Atritos e bananas

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Lembro-me de quando conheci o Ed na empresa. Batemos o olho um no outro e percebemos que éramos gays. Mas tudo começou bem antes.

Eu entrei naquela empresa de Logística em que trabalhei e fiz algumas amizades bem aos pouquinhos. Um desses amigos chamava-se David, era conferente, um cara bem legal e completamente pirado que ficava me agarrando, me zoava e eu zoava ele. Mais velho do que eu, não demorou muito pra dizerem que tínhamos um caso às escondidas, pois ele era tipo um paizão louco.

Três meses se passaram e chegou a época de minha efetivação. Eu, que estava estudando, não aguentava o ritmo frenético em que estava vivendo. Mas muita gente pediu que eu ficasse, como eu já disse anteriormente. David foi aquele quem me falou:

—Poxa, cara, não vai não, a empresa é boa!!

Acabei ficando, e me lembro até hoje do dia em que cheguei no vestiário com o papel da contratação e vi sentado no banco o David com seu papel da demissão.

—É, eu tô saindo! Há tempos sonhava com isso.

A história do David na empresa era complicada. Desde muito antes de eu chegar, ele já tinha o desejo de sair. Um dos funcionários dirigia uma empilhadeira e atropelou seu pé. Tentaram manter-lhe lá, fazer acordo, não demitiram o funcionário, mas ele sempre foi irredutível: Queria deixar o lugar. Quando eu fiquei sabendo do caso do atropelamento, perguntei detalhes a ele e me contando, seus olhos se encheram de lágrimas: "Eu deixo nas mãos de Deus, doido. Não penso em vingança. Só quero sair mesmo."

Eu e o David nos despedimos no vestiário, ele estava muito feliz e deixou seu armário para um colega. Lembro até hoje que não consegui trabalhar direito naquele dia. E o pior, o cara que o atropelou continuava lá, e era um insuportável. Todo mundo ficava falando que meu marido tinha ido embora, que agora eu estava sozinho e triste.

E em muito tinham razão.

A última vez que vi David foi na estação de trem, eu entrei  e dei de cara com ele na porta. Ele estava voltando do exame de demissão, a probabilidade daquele encontro era nula, mas aconteceu. Não era aquele louco da empresa, era alguém um pouco triste, sei lá. Ele tinha trabalhado três anos no local, é normal ter um impacto. Nos despedimos após uma conversa amena que nunca tínhamos tido na empresa. E foi isso.

Mas a roda gira e para cada demissão, há um substituto. Na segunda feira, chegou no turno da tarde um novo conferente.

Ed.

Lembro que fazíamos um briefing, uma mini reunião para apresentar as metas do dia. O Ed se apresentou naquele dia.

Eu era um péssimo separador de mercadorias. Meus pallets (espécie de carrinho de madeira onde colocávamos os produtos) eram difíceis de contar, e a tarefa do conferente era essa. Logo, eu travava guerras intermináveis com os conferentes.

E o novato vindo da noite, Ed, seria um desses.

Ele me chamou e me repreendeu pelo pallet mal feito que eu fiz.

Então, com a maior má vontade do mundo, desfiz e recontei, corrigindo meu erro. É incrível como minhas amizades costumam começar com atritos. Cheguei a falar para o pessoal:

—Ô, aquele conferente novo é o maior folgado!! Chegou e já quer dar uma de bom.

Eu não queria papo com o folgado.

Em uma noite, então, na hora da janta, sentamos na mesma mesa. Não sei o que nos levou a conversar, mas o papo chegou às frutas. Estavam servindo alguma fruta na janta.

—E então, Arthur? Que tipo de fruta você gosta?

Na maior inocência, eu falei:

—Gosto de banana...

Ele começou a sorrir maliciosamente pra mim, e eu que desde a apresentação dele sabia que ele era gay (o gaydar nunca falha) saquei a malícia, ficando muito sem jeito. Ele se aprofundou no papo das frutas e começou a fazer perguntas mais ousadas. Em momento nenhum falei que era gay, mas aquelas entrelinhas foram muito cômicas.

Logo, Ed me chamou para sair.

—Sair? pra que?

—Pra ver um filme, oras...

—Mas...

—O que? Você não vê filmes?

—Sim, mas depende do que você quer fazer...

—Ver o filme, oras!!

Ficamos nesse jogo por um tempo, até que ele acabou por dizer a preferência por homens. A partir de então, decidimos pela amizade e não demorou muito pra ele começar a namorar. Ele é fã de orientais, e conseguiu realizar-se namorando um. Seu namoro nos tornou muito mais amigos, eu vivia dando conselhos a ele, não gostava do japa, e o Ed vivia desconfiando que ele o traía, justificando assim suas traições. E eu sempre o aconselhando de que uma relação assim não era saudável.

Compartilhamos lágrimas, brigas e reconsciliamentos, risadas e angústias. Ambos temos personalidades tão fortes que se enfrentam e digladiam inevitavelmente, mas nos entendemos bem também! Muitos fatos de sua vida ele só compartilhou comigo, tal como eu com ele.

Uma vez na estação de trem, após beber, ele colocou a mão no meu ombro e disse que eu era seu melhor amigo. Eu tinha que honrar isso.

Até da minha mãe ele se tornou amigo, e ela gostou muito dele. Só tenho a agradecer que, em meio aquele ninho de cobras, eu fiz um amigo de verdade.

Após o acidente do Alvaro e da saída do Fausto, eu me candidatei para me tornar o novo cérebro lá no centro do galpão, e quando perguntei ao Ed sua opinião, ele foi bem sincero.

— Acredito que você possa dar conta. Mas lembre-se, a vaga era do Alvaro. Quando ele voltar, isso pode gerar problemas...

Éramos sempre honestos um com o outro, e aceitei aquele novo desafio. Eu só tinha que convencer todo mundo de que eu conseguiria. Ao menos meu amigo já estava convencido disso...

Diário de um ex-virgem gayWhere stories live. Discover now