Capítulo 10 - A Dança do Silêncio

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Escuridão.

Eu não podia ver, nem mesmo ouvir ou sentir.

Chuva.

Um vazio profundo e solitário. Tentei me mover, mas a sensação era como se eu estivesse em baixo d'água, afundando cada vez mais e mais.

Fogo.

Uma luz tênue surgiu em meio às trevas. Um verde fraco emanava daquela luz. Algo me chamava até ela. Um sentimento forte me tocou e eu nadei até aquela luz. A sensação era cada vez mais sufocante. À medida em que eu chegava mais perto, a pressão aumentava. Era como se a caminhada, ou no caso o nado, exigisse o dobro de mim a cada metro em que eu avançava. Exausto, finalmente eu podia ver a luz mais de perto.

Eu me encontrava perto o bastante para pegá-la com minhas próprias mãos. Seu brilho agora, não mais tênue, mas intenso. Estendi minhas mãos para alcançá-la, mas tudo parou. Agora eu me via totalmente travado, como se eu não pudesse mais controlar meu próprio corpo. Então, uma voz veio, como um sussurro em meus ouvidos. Dizendo ao tom de muitas vozes, uníssona e melódica.

"O equilíbrio está desfeito...".

Acordei ofegante e suando frio. O sol já estava se pondo e a brisa fria do crepúsculo tocava em meu rosto. Me sentei de costas para a árvore, olhando em volta, ainda assustado pelo sonho estranho. De todos os sonhos estranhos que já tivera, nenhum foi tão intenso como aquele.

Ao olhar em volta, meu susto foi ainda maior, fez até mesmo que eu me esquecesse do sonho por alguns instantes. Nara estava sentada de costas para mim, segurando seus joelhos e olhando o pôr do sol.

— É lindo, não é, Jack? Ver o pôr do sol daqui de cima é uma experiência única. A cada dia em que eu vejo, é como se fosse a primeira vez. As cores vibrantes, alternando entre vermelho e laranja e as sombras dando seu contraste à paisagem, é simplesmente fenomenal. — Ela virou seu rosto para mim e deu um sorriso.

— Nara, você me assustou! Há quanto tempo você está aqui? — perguntei, ainda confuso com aquele sonho estranho.

— Estou aqui há algum tempo. Não quis te acordar. Você parecia tão fofo dormindo... — disse Nara, soltando um risinho em seguida. Eu enrubesci. — Ah, não se preocupe, não fiz nada com você enquanto estava dormindo.

— Eu sei disso! — indaguei, ainda sem jeito.

— Você perdeu o festival — disse Nara, com um tom de reprovação. — Estava incrível esse ano. Até o Duque se arriscou a participar do espetáculo de mágica dos itinerantes. Sem contar, toda aquela comida e bebida à vontade. Por que você sumiu daquele jeito?

— Eu... eu só não estava muito disposto. É isso... — falei em baixo tom, envergonhado e cabisbaixo, lembrando do jeito infantil em que eu tinha agido horas atrás.

— Jack, não me diga que foi por causa do Zjarr? — perguntou Nara. Ela parecia saber o real motivo, mas queria tirar isso de mim. Resolvi então dar isso a ela, afinal eu não tinha mais nada a perder.

— Sim, foi por causa dele. Eu pensei que a gente ia passar a porcaria do festival juntos... — olhei para os olhos dela. Mas que merda, ela realmente estava tentando arrancar isso de mim. — Só nós dois...

— Ahahaha. Sério, Jack? Foi por causa disso? — Ela soltou uma gargalhada, até mesmo caiu para trás de tanto rir. Parecia que eu tinha contado a melhor piada da vida dela. Eu fiquei realmente furioso com aquilo. Eu abri a boca para xingá-la, mas ela falou primeiro. — Ah, Jack, por que você não me disse isso antes? Se eu soubesse que essa era a sua intenção eu não teria convidado o Zjarr para me acompanhar. Na verdade, ele é um falastrão, sem nenhuma classe. Não estava suportando a companhia dele. Preferiria mil vezes ter passado o festival ao seu lado. — Novamente aquele sorriso.

— Então por que me convidou primeiramente? Se você já tinha intenções de passar o festival com ele, por que perder tempo de me convidar?

— Na verdade eu não sabia que eu iria com ele. Foi algo de última hora sabe, não tive como recusar... — ela falou olhando para os lados. Percebi que tinha algo que ela não estava me contando sobre ele. Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, Nara se levantou e estendeu sua mão para mim.

— Depois que você foi embora, aconteceu o festival de dança. Vários casais dançaram e os vencedores levaram para casa um prêmio entregue pelo próprio duque. Logicamente, o senhor "nada cavalheiro" que me acompanhava, estava ocupado demais enchendo a cara e cortejando outras mulheres. Então eu fui embora, decidi vir para um lugar mais calmo. A surpresa foi encontrar você dormindo aqui. No fim, alguém ficou me devendo uma dança. Agora, aonde eu poderei encontrar um cavalheiro para me dar essa honra? — Ela continuava com sua mão estendida.

Sem pensar duas vezes, peguei em sua mão e me levantei. Coloquei minha mão esquerda em sua cintura e a direita sobre sua mão direita. Eu obviamente não sabia dançar, mas já tinha visto nobres praticarem no castelo do duque. Ela então aceitou a dança e começou a balançar ao meu ritmo.

Meus pés balançavam em sincronia aos dela. A brisa, agora noturna, o farfalhar das folhas e o som dos grilos e corujas, produziam uma sinfonia para uma dança silenciosa. Meus olhos colados ao dela, movimentos desregulados, mas seguindo uma ordem específica. Uma naturalidade era percebida naquela dança. Podia não ser a dança mais elaborada, digna de levar o prêmio do festival, mas para nós, era algo especial. Os sentimentos daquela dança se misturavam junto à brisa da noite que se iniciara. A cada passo que era dado, uma nota era tocada em sincronia. Meus olhos colados aos dela, meu corpo ao dela. Nossos corpos iam de um lado ao outro, e a música seguia nosso ritmo. Era como se um menestrel orquestrasse uma sinfonia, apenas para aquele momento.

Ficamos ali, naquela dança silenciosa, eu e ela. Foram poucos minutos, que para mim pareceram horas, as horas mais perfeitas de minha vida.

Aos poucos, aqueles instantes tão únicos foram cessando, juntamente à sua melodia. Paramos de frente um para o outro. Tão silenciosos quanto a música, estávamos naquele instante. Olhei nos olhos de Nara, deles saiam lágrimas.

— Desculpe Nara, eu pisei em seu pé? — falei sem entender o motivo das lágrimas.

— Eu é quem deveria pedir desculpas, Jack. Desculpas não pelo o que eu fiz, mas pelo o que eu farei. Espero que um dia você entenda, e talvez, só talvez me perdoe. — Ela falava num tom melancólico, me olhando fixamente nos olhos.

Então me beijou no rosto. Senti um perfume suave e adocicado, em seguida, tudo foi escurecendo, minhas pernas falharam e os sentidos começaram a me deixar. Nara sussurrou algo em meu ouvido.

— Por favor, fique aqui.

O Matador de Deuses - TenebrisOnde histórias criam vida. Descubra agora