Capítulo 45

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As palavras que proferimos quando estamos embriagados ou sob efeito de substâncias não devem ser levadas a sério, especialmente as promessas. É melhor ignorá-las. Se a Salete tivesse isso em mente, meu dia terminaria como começou: feliz. Estava bem demais para alguém que desceu do salto. Meus amigos e meu novo empreendimento estavam preenchendo o vazio da minha alma. Tudo ia bem. E as coisas ficariam ainda melhores se eu tivesse incluído a Gui no meu novo desapego. Infelizmente, não consegui falar com ela. Meu telefone desapareceu sem deixar rastros, e a pobre Salete estava muito atarefada para lembrar da terceira pessoa da equipe. Depois de ajustar todos os detalhes do empreendimento, ajudei a Salete e o Luís a fazer alguns serviços de manutenção diária da casa antes de pegar a estrada com a Salete para buscar as crianças na casa de sua mãe, que morava a poucas quadras da casa dos meus pais.

Durante todo o percurso, conversamos sobre temas diversos e, de maneira esperta, Salete aproveitou o momento para, digamos, aplicar uma terapia. Ouvi tudo em silêncio, prezando pela qualidade da felicidade que sentia.

E assim, continuei seguindo em frente; Feliz.

Ao chegarmos na residência da mãe de Salete, fomos recebidos com muita alegria, o que me causou um leve desconforto. Desde a morte de minha tia Girladânia, naquela cidade, ninguém me acolhia com tamanha euforia. Sentir-se querida era algo estranho. Levei algum tempo para me acostumar, mas assim que a timidez desapareceu aproveitei ao máximo. Recebi diversos carinhos da Dona Ana, mãe de Salete e ex-esposa do irmão de meu pai, o Tio Gustavo. Os pais da Salete se separaram como casal assim que o seu primeiro neto, o Ben, nasceu. E também ganhei um excesso de amor vindo das crianças. Brincamos a tarde inteira, elevando o nível de minha felicidade. Talvez, passar uma temporada com Salete, Luís e as crianças não fosse tão ruim. Eles eram adoráveis, apesar de serem irritantes.

Tudo ia se mantendo da melhor forma e eu estava nas nuvens. A felicidade ainda me vestia. Ainda.

Salete começou a pressionar-me para que eu cumprisse uma promessa feita precipitadamente. Ela foi muito astuta e me levou à festa dos meus pais. Implorei várias vezes para ficar com as crianças, mas ela não se importou. A alegria foi desaparecendo aos poucos. O medo, como células cancerígenas, espalhou-se pelo meu corpo. Tentei convencer-me de que não era nada demais, mas era...

A felicidade abandonou-me completamente.

Não culpo Salete por não ter percebido os sinais. Cedo ou tarde, as trevas me envolveriam.

É o tipo de carinho que se tem quando descemos do salto.

A celebração dos meus pais acontecia no único local de festas da cidade, e a propriedade pertencia ao pastor para o qual tentei enviar fotos nuas para seu filho. O lugar estava em melhores condições do que quando o visitei pela última vez, nem parecia que havia sido abandonado. Salete confidenciou-me que o espaço era administrado pelo filho, já que o pai não tinha condições de trabalhar. Ele sofria de Alzheimer precoce. Ao entrar na festa, as pessoas tiveram um baque ao ver Salete e eu, estávamos parecendo duas vendedoras de bugigangas. Todos estavam de traje de festas e nós duas com jeans surrados, regatas simples e tênis nos pés.

- Foi uma boa ideia? - reclamei, cutucando a Salete. Ela negou com a cabeça, mas, mesmo assim, me puxando pelo braço, começou a desbravar o local que estava todo decorado com orquídeas. Não sei se eram falsas, talvez devido à quantidade e condições financeiras dos meus pais, existiam grandes chances. O que importava era que a decoração estava muito bonita, fazendo todos se sentirem no paraíso das orquídeas lilás, brancas e azuis.

- Laura.

Uma voz, conhecida por sinal, rugiu meu nome com uma agressividade sem tamanho. Ao me virar, deparei-me com Carmen, dez anos mais velha, com os braços cruzados e um olhar demoníaco voltado para mim.

Descendo do SaltoWhere stories live. Discover now