Capítulo 19

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"A estação de trem era estranhamente cinzenta. Várias pessoas andavam no mesmo passo, seguindo para as locomotivas que aguardavam nos trilhos.

O ambiente era obscuro, gélido, e nenhum dos passageiros tinha rosto.

A pequena Siberia estava encolhida contra o pai. Segurava sua mão com força e abraçava o coelhinho de pelúcia. Tinha medo do barulho, tinha medo da multidão. Tentava encontrar, na postura máscula e adulta de George Lindell, o seu conforto.

A mãe, Viviette, andava um pouco mais a frente com Ben e Suze.

Em um segundo, a paisagem monótona se tornou avermelhada, e Viviette voltou seus olhos apavorados para o marido.

- George, nosso trem está quase saindo. Precisamos correr!

Siberia observou a mãe acelerar sua andaça em direção a uma das locomotivas. Suze foi a primeira a pular dentro do veículo, seguida por Ben e Viviette.

Um apito alto, indicando que o trem estava prestes a sair, tocou e o pai começou a arrastar Sibs cada vez mais rápido para a porta. Os outros integrantes da família estavam com as mãos estendidas, apressando e chamando por eles.

Quando estavam quase chegando, no entanto, o coelhinho de pelúcia de Siberia caiu no chão. Instintivamente, a menina deixou sua mão escorregar da do pai para pegar o brinquedo. Recuperou-o são e salvo, mas quando ergueu o rosto para olhar, já era tarde.

George já estava dentro do trem, que se movia e adquiria velocidade.

A garota largou o coelho para trás, desesperada, e começou a correr ao lado da locomotiva para alcançar a porta. Sua mão estava estendida para que um dos pais a pegasse, mas eles deram as costas.

- Mãe, pai! – gritava, a vozinha embebida de urgência. – Ben, Suze! Por favor, não me deixem aqui! Não me deixem sozinha! Mamãe, papai. Por favor, por favor não me abandonem!

Mas não havia o que ser feito. Eles ignoraram seus apelos e ela chegou correndo até o final da plataforma, incapaz de continuar o percurso. Com o peito carregado e os olhos cheios d'água, a pequena Siberia observou o trem desaparecer no horizonte."

Acordou engasgada com o próprio soluço. O quarto estava escuro, seu coração estava arrasado e... E era verdade. Eles não estavam mais ali. Eles nunca estiveram. Sua família a abandonou quando ela tinha apenas sete anos.

Se lembrava do cheirinho da sua mãe, da sua voz e das cantigas de ninar. Conseguia visualizar o pai na varanda, pitando um cachimbo enquanto lia o jornal matinal. Suze queria ensiná-la a se maquiar e Ben sonhava em ser um astro do futebol.

Aquilo não existia mais. Só existia na mente dela. Não havia mais ninguém para atestar a existência dos seus entes queridos...

Queridos. Queridos? Se eles a amavam tanto quanto diziam, por que a haviam deixado para trás? Por que nunca mais se preocuparam com ela?

O corpo de Siberia estava trêmulo e suado e, antes que conseguisse impedir, já estava tendo mais uma das suas crises. Suas crises de raiva, tristeza e puro ódio do destino.

Ela foi obrigada a crescer no meio de crianças que detestava. Nunca teve o privilégio do amor. Todas as suas conquistas e derrotas foram sozinha e ela estava exausta de ser oca.

Por que ninguém a amava? Por que seus pais a deixaram para trás?

Gritos guturais, primitivos, rasgavam por sua garganta junto com o choro. Siberia espremia os olhos com as mãos e pensava no quanto odiava datas comemorativas. Natal, Dia das Mães... Não tinha mais pais, não tinha irmãos, não tinham ninguém que passasse esses dias com ela. Sibs não se preocupava ou era motivo de preocupação de ninguém.

Caçadora de CorposOnde as histórias ganham vida. Descobre agora