As vozes do abismo

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— É parece que ela finalmente teve o que mereceu. — Disse uma voz interior.

— Não diga isso, ela é só uma menina, você sabe bem. — Respondeu outra.

— Por acaso você esqueceu do que ela fez com a gente? — Justificou a primeira.

— Não, absolutamente. Mas é preciso compreender pelo que ela passou todo esse tempo. Nem mesmo nós passamos pelo que ela passou — Pausou — digo, antes de viermos parar aqui dentro.

— Viu só. — Graças a ela nós fomos obrigados a passar por todas as suas memórias, graças a ela precisamos passar por todas as malditas desgraças que ela passou no passado e no presente. Nós não merecíamos estar aqui!!

— Não mesmo? Por acaso se esquece de que tentamos estupra-la?

— Nós tentamos estupra-la? — respondeu indignado — Foi o capitão que tentou estupra-la, eu não tenho nada a ver com isso!

— Como não tem nada a ver com isso? — Nós seguimos as suas ordens, não é mesmo? Nós poderíamos ter feito diferente, não é mesmo?

— E por acaso você pretendia desobedecer as ordens do capitão? Por acaso não lembra do último soldado que se revoltou contra as ordens do seu superior?

— Sim é verdade... — Disse um terceiro — torturaram ele por dias e ameaçaram a sua família. Depois ele desobedeceu novamente e então eles fizeram tantos horrores com a sua mulher e a sua filha que eu mal tenho coragem de repetir aqui. Depois mataram ele.

— Você não precisa repetir, todos nós sabemos disso. — Disse o primeiro — Inclusive ela. — Concluiu apontando do para a luz a sua caída a frente.

— Será que ela não vai mais voltar?  —  perguntou referindo-se a mesma luz. —  E o que acontece se ela morrer? Nós continuaremos presos a ela? — Perguntou o terceiro.

— Eu não faço ideia, mas, eu não aguento mais viver dentro dessa pirralha nojenta. Ela sofre demais. — Respondeu o primeiro.

Todos concordaram em uníssono. 

Todos exceto uma única alma ali no meio das centenas de almas, quase apagada pelo tempo.

— Parece que a está desaparecendo. — Disse o segundo referindo-se esta alma translucida.

— Ela é a mãe da garota. A primeira vítima dos seus olhos monstruosos. — explicou o primeiro — Ao que parece nem mesmo as almas são eternas.

— Sim sou eu mesma. — se manifestou a alma quase translucida. — E eu estou assim, porque estou finalmente morrendo depois de quinze longos anos. — Explicou ela. — Eu não faço ideia se as almas são eternas, mas algo me diz que eu desaparecerei em breve. 

— Mas tudo o que eu sinto agora é pena por minha filha por ter de viver com tipos como vocês dentro da cabeça dela. — Admitiu.

— Mas, você é a culpada disso tudo! — Exclamou o segundo. — Que tipo de pecado você cometeu para criar um monstro como essa menina?! — Julgou.

— Com certeza ela fornicou com o diabo, eu não vejo outra explicação. — Acusou o Terceiro. — Deve ter sido bom não é mesmo? — Lembrando-se das memorias sexuais da mulher,  extasiado. — Mas veja só o resultado disso! — Concluiu.

— Você sabe que se eu soubesse responder isso, você também saberia, pois estamos todos ligados aqui dentro. Tudo o que eu sei  e sinto é o que vocês sabem e sentem, a unica diferença entre nós é a nossa própria consciência.

Todos consentiram.

— O caso é que você não era muito diferente de nós em vida. — insistiu o primeiro. — Não pense que por ter sido a mãe dela seus pecados tenham desaparecido. Uma vez que se muitos de nós cometemos crime, estupramos e matamos. Mas você não somente sabia disso, como também, aprovou os nossos atos em beneficio proprio, você nos manipulou para que fizéssemos isso. Você não era nada mais nada menos do que a prostituta do rei, Agnes Sorel.

