Capítulo 10

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- Ela não se permitia mais ter qualquer tipo de sentimento, fosse ele bom ou ruim. – Hall continuou. – Depois dos primeiros meses no Penvensey, Siberia nunca mais chorou. Se tornou fria e calculista. Seu único momento intempestivo foi durante uma briga no refeitório. Nessa ocasião, ela descolou a orelha de um coleguinha com os dentes.

Logan esbugalhou os olhos e deixou que a caneta corresse em uma linha contínua até o final da página.

- A senhora diria que ela é uma pessoa violenta?

- De forma alguma. – a diretora falou como se abanasse a mão. – Aquela atitude foi totalmente singular. Siberia não se deixava abalar por nada, mas um dos meninos extrapolou nas ofensas. Foi a primeira vez que ela revidou qualquer coisa, e nunca mais precisou: todos passaram a temê-la.

- A senhora disse que conviveu com ela por onze anos. – Strauss começou e ouviu a mulher consentir. – Siberia não foi adotada.

- Não.

- Como ela reagia diante disso?

- Oras, a sua reação era a mesma para tudo: apenas ignorava. – era como se Hall sorrisse do outro lado da linha. - Maior parte das crianças adotadas, senhor Strauss, são recém-nascidos. Os adultos geralmente querem a experiência da paternidade ou da maternidade desde o início, e por isso deixam os mais crescidos para escanteio.

- Compreendo.

- Mesmo assim, Siberia foi solicitada por pelo menos meia dúzia de casais. Claro! Ela era uma criança linda. Tinha cabelos expressivos e olhos incomuns. O senhor há de concordar que ela é uma beleza rara.

Strauss pigarreou e, entre má vontade e meia concordância, disse:

- A senhorita Lindell tem seu charme.

- Muitos adultos pensavam assim também.

- Ela não ficou com nenhum deles. Por quê?

- Os casais geralmente a levavam para casa durante datas festivas, para ver se ela se adaptava a outro ambiente. E sempre era um fracasso, detetive. Siberia não falava, não reagia e, quando o fazia, assustava as pessoas com as histórias de seus amigos imaginários.

Logan enrugou a tez, cruzou as pernas em cima da mesa e largou seu tronco confortavelmente sobre a cadeira.

- Eram histórias assustadoras? – indagou.

- As piores possíveis. – Hall respondeu do outro lado, quase como um sussurro. – Eram sempre relacionadas a morte, vingança e assuntos inacabados. Não me leve a mal, senhor Strauss. Nenhuma dessas coisas que relatei ao senhor eu considero como contrapartidas. Lindell sempre foi uma das crianças mais inteligentes e focadas do Penvensey. Ela tem a alma boa, eu sei que sim, mas também sou suspeita para falar porque me afinizei à pequena. Depois de anos e anos sendo ignorada, eu e ela passamos a nos entender: eu em minha insistência para desvendá-la e ela no seu silêncio ensurdecedor.

- Você a indicaria para ajudar a Scotland Yard?

- Com certeza. Lindell era sempre a primeira a montar os quebra-cabeças. Tinha uma memória e uma lógica de dar inveja aos coleguinhas. Seja lá do que vocês estejam precisando, senhor Strauss, tenho certeza que ela tem plena condição de resolver.

- Muito obrigado pelas informações, senhora Hall. Elas serão bastante úteis.

- Não há de quê... – Logan já estava afastando o telefone da orelha para desligá-lo quando a mulher interveio: - Detetive?

Caçadora de CorposOnde as histórias ganham vida. Descobre agora