Monstros tem nome?

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Muitas horas se passaram então.

Ronan ao abrir os seus olhos viu a bruxa a sua frente afiando uma lamina.

— Onde estamos? O que você vai fazer comigo, bruxa?! — perguntou, meio aturdido.

Ela respondeu com silêncio, enquanto tateava a mesa procurando a maçã que havia deixado ali.

— Responda!!! — gritou Ronan.

Ela virou o rosto na direção dele.

— Acha que eu vou te obedecer por elevar a tua voz? — revidou ela.

Ronan respirou fundo, tentando manter a calma. Não havia muito o que fazer na situação em que estava.

— Muito bom — disse a bruxa. — Eu não queria ter o trabalho de cortar a tua língua imunda. — Com a faca, a bruxa dividiu um pedaço de seda que encontrou e amarrou ao redor da cabeça, sobre os olhos.

— Você tem muita habilidade para alguém que não consegue ver — comentou Ronan, tentando despertar nela algum tipo de emoção. Era uma medida desesperada já que ele não podia fazer nada preso ali.

— Há muitos outros sentidos além da visão, homenzinho — Suspirou. — Mas o que um peão poderia saber sobre isso, não é mesmo? — Sentou-se numa cadeira em frente a Ronan, que estava amarrado nu na pilastra que sustentava a casa. — Até mesmo porque eu posso ver. Manter meus olhos fechados é uma escolha.

Ronan estranhou a revelação.

— O que quer dizer com isso? — perguntou.

— Eu ainda não sei explicar o como, mas nasci assim. — Ela sorriu, mas parecia decepcionada. — Mas eu nunca quis ser assim. Sabe o que é não poder contemplar o rosto daqueles que ama? — Apertou o punho, perfurando a pele com as garras negras. — Eu queria muito poder ter olhado nos olhos daqueles com quem eu me deitei. Queria poder ver todos aqueles que eu amei. Eu queria poder olhar para o rosto da minha mãe mais uma vez.

Ronan pareceu preocupado e surpreso com o que ouviu dela. Após pensar um pouco, disse:

— Talvez eu saiba de alguém que possa ajudá-la.

Ela gargalhou

— Você só pode estar brincando se pensa que eu vou até a tua civilização buscar a cura com os teus padres. — As lágrimas do seu suave riso coloriam de vermelho o tecido que cobria seus olhos. — Você é engraçado, Ronan.

— E porque não? Se eles souberem da sua história, mudarão de ideia ao seu respeito — sugeriu ele. — Existem pessoas boas dispostas a conhecer outras como você.

— Não... — ela respondeu, desacreditada. — Desde pequena eles me temem. Eles não compreendem e eu não espero que tentem compreender. Todos estão preocupados apenas com as suas próprias vidas; apenas com o almoço de cada dia, se poderão pagar os seus impostos e sobre quantos filhos irão deixar para o futuro — disse, mantendo um sorriso perturbado. — Para as outras pessoas, eu sou apenas uma monstruosidade, ou mais do que isso, para elas eu sou apenas um problema meu.

— Com o seu poder, você poderia conquistar o mundo, se quisesse. Poderia ser a rainha da França, talvez do mundo todo — disse o soldado. — Imagine quantos homens estariam aos seus pés.

— Não, eu não poderia. Há coisas entre o céu e o inferno que você desconhece. Além do mais, eu não tenho vontade alguma de conquistar esse seu mundo podre, homem. Não tenho vontade de servir as pessoas que querem me destruir. — Tremia de raiva. — Eu os odeio! Eu odeio todos deste lugar! Eu odeio a vida! O que eu poderia amar aqui nessas terras? — Arfava de ódio enquanto falava. — Se eu governasse esse lugar, não sobraria uma alma humana viva, pois eu as destruiria. — Parou, pensou e reafirmou. — Mas eu não poderia reinar.

Idílica MisantropiaOnde histórias criam vida. Descubra agora