Não somos amigos

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Em uma quarta feira, chamei o Manoel casualmente para ir ao cinema (de quarta é baratinho) e, pra minha surpresa, ele aceitou na hora. Fomos e assistimos o primeiro "Iron man" (mil anos atrás), que eu honestamente achei mais um filminho bacaninha com efeitinhos legais mas com pouco aprofundamento em relação aos personagens e principalmente, com vilões que não me empolgaram nem um pouquinho. Mas deixando as críticas de lado, saímos do cinema e começamos a conversar.

Ele me falou do "queixudo", um rapaz que ele estava a fim e que não tinha rolado muito bem. Este começou a namorar um cara que dizia não gostar, para a decepção do Manoel.

Não sei por que mas eu estava estranho naquela noite, com um sentimento de "deixar acontecer", e falei ao Manoel:

—Meu, me diz o que você quer agora, nesse instante...

Ele ficou meio tímido e eu insisti, ele então pediu um abraço e eu dei, achei muito legal, mas ele se acanhou e não retribuiu. Estávamos no meio da rua e eu nem ai. Falei que ele tinha que ter mais atitude, que tinha perdido o queixudo por ter demorado demais para agir, e chegamos em frente ao barzinho que eu sempre fico com as pessoas. Fiz o Manoelparar ali e ficamos olhando o movimento, mas ele ficou bem incomodado (e eu também com o incômodo dele), então saímos.

Descemos as escadas da estação (lembro que a conversa foi bem mais do que isso, mas não me recordo dos detalhes) e lá embaixo, nós paramos do meu lado da estação, ele ia ao lado contrário. Foi então que ele se aproximou e me deu um abraço, e ai me roubou um selinho...

Fui embora pensativo. Passei um tempo bem agradável naquela noite, achei aquela companhia bem legal. Pensativo...

Até que um dia, falei pro Manoel do "marido", o Tyler, (um cara que conheci e que, de tanta afinidade, começamos a nos chamar de marido. Afinidade esta que nunca veio a se concretizar fora do mundo virtual) e mostrei até uma foto dele. Manoelpediu que eu passasse o orkut dele e eu não o fiz. No dia seguinte,ele veio dizendo:

"Seu amigo Tyler é chato, hein, adicionei ele e ele nem fala comigo."

Quando fui ver, o Manoel  tinha encontrado e adicionado o Tyler em seu orkut, e li as mensagens que ele estava mandando, com ofensas inclusas. Lembro que devo ter ficado vermelho de raiva, falei um monte para o Manoele pedi ao Tyler que o excluísse de seu orkut, dizendo que ele o tinha feito por ser uma pessoa infantil. E infelizmente realmente era.

Depois desse evento, a relação piorou e culminou no belo dia depois do fora que eu tomei do rapaz da virada (qual é mesmo o nome dele? risos) onde eu pedi desculpas ao Manoelpor tudo que eu tinha feito e que daquela relação não sairia mais nada além da amizade. Lembram do que ele me respondeu?

"Vou me esforçar pra não pensar mais em você. Vou esquecer você. E quando você levar vários pés na bunda, se lembrará que eu um dia gostei de você..."

Ele me excluiu do msn e do orkut após o ato, enquanto eu o bloqueei no msn.

Dois dias depois, um desconhecido me adicionou e revelou ser ele. Eu disse que não queria conversar e que era melhor darmos um tempo de tudo aquilo. Mas ele insistiu e pouco depois o desbloqueei (ele excluiu mas adicionou de novo no msn). Não gosto de relações assim, conturbadas, mas como tinha deixado claro que dali não sairia nada além de amizade, decidi dar uma chance.

No sábado seguinte, estava entediado em casa e resolvi ver no Catraca livre se tinha algum evento cultural em Sampa que valesse a pena. Entrei e vi a promoção de um show de orquestra que ia acontecer na terça feira seguinte. Estavam dando um ingresso para tal orquestra e coloquei meu e-mail lá. Segunda a noite, fui ver meu e-mail e lá estava o comunicado de que eu tinha ganhado o ingresso para o show em um dos locais mais metidos de São Paulo na época, o Shopping Bourbon... Falei ao Manoelmuito contente que eu tinha ganhado e eis o que ouço:

"Que bom pra você."

Ao mesmo tempo, falei com o Primo, um dos amigos do Albano que conheci no Grupal (espécie de encontro no msn promovido pelo Albano, sempre cheio de pessoas legais) e eis o que ouvi:

"Nossa, que legal, choro horrores com Bash!!"

