Capítulo 38 - Lágrimas

96 9 4
                                    

Novamente aquele mesmo lugar.

A mesma sala escura e vazia de meus pesadelos.

Eu já nem mesmo me lembrava da sensação de estar ali.

A criatura havia voltado e, trazido com ela, seus pesadelos.

E lá estava ele, o monstro, de costas para mim. Seu aspecto vazio e formato humano era inconfundível. Dessa vez, sua cor não era esverdeada, mas sim negra como aquela sala lúgubre. Uma escuridão tão profunda quanto a mais densa noite. É difícil explicar como eu conseguia ver sua forma, mas de alguma forma eu podia vê-lo.

— O equilíbrio está desfeito... — disse a criatura se virando para mim.

— E a tormenta se inicia — completei.

A criatura sorriu, com aquele sorriso inconfundível, preenchendo toda a sua face vazia.

— Eu me lembro dessas palavras, mas o que elas querem dizer? — perguntei à criatura.

— Não há luz sem trevas e não há trevas sem luz. — A criatura cada vez mais se aproximava de mim, até ficar frente a frente comigo. — Sem o equilíbrio, não há nada além do mais profundo vazio.

— Eu não entendo nada disso, e o que isso tem a ver comigo? — perguntei ao monstro.

A criatura soltou algo parecido com uma gargalhada, mas de um jeito animalesco e demoníaco. Sua mão agarrou meu pescoço e me levantou. De alguma forma, eu não tinha força alguma para reagir. Era como se a criatura tivesse total controle sobre mim.

— Apenas faça o que tens de fazer ou... — A face da criatura agora tomava forma. Era a mesma face do homem da cicatriz. — Simplesmente morra.

O ser me soltou, e o chão em que eu pisava não existia mais. A figura de minha casa em chamas reluzia ao fundo no horizonte.

Eu estava desabando em um abismo.

Um abismo com nada além da mais profunda escuridão e o mais profundo vazio.

· · • • • · ·

Ano de 1710, Inverno. Cidade Branca.

Dez anos atrás.

Acordei ofegante e suando frio, como se meu corpo tivesse vivenciado aquilo mais do que minha própria mente.

— Finalmente acordou.

Minha visão focou ao meu redor. Eu estava em um quarto grande com paredes de tijolos brancos. Um quarto cheio de camas, algumas com cortinas em volta e outras sem. Algum tipo de enfermaria talvez. Senti algo em meu pescoço, era meu pingente. Eu estava com ele novamente, isso explicava os pesadelos terem voltado.

Sentada em uma cadeira ao lado da minha cama estava Sarah, com aquele mesmo olhar de despreocupação. Parecia esperar que eu falasse algo.

— Sabe, eu também tenho pesadelos. Eu já acordei muitas vezes assustada assim como você, não há do que se envergonhar — disse Sarah.

— Eu... — Me sentei na cama. — Aquilo foi mais do que um pesadelo.

Até quando isso ainda vai me atormentar? Pensei.

— Aliás, bom trabalho no exame. Você me surpreendeu. — Sarah parecia envergonhada por me elogiar. Ela virou o rosto de lado.

— O exame... — Arregalei os olhos ao lembrar do que tinha acontecido. — Eu... Eu fiz mesmo aquilo? — Olhei para a minha mão.

O Matador de Deuses - TenebrisOnde histórias criam vida. Descubra agora