Capítulo 17 - A honra e o covarde

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A cidade de Ashford não era a maior cidade do reino e nem mesmo uma das maiores. Mesmo assim, comparada com Blackthorn e Florencia, era relativamente grande. Por ser rica em comércio, vendedores de diversas partes do mundo vinham até Ashford para tentar a sorte com suas mercadorias. Por se tratar de uma cidade perto de uma rota fácil entre Fronteira Real e Porto Vermelho, todos tinham de passar por ela, assim era inevitável que viajantes parassem na cidade para comprar mantimentos ou usufruir de uma taverna.

A cidade estava bem movimentada naquele dia. Pessoas de todos os tipos preenchiam as ruas de vida. Eu me sentia desesperado, com medo, como se algo ruim fosse acontecer a qualquer momento. Enquanto que, Sir Lawrence, parecia despreocupado, andando até as barracas da praça e jogando conversa fora com os vendedores.

Entramos em uma loja bem ornamentada, chamada de "Ponta da Lança", o que me lembrava um pouco loja de Ludwig. O chão da loja brilhava sobre uma madeira escura lustrosa. A loja estava repleta de armas de todos os tipos, muito bem polidas e bem cuidadas. A julgar pela beleza das armas, com certeza o ferreiro que as confeccionou era tão bom quanto Ludwig.

— Olá senhor Dorand, o que temos para hoje? — cumprimentou Lawrence, chegando ao balcão. Eu fiquei parado à porta.

— Oh... é você, Law? — respondeu o velhote, que parecia enxergar com dificuldade. Ele ajustou seus óculos para tentar ver melhor.

— Cego como sempre, em — exclamou Sir Lawrence, soltando uma risada. — Aqui está a lista de coisas que vou precisar para hoje. — Lawrence deu a lista para o velho, que teve de ajustar novamente os óculos para enxergar o que estava escrito.

— Ah... pequeno Lawrence, sempre pedindo esse tipo de coisa. Posso ser cego, mas tenho bom senso para dizer que já passou da hora de se aposentar — aconselhou o velho.

— Se eu aposentasse, quem iria fazer o que eu faço? — Lawrence deu de ombros e forçou um sorriso.

O velho ajustou novamente seus óculos ao me perceber ao fundo. Sua feição se tornou em uma feição de curiosidade.

— Um momento, vou ver se tenho tudo aqui — assentiu o velho Dorand, entendendo o que Lawrence quis dizer.

O velho então gritou para que seu ajudante buscasse os materiais da lista. Um jovem rapaz veio correndo até ele. Parecia ter a mesma idade que eu tinha quando trabalhava com o ferreiro. Seu sorriso tão cheio de vida e esperançoso, como se ele admirasse aquele velho senhor. Aquilo me trazia antigas lembranças. As memórias na qual eu buscava tanto esquecer vinham em minha cabeça, como uma enxurrada. Meu coração disparava ao lembrar novamente daquela noite a qual eu tanto tentava esquecer. Eu me lembrava de Ludwig morrendo por minha culpa, dos meus amigos que não pude salvar. Me lembrava de minha mãe, morta sem nem mesmo ter tido tempo de dizer adeus ou me desculpar. E, por fim, Nara.

Me afastei, saindo pela porta da loja, então comecei a correr. Pude ouvir ao fundo Lawrence gritando para que eu esperasse. Vozes acusadoras em minha cabeça, em uma mistura de sussurros, me atormentavam.

Continuei correndo pelas ruas sujas e movimentadas de Ashford, desesperado e trombando entre as pessoas pelo caminho. Eu não sabia por que estava fazendo aquilo. Por que eu tinha resolvido sair da catedral? Talvez, no fundo, eu quisesse sair de lá, ver com meus próprios olhos aquele mundo novamente.

Acabei esbarrando nas costas de um homem calvo e alto ao virar correndo por uma esquina e caindo no chão sujo e lamacento. Ele gritou para que eu tomasse mais cuidado. Me levantei e percebi várias pessoas paradas, observando algo naquela rua. Sem entender o que estava acontecendo, fui me esgueirando por entre aquela multidão até chegar à frente. Por mais que eu estivesse confuso e conturbado, minha curiosidade falava mais alto.

O Matador de Deuses - TenebrisOnde histórias criam vida. Descubra agora