Capítulo 8

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Solidariedade é uma espécie de ficção que acontece de fato apenas em conto de fadas. Na vida real é impossível praticar genuinamente porque ninguém se sacrifica a troco de uma leve sensaçãozinha de alegria por ser empático. As pessoas não são apenas boas porque amam com toda a intensidade fazer a bondade. Não há 100% de solidariedade em uma atitude que se diz solidária. Sempre há interesses ocultos. É uma característica do Homo Sapiens Sapiens. Somos movidos por interesses e egoístas demais para sermos bonzinhos.

Eu quase me enfartei, os meus olhos pularam para fora e o meu metabolismo ficou dez mil vezes mais lento quando o Gregório me ofereceu abrigo a troco de um grande nada. Fiquei receosa em aceitar a sua ajuda. Sem nada para oferecer, ele poderia querer tirar algum proveito do meu corpo. Era tudo que possuía. Um corpo. Depois de algumas insistências e juramentos, aceitei o seu convite. Pela primeira vez na vida, vi o que podia ser de fato a solidariedade.

Ainda desconfiada, mas grata porque, graças ao Gregório, estava salva, adentrei o quarto dele e, com cuidado, depositei minhas duas malas no chão. Enquanto Gregório retirava documentos de sua pasta executiva, que deveria ser a minha pasta executiva, aproximei-me de um laptop que ele deixou sobre a escrivaninha e comecei a buscar por disponibilidade em hotéis, mas os resultados não foram promissores. Só havia vagas daqui a duas semanas ou mais. Era verão em Chicago, as altas temperaturas tornavam a cidade mais bela, vibrante e movimentada, tornando impossível encontrar um quarto disponível em qualquer hotel, desde os luxuosos até os mais econômicos.

Com frustração, fechei o laptop e sentei sobre a cama com uma expressão tão desalentadora que preocupou o Gregório.

— O que foi? —perguntou ele, depois de analisar por longos segundos o meu semblante.

― Infelizmente esses hotéis de Chicago não têm vagas disponíveis de imediato.

― É por causa da alta temporada aqui em Chicago e dos festivais de Jazz e de Blues. Atraem muitos turistas ― Gregório comentou, voltando a ser concentrar nos papéis que retirou da minha quase mala executiva.

— Não quero nunca mais voltar neste lugar. Eu odeio tanto Chicago!— resmunguei baixo, mas não a ponto de passar despercebido por ele.

— O que disse? — perguntou curioso, largando os papéis e a minha quase mala executiva sobre a escrivaninha que ficava no lado esquerdo da cama.

— Nada.

— Vamos, Laura. Converse comigo, estou tão empolgado com o dia de hoje que preciso gastar as minhas energias com muita conversa.

— Odeio conversar quanto odeio essa cidade.

― Odeia Chicago? — Com um sorriso irônico no rosto, ele se ajeitou ao meu lado e falou: — Grande surpresa esse lugar teve. Eu amo Chicago! Deveria voltar mais vezes, Srta. Steven.

Não perdi meu tempo respondendo e desviei o olhar. Gregório queria testar a minha paciência, mas eu me mantive firme e não caí na sua armadilha. Por mais difícil que fosse, fiquei em silêncio.

— Fala mais nada, Srta. Steven? Não acredito que vai ficar de mau humor aqui em Chicago, a cidade mais maravilhosa do mundo. É Chicago, Laura! Vamos conversar sobre ela?

O cotovelo de Gregório atingiu minha barriga, fazendo-me olhar para ele. Seu rosto exibia um sorriso desagradável, que tanto me incomodava. Respirei fundo e continuei na minha. Descontente com minha quietude, empurrou meu corpo para fora da cama com uma das mãos.

— Você pode parar? — reclamei, empurrando-o de volta.

— Está irritada?— perguntou segurando as minhas mãos, forçando-me a parar. Na procura de uma pequena porção de calma, fechei os olhos e voltei a respirar fundo. — Acho que sim. E isso é perfeito! — comemorou, rindo. — Laura Steven irritada é tudo que preciso para encerrar o meu dia, já que o primeiro encontro do seminário foi incrível. Aprendi tantas coisas e as pessoas ficaram perplexas comigo. Eu, tão jovem, representando uma das maiores agências publicitárias brasileiras.

Descendo do SaltoWhere stories live. Discover now