O primeiro amor

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Há histórias que são supérfluas e que se não fosse uma lista de machos, a gente se esqueceria com facilidade. E há histórias que nos marcam pra caramba. Poxa, como há. Eu e o Silva sempre íamos na balada juntos. Especificamente, a Tunnel, que é onde o ratinho teve sua maior recompensa, evitando novos traumas como Clube Z e tal.

Não me lembro porque, mas naquela ocasião, eu fui sozinho à balada. Provavelmente nessa época o Silva já tinha ido para o interior estudar. Só sei que fui sozinho, pois precisava de queijo. Digo, de homem.

Na época, precisava de amor.

Estava sedento em conhecer alguém que fizesse a diferença. Queria tampar as lacunas de tantas pessoas que já tinham partido.

A pessoa que mais deixou um buraco até então era a Kaori, a japinha que estudou comigo até a oitava série e que foi minha melhor amiga até então.

No ano em que a conheci, também conheci o Silva, mas esse eu não tinha ido com a cara ainda, mal sabendo que ambos éramos gays e tínhamos tanto em comum e que ele se tornaria meu melhor amigo.

Enfim, a história com a Kaori era intensa. Por ser minha melhor amiga, eu todo confuso confundia essa amizade com algo mais. Conheci a japa por puro interesse, pedindo que ela traduzisse uma revista toda escrita em japonês que obriguei meu pai a comprar na maior banca do mundo que eu conhecia, a banca de Alphaville. Ela era gigante e que eu sempre fazia meu pai a me levar de carro pra olhar a penca de revistas que vendia nela.

Na época não existia internet pra se pesquisar sobre Sonic, meu jogo favorito até então. Lembro que o primeiro videogame que eu tive vinha com Sonic the Hedgerog, ainda no Master Sistem. Era o melhor jogo do mundo e foi meu primeiro vício na vida.

Que saudade de ter um vício saudável.

É muito estranho dizer que vivi em um mundo sem internet. Deus, só de pensar que existia mundo fora dos computadores e Smartphones, dá uma dor no peito.

O fato é que pra eu saber do lançamento do primeiro Sonic 3d de todos os tempos, pois até então os jogos eram 2d, eu tinha que pedir pro meu pai me levar à noite depois do trabalho dele até a banca gigante e implorar que me comprasse revistas escritas em japonês pra depois implorar que uma japonesa que por sorte caiu na minha sala à traduzisse.

E foi assim que conheci a Kaori. E selamos uma amizade que dura até hoje.

No fim da oitava série, Kaori partiu. Foi quando eu e Silva nos aproximamos. É importante falar sobre essa amizade agora, mais do que nunca, pois ela está ligada ao homem que mudou tudo: meu primeiro amor.

No dia em que fui à balada sozinho, me sentei em um dos bancos perto do bar. Estava vazio, pois era um momento em que todos entravam pra ver o show das travestis que eu achava sem graça. Naquele momento, fiquei atento aos poucos que não entravam à pista de dança para assistir aos interessados em show de drags e foi então que eu o vi pela primeira vez.

O homem que, de certa forma, marcou minha história.

O mais interessante sobre conhecer Fabiano era que fui eu quem o abordei. Eu o arrastei, voluntariamente, pra dentro da minha vida.

— Olá. – Eu disse quase que num impulso ao vê-lo caminhar por perto.

— Olá. – Ele respondeu, abrindo seu sorriso pela primeira vez para mim. Como descrever Fabiano? Cabelos arrepiados, rosto jovem, dentinhos de coelho na frente de sua boca que lhe davam todo charme.

Encantador.

O corpo não era nem magro e nem gordo. Tava no ponto. Uma delicinha.

Bem, eu o convidei para se sentar, e ele o fez. Ficou no banquinho ao meu lado e começamos a conversar. Mais uma vez o espanto por vir da zona oeste só pra balada.

— Tá bem longe de casa, né? – Ele disse, sorrindo. Eu confirmei, e a conversa seguiu falando sobre o que éramos e o que fazíamos.

Na época, eu trabalhava com logística, meu primeiro emprego, acredito eu. Trabalhava como separador de caixas, algo que pode parecer bem entediante, só que era bem mais do que se parecia. Pelo menos eu pilotava uma "burrinha", máquina que custava fortunas feita para movimentar caixas de um lado para o outro. Quando dirigia minha burrinha, sentia-me livre. Era o que eu fazia de melhor na época. O vento batendo na minha cara com força enquanto atravessava aquele galpão enorme.

Já o Fabiano, se não era algo importante aos seus vinte e oito anos, ao menos caminhava para tal. O fato é que ele parecia bem seguro com o que queria pra sua vida e aquilo era interessante.

— Posso te beijar? – Ele quis saber.

Nosso primeiro beijo foi muito bom, bem acima da média. Entre risos e beijos, desenvolvemos uma conversa agradável e descemos para o andar inferior, escutando músicas antigas.

— Gosto desse andar. As musicas são bem legais aqui. – Ele contou, e eu descobria mais uma coisa sobre Fabiano. Ele gostava de músicas de flashback. De certa forma, eu também gostava do andar inferior.

Sentamos um de frente pro outro e ele me perguntou a clássica questão que na época era difícil pra mim responder. "você curte ser ativo ou passivo?"

Relutei ao responder, e aquele ser fez aquilo que não deveria ter feito. Foi legal demais comigo.

— Não precisa responder. Vamos devagar. Respeito seu tempo, tá bom?

Gente, sério. Como não ser Alice? Como não sonhar com o príncipe encantado no momento que um homem diz a você que vai no seu ritmo? Eu tava na boca do buraco e as criaturas do país das maravilhas gritando "desce e brilha, purpurina!" Como resistir? Saltei sem dó.

E puft. Me apaixonei.

Troquei telefone com o Fabiano. Ele me deu o seu de casa, e achei aquilo fofo. Conversamos por telefone enquanto eu estava cheio de receios bobos como falar com um homem que mal conhecia em casa, onde se tinha pouca privacidade na época, com irmãos e pais morando juntos.

Mas eu falei com ele, e foi gostoso. Ao mesmo tempo que eu queria vê-lo de novo, tinha muito medo. Era novo em todo aquele universo, e relutante em marcar com um homem pra me encontrar.

E foi então que ela apareceu de novo na minha vida. Kaori...

Diário de um ex-virgem gayWhere stories live. Discover now