O vazio de Ahnara

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Ahnara ajoelhou-se no chão para desenhar algo circular.

— Bem chegou a hora de eu terminar com isso — Disse o Merlin, afastando-se um pouco ao notar que precisava fazer algo antes que a sacerdotisa escapasse — Desirée. — Enxugou as lagrimas da jovem. — É a sua vez de protagonizar essa história. Mesmo Arthur teve dificuldades de remover a espada, não desista agora!

O Merlin se afastava vagarosamente formando uma esfera de energia com o seu cajado.

— Artos Ajude-a. Eu e Ahnara teremos uma última conversa. — Disse ele lançando chamas no meio do círculo o qual a rainha preparava às pressas. — Não permitirei que invoque-os. Desista, do jeito que está nem mesmo você pode me derrotar.

Artos uniu-se a Desirée. A jovem novamente apoiou os dois pés contra a o tronco da arvore e inclinou-se para trás usando o seu corpo todo como alavanca enquanto Artos puxava o seu braço para trás, grunhindo e gemendo. — Saia maldita espada!!! — A força foi tamanha que que os seus ossos rangeram devido ao esforço de ambos, a dor foi intensa.

— Se não fosse por você, nada disso teria acontecido — Disse Ahnara ao Merlin durante o ocorrido.

— Você, mesmo nessa idade não é nada mais do que uma criança mimada. Uma criança mimada com o poder de uma Deusa. Sabe Ahnara, apesar da nossa resistência contra o império romano e os seus homens de cristo você sempre teve tudo o que Avalon pode proporcionar. — disse. — Mas mesmo assim nada disso fora o suficiente para você, seus olhos sempre foram obsessivos demais. — Concluiu.

— O que você sabe sobre mim e as minhas razões? Não pense que conhece todos os meus segredos apenas por conviver comigo por todos esses anos. — Respondeu ela.

— Me dirá que fez tudo isso por Avalon, não é mesmo? Que fizeste tudo para proteger a arvore da vida e o nosso único refúgio diante do fim do mundo que se aproxima, não é mesmo? — perguntou.

— Eu fiz. — E você não suportou que uma que pudesse ir mais longe do que você. Confesse Uthyr! — Apontou.

— Não se engane, Ahnara. Não tente projetar em mim o que você sente a respeito de Desirée. — respondeu.

— Não acredito que você está dizendo que essa garota tem mais potencial que eu. — Indignou-se, seria. — Não está superestimando a sua discípula?

— Eu não precisaria dizer o que você já sabe, Ahnara. Você viu o futuro, não é mesmo? — perguntou.

Ahnara silenciou-se cerrando os dentes.

— Achou que roubar os olhos de Desirée a impediria de que ela se tornasse quem ela será um dia? Achou que o futuro pudesse mudar ao seu favor, mas, ao fazer isso apenas influenciou-o a ocorrer como ele deveria ocorrer? Eu já os avisei diversas vezes sobre o perigo das visões. Um erro crasso para alguém com o seu potencial. — Afirmou, com convicção o Merlin.

— Como você pode saber? — Disse Ahnara — Você fala como se soubesse exatamente o que eu vi.

— Minha experiência revela que não importa o que você viu, Ahnara, mas o que eu estou vendo agora. Eu a conheço desde pequena e sei quando está mentindo ou escondendo algo. — Lamentou — Há alguns truques que não depende de grande talento, mas, de experiência de vida. Algo que eu tenho muito mais do que você. — Afirmou com convicção.

— Você está certo — Admitiu Ahnara, Tranquilizando-se. — Mas isso não muda o fato de que você não sabe o que eu vi. A sua discípula não é nada disso o que você vislumbrou a anos atrás. Ela não é como Arthur e nenhum dos anteriores a ele. E ela não será uma rainha como nós Avalonianos acreditamos que ela seria. — Derramou sangue pelas orbitas vazias dos seus olhos, chorando silenciosamente.

— O que quer dizer com isso? — Perguntou o Merlin.

— Quero dizer eu fui a única esperança dessa terra e que você trouxe o caos para ela por causa de suas malditas visões. A sua nostalgia pelo reino Arthuriano trouxe a desgraça para a nossa sagrada terra. Olhe a sua volta. — Falou com profunda sinceridade.

O Merlin preocupou-se por um instante. Ahnara, nunca admitia algo. Existe algo que fez com que ela mudasse de postura, mas, o que era?

