Nathan - "É como dormir"

1.8K 130 28
                                    

Pessoas que matam, me ligam para matar, e eu não atendo.

Homens sem alma me mandam mensagens querendo acabar com meus irmãos, minha única família, e eu os incentivei. 

Ignoro minha maldade de rotina, e foco nessa noite.

Segurei o diário dela sem nem ter lido tudo, mas depois de lido o suficiente com um isqueiro ponho fogo na ponta e coloco dentro da lixeira, não fiquei observando muito tempo o fogo tomar conta das memórias do meu falecido amor, porque ela havia deixado mais pra mim.

Vou até a sala e faço carinho no pedacinho que restou de Lisa. Não lhe dou nome, não quero me apegar, porque olhando pra menininha inocente no meu sofá, ela não tem culpa do mundo que nasceu.

Uma mãe e uma avó assassinada, eu não sou o tipo de homem que era com Lisa, e sem ela eu me tornei um demônio, matei gente, roubei e acabei com minha própria mãe sem ela ter culpa alguma. Fiquei perdido e confuso, e só perdi mais gente que amava. Cansei, não há mais motivos para estar aqui, e a minha ida seria uma oportunidade de uma vida melhor para minha filha.

A primeira vez que a ideia passou na minha cabeça, eu fiquei ansioso, enjoado só de imaginar. Mas fui tomado por uma paz que nunca senti em toda minha vida, ou talvez seja falta de sentimentos que fala.

Não sei, nunca senti paz pra dizer, mas eu não sentia nada, e isso me dava paz.

Talvez a paz seja a ausência de sentir.

Não estou ansioso para Mariah chegar, estou com receio que ela não venha, não quero que demore pelo simples motivo de minha filha estar aqui comigo, nem sei o que dar para ela comer.

Droga, Mariah sendo a tonta que é também não saberá, espero que consiga realmente trazer Ailee, ela saberia.

Gostei tão rápido de Ailee, mas fui traído mais rápido ainda. Nunca pensei que me aproximaria de outra pessoa depois de Lisa, gostaria que não tivesse.

Vou ligar de novo pra tonta, a bebê parece chorar.

-Estou a caminho, espera. - Ela atende, e nem me deixa dizer nada, esse foi seu alô.

Ando até o sofá onde deixei o bebê deitado entre almofadas, ela tenta chorar, mas não consegue emitir o som de seu sofrimento, encaro a careta da garotinha enquanto lágrimas molham suas bochechas.

-Ela está chorando, acho que ela sabe o que vai acontecer?- Digo

-Nem eu sei o que vai acontecer, quem dirá o bebê, o que vai acontecer, Nathan? - Insiste ela grosseira.

-Não faça nenhum gracinha Mariáh, quero fazer as coisas limpas e claras dessa vez, apenas traga Ailee aqui.- Porque liguei pra ela mesmo? Aé, não tenho ninguém.

-Estou chegando na casa dela agora. - Sinto um alívio só de ouvir isso, talvez eu não estivesse tão tranquilo quanto tentei me fazer acreditar.

-Não apronte, Mariáh, hoje não é um bom dia pra fazer suas trapalhadas. - Lembro-a, antes de desligar.

Desligo sem sequer me despedir, e faço carinho na barriga da minha filha, ela é tão quentinha e delicada.

Não sei como Mariáh conseguirá trazer Ailee depois de tudo que fiz para arruinar seu romance com aquele fotografo idiota. Encaro a bebê e alisando sua bochecha com apenas um dedo, ela é tão pequena.

-Eu sou muito mais legal que aquele idiota, mas, se algum dia você tiver que lidar com ele. - Credo, será que algum dia ela o chamará de pai? - Olha, filha, eu deixo ok? Não ficarei chateado se você pensar que ele é seu pai, melhor do que saber de toda a verdade.

Devo escrever uma carta? 

Hmm..

Não, nada de carta, nada clichê. Mas, como saberão minhas razões de abandonar minha filha? Ela não precisa saber as razões, só precisa não saber de nada. Não tem folha por aqui, pego uma caneta em cima da mesa, escrevo na parede? Não, vai que Mariah não consiga limpar depois e a polícia tire foto e vaze, pronto, o mundo inteiro saberá que eu não quero que minha filha saiba.

Escrevo na blusa branca da minha filha, "não me conte sobre meus pais, me dê uma vida nova"

Pronto, é isso!

Encarando o escrito em sua blusa durante alguns minutos e de repente...

Estou chorando, pensando na Lisa e quanto deve ter sofrido grávida sozinha enquanto estive longe, o quanto deve ter sido difícil partir daquele jeite. Imagino se ela demorou para morrer, se pensou em mim e no bebê que deixou pra trás. E se eu nunca tivesse achado o diário, teria morrido acreditando que minha mãe realmente a tinha matado... 

Tudo começou com o diário, que me fez ver que algo perturbava a mente de Lisa, e minha mãe a ajudava, e por isso procurei  por vídeos, onde vi o acidente, que me levou até os documentos de onde minha filha estava e agora...

... O neném se parece tanto com a mãe, e... Tem uma pintinha quase imperceptível no meio da testa, ela é tão fofa que me dói olha-la.

A cor dos olhos não está nem definida, parecem cinzas, podem tanto ficar azuis quanto marrons. Queria tanto saber como será quando crescer. E por um segundo, quase me vejo desistindo.

Escuto o barulho do portão, finalmente, se demorasse mais um pouco eu desistiria e ficaria com ela para sempre... Ando até a cozinha e aperto o botão para abrir, apesar de querer sair correndo para Mariah e Ailee não me verem sufocando ando calmamente, mantendo minha respiração tranquila, seguro a corda amarrada ao ventilador, ando até a mesa e subo. Amarro envolta do meu pescoço e fecho os olhos, visualizo eu, Lisa e a bebê juntos. 

Como uma família feliz nessa mesma cozinha de manhã sorrindo com o sol invadindo pela janela.

A ultima memória que tenho é do sol e pulo da mesa, a corda machuca como se me cortasse, e meu corpo balança de um lado pro outro, meu peito aperta gradualmente procurando  por ar até desesperadamente me bater por dentro, como se eu fosse o culpado por aquela dor. Preciso respirar meu cérebro implora, mas eu tento só pensar no sol e na minha família.

Demora mais que uma vida, mas é como dormir, você não sabe quando dormiu, só vai saber quando acordar, se acordar.




As quatro agendasOnde histórias criam vida. Descubra agora