OBIs: Parte I: Quando você me pede...

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Eu e meu amigo Silva costumamos nomear como "OBI" (do original "Obsessão) aquelas pessoas que vez ou outra (ou sempre) povoam nossas mentes.

Não sei se o que eu senti foi amor. Se foi paixão. Mas sei que foi obsessão. Isso tenho certeza absoluta. Tudo começou na última empresa que eu trabalhei em logística, na mesma em que eu conheci o Ed. Em uma noite, meu chefe pediu que eu fizesse um senso. Uma espécie de listagem das pessoas que trabalhavam na empresa. Não eram muitas, menos de trinta, não foi difícil fazer. Isso meio que causou uma familiarização com o pessoal. Considerando que eu era de ficar muito na minha, foi algo bom.

No dia seguinte, logo que cheguei, o vi no vestiário. Um garoto, parecia bem mulecão. Dezenove anos. Logo que eu avistei o sorriso dele, meio tímido diante de todas aquelas pessoas que não conhecia, algo mudou em mim. Peguei minha prancheta e fui trabalhar. Assim como ele, eu era auxiliar de separação (sim, carregava caixas pra expedição, trabalho de peão mesmo).

PRIMEIRA REGRA DA OBI: Um sorrisinho, uma carinha de anjo, qualquer detalhe que passa despercebido pelo mundo para a vítima é a maior coisa do mundo.

Eu ainda estava com o senso na mão, e caminhei até ele e gentilmente, peguei seus dados. Seu nome era Alvaro. Ele me olhou curioso:

—Você faz o que aqui? É de um cargo superior?

—Não... me deram esse trampo, mas sou... auxiliar como você.

Aquilo bastou para que fizéssemos amizade. Passei o resto do dia ensinando o trabalho para ele, conversando e me derretendo para tudo que ele dizia. Foi assim que a gente ficou amigo, andando juntos e falando da vida. Eu era um bobão, na época não tinha feito muita coisa além de umas "ficadas", enquanto ele aos poucos foi revelando o quanto era bom com as garotas.

Óbvio que eu não tinha chance com ele. Eu deveria ter desencanado e seguido em frente.

Passado meu tempo de experiência, era preciso me decidir se iria ser efetivado ou não. Nunca mentiram para mim, sempre soube que eu trabalhava mal. Mas o que eu poderia fazer? Acordava às cinco da manhã, ia para a faculdade, saía às 11, chegava meio dia em casa, almoçava correndo, saía meio dia e meio para chegar uma e meia no serviço e trabalhar até as 22 em um emprego pesado de levantamento de caixas, algo que eu odiava.

Eu simplesmente não tinha ânimo, força de vontade, e como era bolsista, sentia que deveria sair e arranjar um estágio.

Fiz uma lista de motivos para ficar e para sair da empresa. A lista para sair era mil vezes maior. No dia seguinte, cheguei na empresa decidido. Meu chefe Dário (ele era muito bonzinho, bom demais até) foi falar com um por um dos auxiliares, e eu fui o último.

—Não vai não, doido, a empresa é boa!!

Eu estava irredutível.

Francisco, chefe da sala de Expedição, que sempre brincava comigo, veio até mim e lamentou que eu partiria. Avistei o Dário e fui até ele. Com a voz trêmula, falei:

—Me desculpa, Dário, mas a vida tá muito corrida. Eu realmente não vou aguentar ficar. Tenho que encontrar estágio.

Ele fez uma cara de chateado, e eu já esperava ir embora ali mesmo. Mas então ele falou:

—Ok, então você cumpre o contrato e parte depois.

NOOOOOOOOOOOO!!!! Cumprir contrato?? Não imaginava isso. Naquele dia, então, vivi o melhor e o pior dia na empresa. Todos vieram até mim perguntar:

—Você vai mesmo? Não acredito!!

—Vou.

—Você tá cometendo um erro.

—Pois é.

Eu já tinha decidido. Já tinha preparado meus pais para o pior. Nada me faria mudar de ideia. Eu tinha vários inimigos na empresa, pessoas repulsivas que eu detestava. Um deles era o Fausto. Brigávamos quase sempre.

E foi ele quem veio dizer: "Você está cometendo um erro." Apesar de ser permeado por dúvidas, ainda assim eu estava irredutível.

SEGUNDA REGRA DA OBI: Qualquer coisa que essa pessoa diga, por mais normal e até insignificante que seja, faz seus olhos brilharem como se fosse algo do outro mundo.

Foi então que o Alvaro caminhou até mim. Me olhou nos olhos e proferiu aquelas palavras que mudaram minha vida pelo próximo ano:

—Não vai não, Arthur... ninguém aqui presta. Você é meu único amigo...

Eu senti o peso do mundo nas minhas costas. Senti todo o meu plano desmoronar. Dário veio até mim e, ainda sentido, perguntou:

—Você tem certeza que quer sair?

—... Não... Não tenho certeza de mais nada...

De noite, serviram macarrão e eu passei mal, coloquei toda a comida para fora. Meus colegas viram e chamaram o Dário. Ele me mandou ir embora. Enquanto arrumava minhas coisas, duas das pessoas que eu mais detestava no local vieram e disseram que eu tinha que ficar, que eu estava cometendo um erro.

TERCEIRA REGRA DA OBI: Ela te faz fazer as coisas mais idiotas possíveis sem que você se dê conta ou se envergonhe disso. Pelo menos naquele instante. O arrependimento vem depois.

Acabou que no dia seguinte eu cheguei para meu chefe e decidi ficar... Foi a maior correria para acertar os documentos em tempo. Ouvi muita zoeira depois contra mim, dizendo:

"O Arthur nunca separou nada de caixas e ainda fez doce para ser efetivado."

Nem ligava, o importante, o MAIS importante era que ELE tinha me pedido pra ficar e eu fiquei... Foi o começo do meu pesadelo.


Diário de um ex-virgem gayWhere stories live. Discover now