O primeiro desencontro

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Minha relação com a Kaori sempre foi das melhores e mais saudáveis. 

No final da oitava série, ela disse que precisava conversar na saída. A casa dela era virando a esquina de um morro. No caminho para casa, ela me explicou que sua família teria que partir da cidade e que ela não sabia ao certo para onde.

Lembro-me até hoje, na esquina daquela casa, ela me disse com uma voz chorosa: "Você não vai fazer nada?"

Tá, eu era lerdo demais pra perceber o que aquilo queria dizer. Kaori partiu e eu me desesperei, cheguei a chorar escondido em casa, pensando por que a pessoa que eu tanto amava tinha que partir.

Muito tempo havia se passado até seu retorno, e embora eu e ela sempre conversássemos por telefone, eu nunca havia contado que era gay. Ela ainda pensava que eu tinha uma queda por ela, mas não existia mais essa possibilidade.

Naquela semana, ela voltou a São Paulo depois de muito tempo afastada daqui sem dizer os motivos. Sempre foi um mistério. E naquela semana, marcamos de nos ver.

Foi um encontro no Anhangabaú, o que tornou aquele lugar um palco de boas lembranças pra mim. Eu adorava ir a Sampa, como um desses interioranos, e ficar admirando aqueles prédios enormes e antigos. Era como acessar um mundo novo.

Reencontrar a Kaori ali foi mágico. Me lembro até hoje da sensação. Tudo que me leva ao centro velho de São Paulo ainda me traz essa nostalgia mágica dos bons tempos que introduziram minha vida adulta. Eu realmente era feliz sem internet e computador.

Ela me contou que a família teve que deixar a cidade às pressas por conta de uma dívida e ameaça que sofreram. Achei aquilo absurdo e muito tenso, mas o mundo era assustador as vezes, e eu imagino o medo que ela deve ter sentido na época,

Foi sobre a ponte Santa Ifigênia, após passar pelo mosteiro de São Bento, que meu celular tocou.

Era o Fabiano.

— Tudo bem? – Ele quis saber.

— Tudo, e você? – Perguntei, nervoso, enquanto a Kaori perguntava quem era.

— Tudo sim. O que você tá fazendo?

— Tô passeando com minha amiga aqui em Sampa. E você?

— Estou em casa. Quer me encontrar hoje? Vir aqui em casa?

Na época, sempre que um homem me chamava para ir à sua casa, eu já me imaginava sendo estuprado por ele. Me tremia da cabeça aos pés só de imaginar.

— Então, eu tô com essa amiga. Não dá pra ser outro dia?

— É que lembra que eu falei pra você que vou viajar? Ficarei um tempo fora. – Ele disse, com voz de lamento. — Tem certeza que não quer vir?

— Hoje não dá.

— Tá certo então.

Mas é claro que dava pra eu ir depois dali, e claro que eu não fui por ser muito novo e por não ter confiado naquelas carinhosas palavras sobre ele ir no meu ritmo. Aquilo devia ser dito por todos os homens, quase como um "ponho só a cabecinha".

Se eu fosse em sua casa, seria deflorado. E eu, como bom ex-virgem, temia a segunda vez como temia a primeira.

— Quem era? – Kaori quis saber, curiosa.

— Uma moça que conheci.

Ah, as tolices da imaturidade. O que a vida nos obriga a fazer.

— Sério? Qual o nome dela?

— Fabiana... – Que sorte que dava pra converter o nome pra feminino. E assim, segui o passeio com a Kaori, que foi ótimo.

Lembro-me de tentar ligar na casa do Fabiano e não ter ninguém. E com o tempo, deixei de ligar. E com o tempo, Alice foi adentrando nos lados sombrios do país que não teria assim tantas maravilhas a lhe apresentar.

Porém, aquela não seria a última vez que eu veria meu primeiro amor. Mas isso era outra história.

Diário de um ex-virgem gayWhere stories live. Discover now