Dias de cão

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Eu estava vivendo dias de cão. Era trabalho de faculdade pra fazer, brigas constantes com meu grupo de TCC, brigas em casa por eu não arranjar um emprego, reforma em casa, o que à tornava um ambiente hostil, além dos costumeiros dilemas de um adolescente tardio que não sabia o que queria da vida.

Naquele dia, eu tinha a apresentação de um trabalho de psicologia, trabalho esse que deu muitos conflitos internos no meu grupo de faculdade. Éramos em cinco, quatro homens e uma mulher. Dos rapazes, eu era o único que não trabalhava, o que acaba sobrando pra mim na hora de fazer trabalhos. Mas nesse trabalho de psicologia, resolvi me afastar pra cuidar de outros trabalhos e deixei a cargo deles.

Tudo começou com Cauã, um encrenqueiro de duas personalidades, sempre calmo com aqueles seus tapinhas nas costas (que pra mim é sempre falsidade, na boa) e que às vezes tinha uns surtos psicóticos e começava a atacar todos. Ele teve um desses ataques, e a menina do meu grupo chegou até a chorar.

Além do estresse de trabalhos, aguentar uma pessoa inconstante não era minha praia, então estava querendo sair do grupo, o que poderia ser fatal em um último ano, com TCC pra fazer.

Como sempre, não sabia o que queria da minha vida. Eu e o Cauã ficamos no msn acertando o trabalho de psicologia, pois sozinho o grupo não deu conta, como já era de se esperar. Estressado, fui dormir às duas da amanhã e como psicologia era no segundo horário, às nove e vinte, resolvi matar a aula de legislação e dormir mais um pouquinho.

Foi ai que meu dia de cão começou...

Acordei oito e meia... O maravilhoso friozinho paulista me prendeu debaixo das cobertas e eu agora tinha quarenta minutos para percorrer um caminho que fazia em cinquenta caso não perdesse o trem...

Perdi o trem.

Isso me dava desvantagem de quase trinta minutos. Liguei a cobrar para o grupo, contando que tinha perdido o horário e que estava correndo para lá. Menti que estava na segunda estação do percurso, enquanto ainda estava esperando o trem na minha cidade... Desesperado...

O trem chegou. As estações estão em obra por causa do projeto expansão e percursos que geralmente se fazem em dez minutos eram feitos em vinte a trinta. Não sei como consegui chegar nove e vinte na estação da faculdade... Mas ainda tinha o percurso de quinze minutos até ela, então tirei a blusa, guardei o celular na mochila com a carteira e comecei a correr.

"Vou pedir carona!!!"

Foi o que eu pensei, mas não tinha cara de pau pra isso. Então avistei um taxi na porta da estação. Será que era caro? Continuei correndo, olhando para o taxi do qual saia um homem na maior lerdeza. O taxi então acelerou e eu fiz sinal.

Ele não parou!

Nove e trinta.

O professor era chato, já estava até vendo a bronca.

Continuei correndo, até que cheguei na ladeira que precisava subir para atravessar o bairro até a faculdade (ela era tão grande que ocupava um quarteirão e eu precisava chegar do outro lado dele, o que daria uns quinze minutos).

Foi então que... Deus Ex Machina (termo de reviravoltas nas histórias gregas, em que um Deus descia do céu e resolvia todo o conflito), do outro lado da avenida tinha um homem parado dentro de um carro e começou a acenar.

Ele perguntou algo que eu não ouvi.

-O que?? - Perguntei, sem parar de correr.

-Quer carona???

O que? Ele estava, do nada, me oferecendo carona? Não pensei duas vezes, atravessei a avenida e entrei no carro (que perigo), ele era um senhor com uma criança no banco detrás.

-Eu vi você acenando pro taxi, vim buscar meu filho e fiquei esperando você aparecer, vi você correndo, lembro que já corri muito por causa de trabalho e senti que você precisava de ajuda.

-Com certeza eu precisava, muito obrigado!

Fizemos em um minuto a travessia de dez e eu sai do carro agradecendo muito aquele anjo, e corri pra faculdade em seguida.

Abri a porta do laboratório de apresentação e alguns alunos da sala falaram:

-Apareceu!!

Não era eu que tinha aparecido, mas a imagem no telão do grupo. Ao que aparece, falhas técnicas atrasaram o início da aula, e ali estava eu, pronto pra apresentar um trabalho meia boca e sem ensaio...

... que o professor, também gay, (vivia sofrendo preconceito velado na sala) acabou adorando!

Talvez, colocando na balança, o dia de cão não tenha sido tão de cão assim...

Diário de um ex-virgem gayWhere stories live. Discover now