Capítulo 7 - Nada além de cinzas

50 7 2
                                    

A fera correu para cima do rei e de seus soldados. Dei de ombros e saí da sala. O desespero tomou conta daquele lugar. Todos saíam correndo em desespero, pisoteando os que caíam, tentando se salvar da cena de terror. A medida em que ia me afastando, os gritos de desesperos reverberavam uma trilha sonora perfeita em minha mente. Pelos barulhos, provavelmente a fera estraçalhava todos que entravam em sua frente naquele lugar. 

— Parem aí mesmo, seus bastardos malditos. — Um cavaleiro vestindo a típica cota de placa de aço com adornos roxos, sinalizando ser da guarda real, acompanhado de mais outros três, levantava sua espada contra mim, Erwin, Greggory e Raed.

Raed, puxou sua espada curva, fazendo com que os outros desembainhassem as suas espadas também. Eu reconheci o cavaleiro à minha frente, apesar do elmo, sua voz era inconfundível. O capitão da guarda do rei.

— Capitão Eymor. Acha mesmo que pode me derrotar? — afrontei-o.

— Sir Jack o louco, ouvi dizer que está velho e fraco. Me disseram que não é nem sombra do que outrora fora e que a loucura o tomou. Talvez eu tenha uma chance — disse Eymor, ainda com a espada em riste.

— Você pode pagar para ver, capitão Eymor — respondi, dando de ombros. —, mas enquanto conversamos, seu rei pode estar virando comida de fera.

Eymor, com relutância, embainhou sua espada e deu sinal para que os outros assim fizessem. Eu também dei sinal para Raed guardar sua cimitarra.

— Eu ainda vou te matar — disse Eymor, passando correndo por nós.

Chegando aos portões da cidade, dei ordens para que Lorenk e seus conselheiros de guerra, levassem as tropas que o rei nos cedera e pilhasse o máximo de mantimentos que conseguisse no castelo. Ele novamente foi relutante ao acatar minhas ordens. Eu não tinha tempo para suas besteiras, eu tinha soltado uma fera em cima do rei, e agora precisava sair daquela cidade com um exército e com comida. Lorenk provavelmente não conseguiria completar a tarefa, mas me faria ganhar o tempo que precisava.

— Erwin, reúna todos nossos homens restantes e mandem que marchem para os portões da cidade — dei a ordem e ele obedeceu sem pestanejar.

— Raed, Sir Greggory — chamei-os. — Reúnam alguns homens e subam até as torres das sentinelas. Abram os portões à força e queimem as torres. Não poupem ninguém que entrar em seus caminhos. — Ambos assentiram com a cabeça e saíram para seus objetivos.

Fitei o horizonte daquela cidade. Ao fundo pude ouvir a agitação daquele lugar, pessoas gritando, espadas se colidindo e soldados marchando. Pelo visto a guarda real alcançara Lorenk e seus homens e os impedira de pilhar os mantimentos do castelo. Ele não tinha chance contra aqueles soldados. Muitos dos homens sob seu comando moravam na cidade e não iriam o obedecer. Provavelmente eu os mandara para a morte.

— Senhor, consegui reunir sessenta soldados — disse Erwin. — Quais as ordens?

— Esperamos — respondi. Erwin não pestanejou, apenas esperou pacientemente ao meu lado.

Logo atrás, soldados do rei marchavam em nossa direção, com seus escudos e lanças. Meus soldados estavam inquietos. Estávamos encurralados, sem saída. Atrás de nós, os portões da cidade e sua muralha de trinta metros. A frente, um exército, muito bem armado, descansado e bem alimentado. Nós não teríamos chance contra eles.

A tensão aumentou à medida que chegavam mais perto. Todos ficaram em prontidão para o choque de espadas e escudos. Eu andei até a frente do meu exército e me preparei para lutar também.

Eymor parecia liderar o ataque. Aqueles homens marchando com fúria para cima de nós, como se esquecessem que há pouco, estávamos arriscando nossas vidas por eles. "Hipócritas inúteis", pensei. Desembainhei minha espada, com certa dificuldade. Meu ombro doía muito por causa da mordida daquela fera.

— Atacar! — gritei quando a primeira leva de soldados nos alcançaram.

Ambos os exércitos se chocaram, criando uma confusão de armas e escudos. Fui abrindo caminho entre os escudos e lanças à minha frente. Tive que usar as minhas duas mãos para segurar a espada, devido a dor nos ombros. Chutei o escudo de um soldado, o jogando para trás e girei a espada para defender um golpe de uma lança que vinha à minha direita.

