Capítulo 18 - Monstros

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Voltei para o meu quarto. Um quarto pequeno e simples, sem muitas coisas além de minha cama e um criado-mudo. Eu gostava daquele quarto, exatamente por ser assim, me trazia um sentimento aconchegante de segurança e de lar, embora não fosse. Fiquei deitado, olhando para o teto e pensando naquelas palavras. Seria eu, nada além de um garoto acovardado? Mas o que alguém fraco como eu poderia fazer? Pensar em vingança me fazia sentir infantil e impotente.

Dois toques curtos se sucederam na porta do quarto. Era Loretta, sempre usando seu hábito branco. Em seu rosto, um meigo sorriso e aquela expressão serena entre as marcas de rugas.

Loretta de certa forma foi quem cuidou de mim desde que fui levado a igreja. Se não fosse por ela, talvez eu nunca recuperasse daquela noite. Eu me lembro de quantas vezes acordava aos gritos em meio a febres altas. Apesar de tantos pesadelos, ela sempre esteve lá para me acalmar.

— Fiquei sabendo que foi à cidade hoje — falou Loretta, sentando à beira de minha cama. — Parece que foi um bom progresso, você se divertiu?

Meneei a cabeça negativamente. Loretta franziu o cenho.

— Sabe Jack, eu me lembro de quando você chegou aqui há dois anos. Trazido por aquela nobre, praticamente sem vida. Através de um milagre de Lumina, você sobreviveu. Seu corpo se recuperou rápido, mas sua mente não. Você se parecia com um pardalzinho assustado. Era desconfiado de tudo e todos e estava sempre tentando se esconder, ficar sozinho ou fugir... Olhe agora para você. Seu olhar não é mais de um pequeno pardal, mas sim o de um falcão. Jack, se você realmente superou esse medo, me diga o que ainda te impede de sair de sua própria gaiola e voar? — As palavras de Loretta saíam suaves, me impossibilitando de sentir raiva ou tentar contestá-la.

Ficamos ali, em silêncio, durante alguns minutos. Ela me deu um beijo na testa e rezou para que o seu Deus me guardasse, em seguida, começou a se retirar. Quando chegou até a porta, eu finalmente falei:

— Obrigado.

Foi uma palavra curta, e para muitos, seria algo sem muita relevância, mas naquele momento, significou muita coisa para mim, e Loretta sabia disso. Ela simplesmente sorriu de soslaio e se retirou.

· · • • • ✤ • • • · ·

Aquela noite estava bem mais fria que o costumeiro, me arrependi de não ter levado um agasalho. O cemitério de Yarram podia ser bem amedrontador numa noite fria e enevoada. Ainda mais depois de tantos relatos de crianças desaparecidas na cidade. Eu não era mais uma criança, já tinha dezesseis anos, mesmo assim, ainda era perigoso estar ali.

Olhei em volta, procurando por Lawrence, mas não o achava em lugar algum. Será que o cavaleiro tinha me pregado uma peça? Ele não parecia ser esse tipo de pessoa. Na verdade, eu não sabia, já que não o conhecia de verdade. Aquilo me fazia repensar se o que eu estava fazendo não era alguma loucura.

Notei que o portão do cemitério estava aberto. Provavelmente Lawrence tinha aberto e entrado lá dentro. Eu esperei por mais alguns minutos até decidir finalmente entrar.

Se do lado de fora já era assustador, o interior era aterrorizante. Lápides por todos os lados, mausoléus estranhos e estatuas que, à luz bruxuleante do luar, davam um aspecto de estarem vivas. Meus sentidos estavam no auge, no silêncio daquela noite, qualquer vento, qualquer arbusto que se mexia, disparava meu coração, fazendo-o bater mais forte.

Continuei andando pelo cemitério até parar em frente a um grande mausoléu. Grande o bastante para se parecer com uma capela. No telhado, duas estatuas de gárgulas, pareciam me encarar. A porta estava aberta, e a luz de uma tocha reluzia em seu interior. Alguém devia estar lá dentro.

O Matador de Deuses - TenebrisWhere stories live. Discover now