Capítulo 29

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Mamãe me dizia que a única amiga verdadeira que nunca soltaria a minha mão seria apenas ela. Ela, seria a única amiga que faria o impossível para me deixar feliz e saudável. Eu acreditava nela e, influenciada por seu discurso, achava que não precisaria de ter mais amigos porque eu já tinha a melhor amiga do mundo inteiro.

Ao crescer e ter maturidade das coisas, vi que estava muito errada. Ela, que jurava amor eterno durante todas as datas comemorativas e era minha mãe, mentia. Mentia muito feio. Passava longe de ser uma boa amiga para mim e nunca se importava de fato com a minha felicidade. Só se importava com que as pessoas iriam comentar se eu chegasse na obesidade mórbida ou virasse uma desajeitada. Culparia ela por ser negligente.

A relação tóxica com a minha mãe, deixou-me em alerta vermelho sobre construir amizades. Principalmente se fosse amizade com uma menina. Eu me comparava muito, queria sobressair e, por impulso e a mente baratinada, criava uma rivalidade com motivos tão bobos.

Passei uma boa parte da vida sem fortalecer laços. Para dizer que não possuía amigos, eu tinha a minha tia Girladânia, Salete e Guilhermina, que era uma criancinha na época. Mas a amizade com Salete era algo sazonal e não duradouro. Passava duas semanas correspondendo a amizade dela e depois me fechava.

Eu tinha inveja dela. Salete, uma menina ruiva e bobinha, era filha única e os pais a tratavam como uma deusa. E ela nem se esforçava para aquilo, fazia tudo errado. Tirava as piores notas, repetiu duas vezes o terceiro ano e os pais a deixaram pular bloco de carnaval com amigos em uma outra cidade e não obrigava em participar de encontros familiares. Salete ia porque gostava, por seus pais, que nunca dava as caras nas festinhas de família, a filha não pisava os pés. Como eram liberais, nunca influenciaram nas tomadas de decisões dela.

Sentindo o calor da Salete envolvendo o meu corpo enquanto, em um tom maternal, acalmava-me, me odiei por não ter valorizado a amizade dela desde do início. Lá no dia em que sua família trocou de bairro e se mudou para a quinta casa à esquerda da minha. Salete com uma trança longa ruiva e o rosto todo sardento, bateu a porta do meu quarto e, vindo me abraçar, disse que éramos primas e amigas para sempre.

Eu nunca tinha visto falar dela e fiquei empolgada, porém assustada. Salete falava muito e queria ver todas as minhas bonecas que eu colecionava.

— Vamos encontrar um jeito para tudo. — disse ela, otimista ao me soltar. — Nada de choro, vamos encontrar um jeito.

— Não se envolva com os meus problemas, você tem muita demanda. — pedi ao afastar o meu rosto do seu peito e passei a manga da minha blusa em meu nariz que escorria a coriza típica de choro.

— Somos uma família. Uma família de verdade, Laurinha. — repreendeu-me, dando umas batidas em minha coxa. — Encontraremos uma solução, depois pensaremos em uma boa lição para dar naquele empresinha de te chutou. E vamos encontrar o responsável que te expôs.

— E se eu mesma me expus sob efeito de algum medicamento que me deixou alucinada?

Salete por dentro de tudo, inclusive na minha dependência por fármacos hipnóticos e antidepressivos sedativos, ignorou o meu questionamento.

— O que podemos fazer para levantar dinheiro? — perguntou ela, estreitando as sobrancelhas para reforçar sua expressão pensativa.

— Vender o carro, talvez. — disse, não muito certa. Vender o carro ajudaria muito na diminuição da dívida, em uns 50%, mas os processos burocráticos talvez não obedecessem os prazos estipulados pelo Robert. E se conseguisse, seria de um lado, terrível para mim. Dependeria do transporte público para me locomover e só de imaginar dentro de um metrô, os meus pés começaram a coçar.

Descendo do SaltoWhere stories live. Discover now