Em meio ao calor da batalha, é praticamente impossível não ser acertado por alguma lança ou flecha perdida. Ou você é habilidoso o bastante para sair ileso, ou é muito sortudo. Eu tenho ambas as qualidades comigo.

Olhei em meio àquela confusão e avistei Eymor ao longe. Fui caminhando até ele, abrindo caminho e cortando todos que entravam na minha frente.

— Parece que agora poderemos ter nossa tão aguardada batalha — falei ao capitão.

Eymor grunhiu de raiva e partiu para cima de mim, me golpeando por cima com sua espada. A cada golpe meu ombro parecia se partir.

Eu fui me afastando para trás, até perder o equilíbrio e cair de costas para o chão, deixando cair minha espada. Eymor não perdeu tempo e desceu a espada para me cortar ao meio. Rolei para o lado, desviando do golpe, peguei o escudo de um morto ao meu lado e me defendi de seu outro ataque.

Eymor continuou golpeando, quebrando cada vez mais meu escudo. A sua voracidade não me dava espaço para revidar. Por sorte, outro soldado tentou atacá-lo pelos lados. Ele simplesmente, afastou a lâmina do soldado com a sua e cortou seu pescoço. Eu aproveitei a brecha e soquei seu elmo com o escudo, fazendo-o cair de sua cabeça. Continuei o golpeando até ver seu rosto se tornar rubro de tanto sangue. Ele começou a cambalear para trás. Joguei o escuro fora e comecei a socá-lo com minhas próprias mãos. Seu sangue banhou meu rosto e minhas mãos, até que eu ficasse tão rubro quanto ele. Eymor caiu de costas, tentando se defender, com as mãos sobre o rosto. Eu queria matá-lo, eu precisava socá-lo até ficar feliz o bastante comigo mesmo.

Mas não foi o que aconteceu.

Uma flecha me atravessou bem no ombro. No mesmo ombro em que eu tinha levado a mordida. Eu segurei o grito de dor, assim como segurei a flecha e a quebrei, tirando de meu ombro. Para piorar, quando olhei em volta, me vi cercado de soldados inimigos, desarmado e ferido. Eu tinha avançado muito à frente. Meus homens lutavam mais atrás. Eu estava completamente sozinho contra eles.

— PODEM VIR! — gritei para aqueles soldados, soltando um sorriso repleto de dentes rubros de sangue. — Vamos, tentem me matar. Vocês irão morrer, covardes! Vou matá-los, um por um.

Eu gritei para que me atacassem, disse que mataria todos eles. Meus olhos e face tingidos com sangue de seu capitão, já espatifado no chão, fez com que todos temessem me atacar. Nenhum homem ousava avançar contra mim.

De repente, o portão começou a se abrir e chamas começaram a apontar nas torres. Raed e Greggory, pelo visto, conseguiram concluir suas missões. Mas não a tempo, os reforços do rei já estavam quase em cima de nós.

No último momento, como se fosse por ironia do destino, um outro exército se chocou com as tropas do rei. Sir Lorenk e seus homens, vivos e determinados a vencer. Pelo visto, eu estava errado sobre eles. Erwin e seus soldados abriram caminho até mim. Eu gritei para que todos corressem para fora dos portões enquanto Lorenk segurava o exército do rei.

Corri até os portões e me encontrei com Sir Greggory e Raed na saída. Ambos parecendo bastante animados com toda a carnificina. "Tão loucos como eu", pensei.

Alguns soldados nos cercaram. Para a infelicidade deles, não tinham ideia contra quem estavam lutando. O primeiro atacou Sir Greggory com sua espada, que recebeu a dele como resposta, sendo cortado ao meio. Outros dois foram para cima de Raed, que com precisão cirúrgica, cortou seus braços, espalhando sangue por todo lado. O restante dos soldados, largaram suas armas e fugiram, pelo visto tinham um pouco de bom senso.

Corremos, deixando Sir Lorenk e todos aqueles homens para trás. Flechas choviam sobre nós, fazendo com que muitos caíssem no meio da corrida. Erwin e Bran vieram ao meu lado, me protegendo com seus escudos.

Quando estávamos longe o bastante das muralhas da cidade imperial, olhei para trás. A fumaça e o fogo que queimavam naquelas torres, trouxeram-me lembranças à tona. Pensei em todas aquelas pessoas que morriam de fome dentro daquelas muralhas, pensei em todo sangue derramado naquela noite e em tudo que eu fizera até agora. Perguntei-me se tudo aquilo realmente valia a pena, ou se estávamos apenas andando em círculos, matando-nos uns aos outros, aos poucos, até não restar nada.

Nada além de cinzas.

O Matador de Deuses - TenebrisOnde histórias criam vida. Descubra agora