Capítulo 3 - A Dama da Noite

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Sim, de fato... O conteúdo da caixa. Ele me traz à tona as profundezas de minha loucura. Não apenas a loucura em si, mas os seus primórdios.

Ao contrário do que todos pensam, a loucura não me acompanha desde meu nascimento, mas ela nasceu de mim. Ela nasceu naquele dia, naquele fatídico dia, em que a escuridão me alcançou.

Para que eu possa contar o princípio de minha loucura, antes preciso voltar às minhas raízes. Não simples raízes, mas raízes tão profundas, que se assemelham ao mais profundo abismo. Afinal, uma árvore não pode se sustentar sem as suas raízes. Embora a minha já esteja morta e apodrecida há muito tempo.

E é lá, na mais profunda escuridão em que tudo começa.

Naquele mais profundo abismo.

O meu ser.

Ano de 1708, primavera. Vilarejo de Blackthorn.

Doze anos atrás.

— Nunca baixe a guarda — gritou o mestre Ludwig, ao me derrubar.

Eu me levantei rapidamente, me recolocando na postura de combate e firmando minha espada de lâmina cega um pouco à frente do rosto, me preparando para me defender novamente de seus ataques.

Ludwig começou com investidas pela minha esquerda. Era sempre assim, ele sempre atacava pela esquerda. Embora previsível, ele não era bobo, ele sabia que eu tinha dificuldades para defender ataques daquela direção e usava contra mim.

Eu defendi os dois primeiros golpes, mas o terceiro foi a minha queda. Ele percebeu que eu estava focado apenas em defender os golpes de sua espada. "Nunca abaixe a guarda", ele sempre dizia. E foi exatamente o que eu fiz, quando ele me passou uma rasteira, me derrubando e levando a ponta de sua espada em meu pescoço.

— O que eu acabei de dizer, garoto? — disse Ludwig, com sua feição carrancuda de sempre.

— Eu sei, mas eu... — Virei o rosto de lado, bravo por ter cometido o mesmo erro duas vezes.

— Chega por hoje — Ludwig me interrompeu de forma ríspida. Em seguida, levou sua espada à bainha e deu de costas.

— Eu queria treinar mais um pouco, mestre. — Tentei retrucar, mas recebi um olhar furioso de volta.

Ludwig o velho carrancudo, era como eu o chamava. Seu rosto de expressões fortes e sua barba negra e cheia, o dava um aspecto inconfundível de um ferreiro. Combinando ainda mais com a sua careca brilhante, não tão brilhante no momento, por causa do carvão misturado com o suor que cobria seu rosto. Se bem que, se sujar, também faz parte do ofício de ser um ferreiro.

Sempre que tínhamos um tempo de sobra, Ludwig me ensinava a lutar. Ele dizia que era bom saber manejar uma espada, nunca se pode prever quando iria precisar usar uma. Uma vez eu o perguntei onde ele tinha aprendido a lutar, e ele me disse que um ferreiro que não sabe usar uma espada não é um ferreiro de verdade, por isso sempre soube lutar.

— Pare de me olhar assim. Vamos, pegue aquela maleta em cima do balcão para mim. — Apontou para uma maleta de aparência um tanto quanto diferente no canto da oficina suja e escura. Parecia revestida de um ferro negro, eu nunca tinha visto nada parecido. Pelo visto era uma encomenda nova.

Ludwig já fora o maior ferreiro do reino. Durante a grande guerra, ele fabricara mais de cinco mil espadas e escudos, agora apenas trabalhava com ferramentas como ancinhos e enxadas. Essas encomendas eram exceções; geralmente espadas ornamentadas solicitadas por nobres, o que rendia um bom dinheiro. Por isso, eu me sentia honrado em ser seu aprendiz, e sonhava algum dia ser tão bom quanto ele no ofício. Mal sabia eu, que não fabricaria armas, mas as usaria para tirar incontáveis vidas. Quando penso que tudo poderia ter sido diferente se eu apenas tivesse seguido outro caminho...

O Matador de Deuses - TenebrisOnde histórias criam vida. Descubra agora