Durante: Identidade, Déjavù e armadilhas do destino..

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De manhã, tomei um chá pra tentar equilibrar meu inconstante estômago, mas não funcionou muito. Fui para a faculdade com a expectativa no auge. Animado, mandei uma mensagem:

"Está pronto pra hoje?"

E recebi a resposta:

"Estou a ponto de bala!!"

Otimista, fui para a aula, onde meu nervosismo atacou: A professora propôs que levantássemos e fossemos diante da sala nos apresentar como profissionais de designer. Dizer no que somos bons. Um a um, todos caminharam para falar um pouco de sí. O bipolar, a beata, o homofóbico, todos.

Chegando na minha vez, ainda temeroso, eu falei:

— Bom, nunca trabalhei na área de Designer, mas o meu foco principal é animação. Pretendo me especializar nessa área, faço animações experimentais que estão em um canal na web, pretendo me tornar um diretor de arte.

Basicamente foi isso, gostei muito de ter falado e ouvido o pessoal da sala. Fui pra casa e almocei. Minha mãe foi pra igreja à tarde e eu deixei um bilhete dizendo que iria dar uma saída. Fui pra República. No caminho, imaginando o que estava prestes a acontecer, fiquei todo empolgado, relembrando os momentos do parque em que estivemos juntos NAQUELA intensidade. Cheguei atrasado e ele estava com um pouquinho de raiva do atraso. Estava lindo com camiseta de botão preta e regata branca por baixo como eu pedi, calça preta e boné pra trás. TUDEBÃO!!

Caminhamos na direção do motel. Frio demais, fomos andando enquanto ele me contava o que houve enquanto me esperava.

—Um cara veio até mim e pediu pra eu ajudar com dois reais pra sua passagem, disse que me recompensava com comida. Eu dei os dois reais e falei que não precisava me recompensar, ai ele disse: "Você foi o primeiro que me ajudou... Tem certeza que não quer comer?? Tenho uma bunda gostosa..."

Indignado, perguntei se era bonito e ele respondeu que era bonitinho... Pelo menos ele é fiel...

Chegamos na rua do motel. Haviam algumas pessoas lá na frente. Ele parou.

—Não precisa ficar com medo, pode vir.

Passamos na frente do local, estava mesmo cheio de gente na porta, mesmo naquele frio de rachar. Seguimos direto.

—Tenho que ligar pro meu amigo!! Ele tem que me dar coragem agora!! - Disse o Tiago, começando a telefonar.

—Cara, cria coragem, resolve seus próprios problemas (eu tentando me meter na amizade novamente).

Ninguém atendeu. Lembro-me que uma vez contei a ele do caso do loirinho boyzinho que travou na porta do motel. E lembro que ele deu risada.

—Arthur, desculpa, mas eu não consigo... Tem muita gente ali. Não tem outro lugar? Aqui não vou conseguir...

Saímos caminhando. No dia que vim em uma balada do Arouche, descobri um outro motel lá perto e fomos até lá.

—Eu tô imaginando a raiva que você tá...

—Tô não... Ainda não.

Chegamos na porta. Estava aberto, porém na escada que dava à recepção, havia uma grade. E estava trancada... Encostei minha cabeça na grade, já imaginando o que estava prestes a acontecer. Desci as escadas e nos olhamos. Então eu disse:

—Como resolvemos isso? Quer ir no do Tatuapé?

—Não vamos poder fazer mais hoje...

Fiquei em silêncio, olhando com seriedade pra ele.

—Tenho medo de você terminar comigo por uma coisa dessas...

—Não sou tão raso assim...

—Mas tô vendo que você tá chateado.

—Não tô. - Nem disfarsei o quanto estava.

—Vamo no cinema?

—Não. Depois daquele parque, não posso ficar mais perto de você, pois é capaz da gente ser preso!!

—Por favor...

—Vou ser sincero com você: Não estou chateado com você por não entrar lá... Mesmo por que quero que seja uma coisa que nós dois queiramos... Assim como você é paciente comigo em minhas nêuras, vou ser com você. Só o que me chateia é essa situação... É você saber o por quê de termos vindo aqui hoje e dar pra trás na hora "H". Só isso. Mas não tô chateado com você. Só não espere que eu abra um grande sorriso, por que não vou fazer isso.

Caminhamos até a praça e foi ali que eu senti algo inexplicável. Nos sentamos bem próximos, ambos com aquela vontade louca de nos abraçar e nos beijar, mas com o mundo à nossa volta como um ímã em negativo, nos afastando. Eu, marrudo, não querendo ir no cinema, com aquela raiva pronta pra explodir. A raiva, obviamente, não é por não transar naquela tarde, mas por estar me relacionando com uma pessoa sem coragem de estar comigo, sem coragem de enfrentar seus medos e o mundo por mim... Essa era minha raiva, de todos os tabus que sou capaz de vencer e que ele não é. Raiva de estar lutando sozinho... Por tudo isso, senti o olho lacrimejar, como um soco no estômago, como um engasgo na garganta...

—Que olho molhado é esse, Arthur?

—É esse vento frio... Meu olho tá ardendo...

—Vamos no cine, quero um tempo com você...

—Não vou no cinema, Tiago...

—Então vamos embora.

Levantei do banco. Aquilo era meu sim. Viemos embora...

Após abraçá-lo na estação e deixá-lo ir, sentei no banco do metrô, ainda engasgado com toda a situação. Aquele dejávù do dia em que o loirinho boyzinho me ensaiou e não cumpriu minhas expectativas. Aconteceu tudo de novo.

Sentei no banco da Barra Funda e liguei pra Hayashi, que agora trabalha em Sampa.

—Deu tudo errado...

Combinamos de nos encontrar na estação de Osasco, onde contei os últimos acontecimentos. Na hora de nos despedirmos, ela me deu uns bons tapas na cara (simbólicos).

—Você está perdido, Arthur. O que você precisa é de uma definição. É saber quem você é. Você se forma no fim do ano. Chegou aquela hora de saber o que você vai querer pra si mesmo daqui pra frente. Qual sua meta. Estabelece um objetivo, aquilo que você quer ser, não importa o que seja. É como se fosse um alvo. Ai você vai caminhar até ele, não importa o quão longe esteja. Se formar é só o primeiro passo.

No mesmo dia em que me apresentei como Designer na sala... No mesmo dia que a crise de identidade do Tiago atacou de novo... Sou incentivado a achar quem eu sou no meio desse turbilhão. Identidade... Como é difícil a definição de si próprio. De noite, lembrei de como fiquei diante da situação com o Tiago. Totalmente anormal...

Diário de um ex-virgem gayМесто, где живут истории. Откройте их для себя