Ignorando o Manoel, falei ao Primo que tinha um amigo que talvez fosse, mas que não sabia ao certo, e que caso ele não fosse, se ele não queria ir. Ele disse que tentaria terminar os afazeres da facul a tempo e trocamos telefones.

Em uma tentativa de sustentar a amizade, chamei o Manoelpara buscar os ingressos comigo e estranhamente, ele aceitou. Depois da aula, o esperei por quarenta minutos na estação e já ia embora quando ele apareceu. Pegamos o trem até a Cidade Universitária e descobrimos a utilidade da ponte Orca, uma van que leva gratuitamente até a estação de metrô, onde entramos de graça e fomos para o Sumaré, mais longe do que o local em que o próprio show ia ser.

Andamos um monte, muitas vezes para direções opostas à que deveríamos chegar e conversamos bastante sobre tudo que vivemos até então. Quando contei que me encontrei com um cara (Príncipe era o apelido dele) e que, apesar do encontro ter sido legal e de ele ter se encantado comigo, não ter sido assim tão bom, Manoelme acusou de ser fresco e chato.

—Não sou fresco, Manoel... Você tem que entender. É que você não tem com o que comparar, mas quando você beija um cara, você sente algo... e há beijos que o fazem flutuar, enquanto que há aqueles que não te fazem sentir nada. Eu procuro alguém que me faça flutuar de novo...

Olhei para ele, e sempre tive um temor de que minhas palavras pudessem lhe dar novas esperanças, então falei besteira.

—Eu tentei... gostar de você. Tentei fazer acontecer entre a gente, e se fosse uma escolha, lhe garanto que estaria com você agora... mas não é uma escolha...

Ele ficou bravo. Ele mesmo falou que ficou nervoso e o clima pesou. Disse que não éramos amigos e que não podíamos ser, e que um dia faria mal a mim e ao queixudo e a todos que o tinham feito mal. Quando sentamos na estação, desabafei que tinha medo de dizer a ele o que eu sentia por outras pessoas, medo de ele ainda sentir algo por mim, e ele disse que o que sentiu foi a possibilidade de algo entre nós, mas que nunca foi algo concreto. Sentiu que seria bom se algo tivesse acontecido, que eu seria alguém bom pra tentar um namoro.

Você me crucifica por eu ter te dito a verdade, mas quantos não mentiram pra você até hoje? Eu te falei o que eu tinha que dizer, o que não me agradava em você. Não sou esse demente que você me pinta.

—Nossa relação é tensa. Não somos amigos. Não sei o que a gente é.

—Tá, mas estou tentando fazer com que haja uma amizade entre a gente...

—E eu não disse que não podemos ser... e por enquanto não somos...

Foi um ótimo encontro, conversamos muito e cheguei cinco e meia em casa, tomei banho e tive que sair correndo.

Mais a noite, fui até a estação Barra funda e encontrei o Primo na catraca. Fomos até o shopping de ônibus e troquei o vale pelos dois ingressos. Tínhamos agora que esperar uma hora e fomos para a livraria, conversando de Glee, das loucuras do Albano e de coisas da vida como a relação com os pais e etc, em um papo bem descontraído para a primeira vez ao vivo.

O salão do evento era incrível e nessa hora percebi que eu tinha ganhado 4 ingressos por engano (eram só dois). Então o Primo ligou para um amigo que estava ali perto e ele nos fez companhia, ao som de Bach regido por João Carlos Martins, inesquecível, terceira fila, totalmente vip. Por causa do horário, não pudemos ver o show completo, já que não teria trem pra voltar (e no dia seguinte ambos tínhamos prova na facul). Partimos e nos despedimos na estação de trem, combinando de nos ver na feirinha GLTB dali dois dias.Em nenhum momento pensei no Primo como uma possibilidade amorosa, acho que estava evoluindo. Isso fez nosso encontro ser bem natural, acho que o princípio é deixar que as coisas aconteçam, que vire parte do cotidiano sem segundas intenções... enfim, deixar rolar.

Quanto ao Manoel, vou me esforçar pra que o que tenha que acontecer nessa amizade seja legal e dure o quanto tiver que durar. Ah, e pra não deixá-lo pintado como um carrasco,ele voltou atrás sobre querer o meu mal e o do queixudo.

Diário de um ex-virgem gayWhere stories live. Discover now