Capítulo 28

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Lamentável a cena. Uma cartela de Zolpidem estava sobre minha barriga e uma garrafa de vinho pela metade no chão. Apaguei no sofá depois de tomar um, ou foi dois, comprimido para dormir. Precisei, infelizmente, fazer aquilo para que pudesse descansar os neurônios antes de torrá-los na procura de alguma ideia que pudesse me tirar daquele grande sufoco.

Tateei pelo sofá em procura do meu telefone para verificação da hora e ao encontrá-lo, deparei com duas mensagens do Robert que me fez tremer igual a vara verde. Mesmo já tendo conhecimento prévio do que se tratava, abri-as e li.

Um lembrete.

Faltam quatorze dias para o pagamento da primeira parcela.

Joguei o telefone entre as almofadas e, sofrendo de uma terrível dor de cabeça, me levantei do sofá e, cambaleando, fui à cozinha à procura de comida. Robert regrediu com o pequeno avanço da luz sucateada da esperança que habitava dentro de mim, apagando-a. Ele conseguiu regredir com tudo e abriu mais um portal de traumas e medos. Enquanto preparava o meu desjejum, o típico mingau de aveia matinal, em companhia das vozes que moravam em minha cabeça na qual se lamentavam da vida tosca que eu possuía, o barulho do interfone em seu volume máximo, superando a gritaria dentro da minha cabeça, ecoou pelo apartamento. Todos os átomos preexistentes no corpo foram afetados pelo medo na sua forma mais bruta. Parei de mexer o mingau e, inexplicavelmente, fui levada por uma força inexistente até o interfone, e atendi.

— Bom dia, Srta. Laura. Tem uma senhora, alegando ser sua prima, chamada Salete, pedindo autorização para entrar. Confirma a entrada? — perguntou o porteiro. A adrenalina causada pelo medo estava tão intensa no corpo que confirmei sem querer e só após encerrar a ligação, percebi o meu erro.

Era tarde demais para voltar com a palavra. Salete se irritaria comigo e eu perderia uma das poucas pessoas que velaria o meu corpo. A minha súbita fiel. Só me restava ter inteligência emocional para não respingar os meus traumas nela. E em menos de cinco minutos, Salete bateu em minha porta.

— Oh, Laurinha! — Salete me esmagou em um fortíssimo abraço assim que a porta foi aberta. — O Luli está em uma reunião aqui e aproveitei que os sogros estão passando um tempo lá em casa, vim te ver.

— Como soube do meu endereço? — questionei, preocupada, ao desfazer o abraço. Eu nunca havia mencionado nada sobre o meu endereço a Salete.

— O Luli trabalha com uma empresa que forneceu todo seu piso e conseguiu seu endereço para mim. — respondeu, orgulhosa por ter infringido a lei. Empresa nenhuma podia fornecer informações pessoais dos clientes por aí.

— Como? — Franzi a testa e cruzei os braços, deixando bem explícito o meu descontentamento.

— Laurinha, me perdoe! — Salete deu um beijo em minha bochecha e olhou, sem disfarçar, para a bagunça do meu rol de entrada à medida que avançava os passos para adentrar mais fundo no apartamento. — Que lindo! Luli vai pirar com o projeto que fizeram aqui. — disse ela, encantada com toda a decoração.

Luli, o Luiz, era o marido da Salete. Um arquiteto caprichoso, professor universitário e escritor. Ele não batia muito bem das ideias, era agitado e tão feliz quanto a esposa. Estudamos juntos por três anos consecutivos no primário II, não éramos amigos porque o Luli tinha medo de ficar com a língua roxa por de levantar ou comentar sobre fofocas do momento, mas sempre que me via comer melão com água na hora do intervalo, dividia o seu lanche comigo.

Ele, mesmo depois de não estudar na mesma sala, continuou com a prática de dividir o lanche e até me convidou para sua festa de aprovação no vestibular que fez na casa de sítio de sua família. Minha mãe não me deixou ir. Estava proibida de mover um pé fora de casa, salvo pelas atividades obrigatórias que me ajudasse a criar juízo. Fui escondido e levei a Salete.

Descendo do SaltoOnde histórias criam vida. Descubra agora