trabalho importante. 

Era diretora executiva de planejamento e criação. E só pra reforçar, era um dos cargos mais importantes.

Eu era muito importante. Muito mesmo. Importantíssima.

E naquela linda terceira segunda ensolarada de agosto, fiz o mesmo de sempre ao acordar. Exercitei com uma boa música, fiz um mingau ralo de arroz e comi às pressas enquanto me arrumava. Faltando quase uma hora para o meu horário, já estava a caminho da Lex Publicidades. E engana-se quem pensa que o meu apartamento ficava longe. Eram uns quatro quilômetros e quase nunca pegava trânsito. Eu gostava de chegar cedo na agência. Uma para que as pessoas pudessem apreciar o meu look e, a principal causa, observar com clareza todos os funcionários, principalmente o que dizia a respeito sobre o horário de chegada. Nada escapava dos meus olhares. Encontrava a par a cada movimentação daquelas criaturas.

Inclusive, realizei uma grande reforma em minha sala para melhorar as observações, proporcionando uma visão panorâmica de todo o coração da Lex: um grande salão com diversas mesas, computadores e impressoras, onde pessoas se movimentavam freneticamente. Era o local que dava vida à agência, assim eu não perdia nenhum detalhe.

Mas perdi.

Os meus esforços foram em vão. Dias de lutas aterrissaram em minha vida e o título de importante se foi para o beleléu assim como o número pequeno do manequim.

E logo na segunda-feira.


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Rachel, com a sua franja crescida quase cobrindo os seus estreitos olhos, encontrava na entrada da minha sala com o meu café em mãos quando cheguei. Peguei o copo à medida que analisava discretamente a oleosidade absurda impregnada em seus fios. Acho que fazia uns cinco dias que seu couro cabeludo não era higienizado e se ainda não tivesse adquirido uma seborréia podia ser declarada como a pessoa mais sortuda do mundo. E ao lembrar da palavra seborréia, meu pé esquerdo começou a coçar e não podia fazer nada para aliviar aquela tortura. Não seria profissional retirar o sapato e ficar coçando o pé feito uma maluca.

Descendo do SaltoWhere stories live. Discover now