— Sim, eu não poderia mentir a vocês. Agora vocês sabem de tudo sobre mim, assim como eu sei tudo sobre vocês e nós todos sabemos tudo sobre ela. — Referindo-se a alma luminosa no centro da escuridão.

— Eu estou consciente do que fiz, nunca soube realmente no fundo desta alma que vos fala que as minhas decisões como amante causaria tantos problemas a minha pequena criança. Porque se por um lado as decisões que tomei levaram vocês a cometer tantas barbáries, por outro, Desirée se fere todos os dias pelo mesmo motivo. Em vida eu fui mesquinha, mimada, egoísta mas, não conseguirei nunca voltar atrás e mudar o que eu fiz. — A alma de Agnes se iluminou de emoção.

Ela não tinha lagrimas mas podia chorar, não peito mas pode sentir a angustia, e devido a sua sua condição, todos eles partilharam daquele mesmo pranto.

— Pare com isso, por favor! — Suplicou o segundo.

— Eu não quero sentir! Eu não suporto isso. Disse outro deles implorando para que ela parasse de sofrer.

— A Garota precisa morrer, eu não suporto mais isso! — Disse o primeiro.

— Nós estamos aqui por um motivo. Independente do que fizemos no passado, presenciamos coisas incríveis aqui dentro dela, compartilhando das mesmas dores, e das mesmas alegrias. — Disse Agnes. — Talvez todos nós tenhamos merecido estar aqui afinal de contas. Todos menos Desirée. Ela não merece nada disso.

— Eu tinha família e filhos tambem, eu não queria obedecer o capitão. Eu não tive escolhas, pois se tivesse eu não estaria aqui.

— Independente se queria ou não proteger a sua família, você teve escolhas e a escolha que fez te trouxe aqui. Aceite o seu destino. — Disse Agnes — A unica que não teve escolhas foi ela. 

— A vida as vezes nos coloca em dilemas que não podemos resolver. Todos nós sabemos que ela não queria nos matar. Ela nunca quis matar ninguém, mas, teve que fazer. Por que não teve como ser diferente do que foi. Porem, a vida colocou nela aqueles malditos olhos, e nenhum de nós podemos discordar que ela não escolheu nascer assim.

—  A vida fez Desirée do jeitinho que ela é. Cabe a ela escolher o que fará com a dor que nós oferecemos a ela. Eu garanto que ela não vai nos decepcionar. — Emocionou-se positivamente, a alma de Agnes. Todos se sentiram bem tambem. — Mas agora ela precisa acordar. — Concluiu.

— Acorde Desirée! — Disse a alma de Agnes a sua consciência.

— Acorde Desirée!! — Disse o centenário de almas presas em sua consciência adormecida.

— Acorde Desiréee!! — Ouviu a voz ao fundo em meio a ganidos de um lupino em sofrimento.

— Acorde Desirée!! — Ouviu a voz de alguém muito familiar.

Desirée sentiu algo tocar o seu peito, Desirée sentiu seus lábios sendo tocados por outros lábios.

— Você não pode Morrer! — A figura familiar socou o peito da garota em desespero, que começou a respirar novamente.

Desirée Abriu os olhos

— Artos! — Disse ela ao se deparar com o jovem ao seu lado fazendo de tudo o que podia para que ela pudesse voltar a vida. — Você escapou. O que está acontecendo? — Perguntou ela embriagada devido a fraqueza da experiencia de permanecer no estado entre a vida e a morte.

— Não importa ! Você precisa se levantar agora e tirar a espada!

— Mas.. 

— Agora Desirée! Ahnara está sendo distraída por Dietrich e os demais cavaleiros. O momento é único! Carregou-a no ombro e apoiou a mão direita da garota recém 'ressuscitada' na espada. — Só você pode fazer isso!!

Idílica MisantropiaWhere stories live. Discover now