"Wicked Games" 42. Capítulo

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(Violet)

-Tate, olha para mim. -Forcei-o a voltar-se para mim. Notei o seu olhar desnorteado, perdido e assustado.- Tu não és assim. Tem calma. Respira bem fundo e concentra-te só na minha voz.

Fiz com que se sentasse de novo de frente para mim. Pedi-lhe que fechasse os olhos e respirasse bem fundo. Tinha as mãos a tremer e a sua pele estava ainda mais pálida do que o normal.

- Eu não sei quem ou o que é que mexe contigo desta maneira mas...

-Esquisófrenia. Eu tenho esquisófrenia. Eu vejo e ouço coisas que não existem. E eu lá no fundo sei que não existem, eu sei que ele não é real. Mas para mim é, eu vejo-o.

-Ma vês quem? Quem é que te assombra dessa maneira Tate?

-Eu... Sou eu. Eu vejo-me a falar comigo. Mas ele é diferente de mim. Ele é tudo aquilo que eu não quero ser. Ele é tudo aquilo do qual eu tento fugir mas não consigo porque ele me relembra sempre daquilo que eu sou genuinamente. E eu sou um monstro Violet. Olha para o que te estou a arrastar! Fiz-te faltar às aulas, consumir uma droga pesada que já foi motivo da minha destruição durante muito tempo, beijei-te vezes sem conta e tu és minha irmã. Eu sou um monstro...

-Tu não és um monstro! Tate a minha vida consegue ser uma valente merda. Tenho medo de andar em casa, na minha própria casa sozinha. Eu não me lembrava do que era a sensação de estar sem problemas, de estar sem medos. Tu não és um monstro. Tu salvaste-me à tua maneira.

Não foi preciso falar mais. Ele encostou-se ao meu peito e ficamos ali durante o que me pareceu uma eternidade. Cada um com os seus pensamentos. Não fazia ideia do que ia na cabeça dele, o que é que lhe estaria a ocorrer. Eu pensei em tudo aquilo que me rodeia. Acho que foi a primeira vez que senti que estava com a cabeça no lugar. E a realidade é que tinha vivido sempre com uma mágoa, uma raiva tão grande a tudo e todos. Lembrei-me de todos os episódios que me magoaram ou me fizeram sentir medo. Lembrei-me da forma como o meu pai me tocava mas dizia que eram apenas «um jogo de cócegas» , lembrei-me de todas as vezes em que o apanhei a trair a minha mãe com as enfermeiras do hospital psiquiátrico. Lembrei-me de todos os momentos em que vi a minha mãe sentada na borda da cama dela, a chorar compulsivamente e a deglutir calmantes, horas antes de comparecer a jantares junto com o meu pai e mostrar o seu sorriso mais falso. Lembrei-me do estalo que me deu quando lhe disse que «o papá me magoou». Lembrei-me de como ela me mandou calar, chamou-me mentirosa. E eu era tão pequenina... Todas as tentativas patéticas dela de o prender a uma família que já estava destruida à anos. Isso incluia a adoção de Tate e do bebé, eram só meios para atingir um determinado fim, no caso, prender o meu pai. Nunca consegui entender como é que ela vivia tão bem sabendo que ele a traía constantemente...

-Tate? Preciso de te fazer uma pergunta.

Ele levantou-se e ficou a centímetros de mim.

-É uma pergunta idiota. Mas tu proteges-me certo? Dele?... -Não consegui segurar as lágrimas nos olhos.

-Nem que tivesse de matar Violet. Eu nunca vou deixar que te façam mal. Nunca. E sabes porque? Porque a minha vida não representa nem metade do que a tua para mim.

Abraçei-me a ele e deixei-me descansar. Não sentia culpa de estar tão próxima dele. Muito pelo contrário.

-Como é que consegues morar perto dele? Tantos anos a sofrer Vi...

-O que é que eu poderia fazer? Segundo a minha família nunca nada aconteceu. Sempre fingiram que foi tudo um mal entendido, uma mentira de uma criança amuada.

-É por isso que não te aproximas de ninguém? Porque tens medo que abusem de ti?

-Talvez em parte sim... Mas não posso fazer nada Tate. Estou presa nesta merda.

(...)

A viagem de volta a casa foi tranquila. Quando chegamos nenhum dos dois estava, só um bilhetinho a dizer que tinham levado Jonathan ao médico para umas análises de rotina. Já era tarde. Subi o escadario até ao meu quarto, despi a roupa e preparei um banho quente. Olhei-me ao espelho. Nada da sensação de euforia. Só um cansaço lancinante, absurdo. Uma quebra de energia como nunca tinha sentido antes. Tudo o que estava à minh volta parecia ligeiramente desfocado, como se as formas dos objetos não fossem fixas, afastavam-se e aproximavam-se em ritmos diferentes. Entrei na água quente e nem imagino quanto tempo estive lá dentro, sem fazer nada. Só a relaxar, a analisar a minha própria mente. Recordei episódios imenos da minha vida, como se os estivesse a ver por uma câmara de outra pessoa. Via-me a correr em direção aos braços da minha avó. Tinha um sorriso tão puro... O meu coração gelou quando olhei para o fundo da casa de banho e a vi ali. Com a pele pálida, as pontas dos dedos escuros, lábios roxos. Mas com um sorriso tão quente que me desfiz em lágrimas.

-Nanny? Vieste-me ver...

Ela não falou. Caminhou lentamente em direção à porta e saiu do compartimento. O meu coração estava perto de parar. O batimento irregular era semelhante ao principal sintoma de um ataque cardíaco. Foi então que senti a mão dela acarinhar-me no cabelo. Não tive coragem de olhar para trás. Limitei-me a permanecer quieta, sem me mexer muito. Belisquei o meu braço debaixo de água vezes sem conta para me convencer que nada daquilo era real, mas ela continuava lá.

-Ele é umdemónio Vi.

(...)

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⏰ Última atualização: Mar 23, 2018 ⏰

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