Ele se aproximou da Bruxa ajudou-a a ficar de pé.

— O que está fazendo? — Perguntou Ahnara.

— O que você acha? — Suspirou — Eu não abandonaria você até entender as suas verdadeiras razões para fazer o que você fez aqui. Por pior que seja, você é ainda a minha primeira Discípula. O que Morgana diria se eu deixasse você para trás sem tentar te convencer até o último instante?

Ambos caminharam em direção a lamina presa na Arvore da Vida que estava sendo inutilmente puxada por Desirée com o auxílio de Artos.

— Ela não sai... — Disse Desirée, indignada. Até que percebeu que o Merlin estava voltando acompanhada da sacerdotisa.

— Vovô o que está fazendo? — Perguntou Artos, Desacreditado. — Não faça isso! — Descrente — Eu não acredito... Depois de velho ficou inconsequente?

— Fazendo o que é certo, fazendo o que eu os ensinei vocês três a fazer. — O velho sorri — Nós, que somos capazes de vislumbrar o mundo que virá, não devemos jamais deixar morrer, ou destruir alguém sem entender as suas razões ou a sua função no destino que está porvir, por pior que seja esse alguém. — Respondeu. — Eu já cometi esse erro uma vez — Revelou recordando-se de Jeanne D'Arc.

— Eu sabia que diria isso, Velho. — Disse a mulher após atravessar as costas do velho com as próprias unhas em forma de laminas enquanto este se esforçava para ajudá-la.

O Merlin caiu no chão diante de Ahnara tentando respirar com dificuldade, entretanto, o seu pulmão rapidamente preencheu-se de sangue, ele tossiu.

— Vovô!!! — Gritou Artos!

— Por Deus! O que houve?! — Perguntou Dietrich assustado e sem poder ver. Ele correu ao ouvir o ruído das laminas, porem caiu no chão sem poder fazer nada a respeito. — Inferno!

— Uthyr!!! — Gritou Desirée.

— Porque, Ahnara? Quando foi que você se tornou um monstro? — Perguntou Merlin Decepcionado com sua ex discípula.

— Não me leve a mal, velho. — Sorriu lambendo o sangue das suas garras — mas eu estou cansada dos seus sermões, do modo como você acha que sabe de tudo sobre todos. Estou cansada de como você foi incapaz de enxergar o mal que as suas conjecturas causaram a todos nós. — Ahnara cuspiu sob o corpo desfalecido do velho . — Graças a você nós entregamos as nossas cabeças a um devaneio ao invés de nos defendermos.

— Você tem razão, Ahnara. — Disse o Merlin. — Eu fui tolo muitas vezes tentando salvar-nos desse destino aparentemente inevitável — Suspirou — É por isso que ao invés de destruí-la eu decidi ajudá-la e que em decorrência disso você não cometesse os mesmos erros que eu cometi. — Confessou. — Mas parece que é tarde demais.

— Você Falhou, inúmeras vezes, Uthyr. Você nunca será como Taliesin. Dessa vez eu farei tudo o que for necessário sem as suas interpretações idiotas a respeito do futuro. — Completou Ahnara satisfeita ao ver que Desirée não conseguira remover a espada da arvore.

— Você nunca se curou da morte de Jeanne não é mesmo? — Eu devia ter percebido que esse vazio que sente é muito maior do que todos nós suspeitávamos. — Tossiu sangue.

— O que eu poderia dizer para que você pudesse entender sobre isso, velho? — Suspirou — Não se trata de amor, mas de profundo ódio por todos os responsáveis por ceifar a sua vida. Não se trata de amor por Jeanne, mas, de ódio por todos que levaram as mulheres das nossas terras para serem queimadas em nome do novo deus dos romanos enquanto nós nos escondíamos entre as brumas. Por acaso você acha que isso é pouco? — Perguntou.

— Não acho que é pouco, acho que apenas... — suspirou — inevitável. — Concluiu segundos antes de derramar as últimas lagrimas enquanto os seus olhos perdiam o brilho da vida e os gritos dos seus protegidos invadirem o espaço.

Os olhos de Desirée se dilataram devido ao terror que sentiu. Enquanto isso Artos avançou em direção a Rainha com seu arco, disparando como louco em direção a Ahnara.

Idílica MisantropiaWhere stories live. Discover now