"Wicked Games" 21. Capítulo

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-Não... Infelizmente acho que não existe nenhum lugar onde ir na noite de ceia de Natal.... – Proferi, enquanto me sentei no chão, sobre um ninho de cobertores mais conhecido como «cama improvisada do Tate»

-Estou aberto a qualquer tipo de sugestões...-Fitou me com um olhar malicioso arqueando a sobrancelha esquerda fazendo-me rir.

-Posso te pedir uma coisa? – Questionei olhando-o enquanto ele mesmo se sentava à minha frente.

-Claro que sim! Qualquer coisa Violet.

Estávamos frente a frente, sentado sobre a sua cama, de pernas cruzadas e apenas iluminados pelo luar da janela aberta.

-Conta-me histórias... Conta-me coisas, qualquer coisa... Qualquer coisa que não tenha nada relacionado com este pandemónio...

-Muito bem, claro... E se fizermos um acordo?

-Qual?- Intriga ao máximo.

-Cada um conta uma história sobre qualquer coisa. Faz me uma pergunta e eu faço te uma a ti... Minha vez. – Iniciou ele. –Acreditas me Deus?

-Que raio de pergunta é essa? – Ri-me, talvez de forma mais sarcástica do que o que eu própria tencionava. – Mas se queres uma reposta honesta, não. Não acredito nele, nem em santos, anjinhos, arcanjos, querubins e harpas sobre as nuvens.

-Porquê? – Olhei-o e tentei avaliar a sua expressão facial. Neutro.

- Simples. Conheces a célebre frase «Deus ama-te» e essas tretas todas? Se Deu existisse sequer e me amasse, minimamente, então ele nunca me tinha tirado os meus verdadeiros pais. Se Deu existisse ele não deixava centenas de milhares de crianças morrerem em guerras sem sequer terem a noção do que se está a passar ao seu redor. Se Deus existisse não haviam pessoas a morrerem À fome, enquanto outros vivem para esbanjar dinheiro. Se Deus existisse, ele tinha cuidado de mim em criança e o meu pai... O meu pai não tinha sido o monstro que foi.... Entre muitas outras coisas... Já paraste para pensar a quantidade de comércio que é feito em torno de Deus? As pessoas aproveitam-se da sua dita existência para terem algo me troca. A própria crença já nem sequer existe... Só uma cambada de fascistas ignorantes que se aproveitam para encherem os bolsos.

Terminei de falar e senti-me corar por ter levantado demasiado a minha voz... No entretanto Tate tinha-se levantado para abrir a janela. Enquanto falava, aproximou-se da sua mochila e retirou maço de tabaco, do qual puxou e acendeu.

-Então a existência de Deus para ti é totalmente insignificante? – Questionou puxando um trago.

-Sim... Mas já agora, fiquei interessada... Tu acreditas em Deus? – Perguntei, retirando-lhe depois o cigarro da sua mão para fumar também.

-Como é que achas que sobrevivi ao Inferno que passei?

Formou-se ali um silêncio imensamente constrangedor. Eu não era capaz de debater contra ele qualquer uma das suas experiências de vida... E muito menos negar que ele de facto era um sobrevivente. Deixamo-nos ficar ali, parados, a analisar o olhar um do outro entre as ondas de fumo que se formavam entre nós entre tragos de tabaco no silêncio.

-Dos sítios onde eu venho princesa, ou acreditas em Deus ou então perdes rapidamente a vontade de estar vivo. Achas o que? Que estou à espera da descida do divino Senhor para me vir buscar para um céu maravilhoso e sem quaisquer problemas? Não... Mas a crença nele fez-me acreditar que para além do que eu vivia, talvez noutra cidade, pais ou mundo, o que preferires, ainda existe algo de bom e ainda existe alguma humanidade nas pessoas... Como te disse, ou acreditavas em Deus sempre que fechavas os olhos para não veres nada que te arrependesses, ou perdias a esperança de todo...

- Posso te fazer uma pergunta? –Questionei depois de absorver todas as palavras que haviam saído da boca dele.

-Todas as que quiseres. - Sorriu de cigarro no canto da boca.

-Como é que tu sobreviveste? ... Quer dizer, como é que conseguiste, completamente sozinho?

Ele desviou o olhar para a janela, fazendo com que o luar incidisse mais de forma mais direta em si, tornando-o mais pálido que o natural.

-Sinceridade acima de tudo? Eu não sei... Mas sei que depois de te habituares à solidão tudo se torna mais fácil.

Permaneci estática. Nunca frase nenhuma neste mundo teria feito tanto sentido como aquela... Depois de te habituares à solidão é tudo mais fácil...

(...)


Wicked GamesWhere stories live. Discover now